Quadrinhos na era da pós-verdade

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Sabrina, o primeiro gibi a disputar o Man Booker Prize, é lançado no Brasil

Vidas permeadas pela tela dos smartphones e pelas videoconferências, um ambiente de tédio controlado, de armamentismo corriqueiro, de vazio existencial. Sabrina, de Nick Drnaso, a primeira história em quadrinhos indicada para o Man Booker Prize, o maior prêmio literário de língua inglesa (outorgado desde 1968, e que já teve como vencedores Salman Rushdie e Nadine Gordimer), sai no País em edição da Veneta Editora. Seu ritmo narrativo deve surpreender os fãs tradicionais de quadrinhos – é muito mais literatura que artes gráficas, mas ao mesmo tempo é definitivamente inovador em termos de artes gráficas, com seu geometrismo quase indiferente, rígido, de desenhos chapados.

A história começa com uma breve introdução ao personagem Sabrina, que cuida dos gatos dos pais e cuja vida, se deduz, não tem demasiado espaço para o imprevisto, para a aventura, ao contrário da irmã, Sara. Ela ainda vive sob as asas dos pais, não avança muito no relacionamento íntimo com o namorado, não planeja grandes saídas da rotina. Mas, logo adiante, pela sequência de fatos, sabemos que Sabrina desapareceu misteriosamente.

Entra em campo então o núcleo masculino da trama. Calvin é um militar recém-divorciado que
fala com a filha, Cici, pelo computador e sonha reunir-se com a família. Ele tem armas num saco num armário e cultua o espírito de irmandade masculina. É por conta desse sentimento que ajuda um amigo, Teddy, que encontra-se deprimido após o súbito desaparecimento da namorada, Sabrina. Até que um pequeno jornal de província recebe uma fita VHS antiga que mostra o assassinato de uma jovem. A partir daí, uma intensa rede de intrigas, paranoia, ondas depressivas e coisas não ditas e estranhas começa a acontecer, colocando o resignado e burocrático Calvin em face a situações que não costumava ver tão perto de si, ou que só via nos vídeos bizarros da web que assistia com colegas de repartição. Um niilismo progressivo vai envolvendo os personagens, que descobrem um universo de atividades distante de seu arbítrio, mas que pode levá-los ao enlouquecimento e à ruína. O mundo da pós verdade.

Drnaso, de 31 anos, adentra um tipo de narrativa política muito adequada aos tempos atuais, turbinada pelos fóruns de internet, pelo assédio digital e também pela falta de poder de reação de uma juventude já habituada a ter uma tutela automatizada de suas ações. É uma admirável novidade no mundo das graphic novels.

Sabrina. De Nick Drnaso. Tradução de Érico Assis. Editora Veneta, 208 páginas, 120 reais
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