O Brasil no aterro

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Foto de Carlos Gurgel
O artista multimidia paulistano José Roberto Aguilar, que festejou em abril seus 80 anos

Aos 80 anos, o artista plástico Aguilar lança O Salvador do Mundo, no qual examina a encruzilhada humanística do País

José Roberto Aguilar é reconhecido instantaneamente como artista visual pela constância de sua presença na pintura, videoarte, videoinstalação e performances – ele participou da primeira Bienal de São Paulo há quase 60 anos, em 1963. Mas Aguilar também ambicionou ser escritor, embora sempre se declare frustrado por ter privilegiado outras linguagens. Publicou seu primeiro livro em 1981, A divina comédia brasileira. Agora, ao completar 80 anos, ele retoma o fio da meada com o sexto livro de ficção, o romance O Salvador do Mundo (Iluminuras).

Nessa história, Aguilar conta, de forma nem um pouco convencional (com recursos de fluxo da consciência, automatismo dadaísta, referências de autobiografia e reflexão político-existencial), a história de um antigo e eternamente novo personagem: o último empreendedor brasileiro, Zé da Merda, um sujeito que erige um império a partir do derradeiro bem deixado pela devastação ambiental e econômica do Brasil, o aterro sanitário, a montanha de dejetos da sociedade.

Na narrativa, os temas das pinturas e da prosa de Aguilar se interpenetram: os filósofos gregos, os mitos do folclore brasileiro, os artistas antecipadores, o questionamento do divino, a civilização da máquina, o socialismo, a desigualdade, as etnias, o sexo livre, a exploração capitalista, o machismo, o algoritmo, o tai-chi-chuan. Até mesmo o próprio autor (ao lado dos colegas Ivald Granato e Claudio Tozzi) surge como personagem.

O cerne do livro lembra uma atualização do tema do messianismo manipulado de O Salvador da Pátria (telenovela de 1989, cuja base era O Crime do Zé Bigorna, de Lauro César Muniz). Vertiginoso passeio pelos meandros da própria consciência peripatética de Aguilar, O Salvador do Mundo alegoriza esse destino brasileiro de ter que renascer continuamente a partir da devastação total (que geralmente é conduzida pelo próprio brasileiro).

Paulistano nascido em 11 de abril de 1941, ex-aluno de Economia da Universidade de São Paulo, Aguilar, ainda no final dos anos 1950, juntou-se ao menestrel Jorge Mautner e a José Agrippino de Paula, guru tropicalista, para criar e difundir o movimento do Kaos. No final dos anos 1960, se mudou para Londres, onde ficou até 1972, mudando em seguida para Nova York. Seduzido pela cultura de massa (quadrinhos, TV, grafite, publicidade) que migrava para as galerias, ele foi pioneiro em usar a linguagem do vídeo no Brasil, destacando-se em mostra no Beaubourg, em 1979, em Paris.

Aguilar também fundiu a música aos seus propósitos artísticos, tornou-se compositor e criou, em 1979, a Banda Performática (que teve como integrantes Arnaldo Antunes e Paulo Miklos, embrião dos Titãs). Por sua sempre movimentada entourage, flanaram artistas como o pernambucano Flaviola e o bardo cearense Belchior. Nas sete vidas de seu personagem central em O Salvador do Mundo, a utopia que se desprende do texto é a da imparável evolução sensorial do ser humano. Aguilar sonha com a redenção. 

O Salvador do Mundo. De José Roberto Aguilar, Editora Iluminuras, 176 págs. 59 reais

 

 

 

 

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