Juscelino Neco, cartunista de Campina Grande, revisita a obra do mestre do horror com as tintas da escatologia
O horror, na obra do escritor H.P. Lovecraft (1890-1937), habita com brutal normalidade a superfície do ser humano. O próprio autor parecia referendar sua teratologia com pinceladas de fobias sexuais, racismo, misantropia, esquisitice. Ao longo das décadas, seus contos sinistros vitaminaram um monstruário de recursos no cinema, na tevê, nos videogames, nos RPGs, nos quadrinhos, na arte visual e nas séries (chegou ao século XXI na HBO, com Lovecraft Country, que estreou em agosto).
No Brasil, coube a um cartunista paraibano, Juscelino Neco, doutor em comunicação pela USP com uma tese sobre Angeli e Robert Crumb, apresentar uma visão contemporânea das bizarrices de Lovecraft, um autor incensado por Jorge Luis Borges, William S. Burroughs, Houellebecq e Neil Gaiman. O resultado é Reanimator, inspirado no conto Herbert West – The Reanimator, de 1921 (por sua vez, uma paródia do clássico Frankenstein, de Mary Shelley).
Reanimator, de Juscelino Neco, é como se fosse uma pílula concentrada dos recursos históricos dos quadrinhos underground. Um cientista chamado Herbert West desenvolve uma fórmula para reanimar os mortos. Mas a universidade recusa financiar o desenvolvimento de sua pesquisa, e ele aceita os préstimos de um amigo, literalmente um porco chauvinista, para fazer a coisa por caminhos, digamos, heterodoxos. Cooptam um mendigo das ruas e injetam nele o troço. A partir daí, o amigo de West descobre os poderes estimulantes da fórmula e começa a vendê-la como uma droga alternativa.
A distopia, nesse caso, ´é a aposta na voracidade irracional da própria humanidade para se desenvolver. Se ofereceram a eternidade nas ruas por 1,99, vai ser uma chacina, pensa Lovecraft. Juscelino aproveita a deixa para aproximar 1921 de 2020, desabafando em cima de terraplanistas, negacionistas do Holocausto e outros fantasmas da atualidade. Como desenhista, usa o caos da desordem dos gibis antropomórficos para criar abstrações fabulosas.
Serviço:
Reanimator. De Juscelino Neco. Editora Veneta, 152 páginas, 55 reais.