Inspirada ficção de Paulo Scott debate racismo e outros problemas brasileiros
Após o golpe que destituiu Dilma Rousseff do poder – e tudo o que daí adveio – a vida de ficcionistas deve ter ficado mais difícil, concorrer com a realidade brasileira chega a ser desleal. É como diz uma tira de André Dahmer com a qual vez por outra nos deparamos nas redes sociais, que diz: “Lembrem-se./ Um país bom para um chargista trabalhar…/ É um país ruim para vocês viverem”.
Talvez por isso mesmo “Marrom e amarelo”, novo romance de Paulo Scott, não traga a tradicional advertência “baseado em fatos reais”, embora, por outro lado, seja difícil escrever aqui “ficção sobre racismo”.
Scott aborda diversos aspectos do racismo brasileiro, em círculos que vão dos familiares aos universitários, passando por ambientes governamentais (portanto institucionais), com episódios com que qualquer leitor se identificará facilmente: não é difícil dizer que qualquer um deles já foi racista, já sofreu racismo ou já presenciou alguma cena de racismo.
Paulo Scott é narrador habilidoso, como já demonstrou em títulos anteriores. Tem pleno domínio da linguagem e joga com o leitor, abrindo mão de travessões e pontos de interrogação: se o racismo é algo tão corriqueiro (e naturalizado) na sociedade brasileira, o autor coloca no papel a língua de quem pratica e sofre racismo cotidianamente.
Equilibra-se num jogo de flashbacks que acompanha a trajetória de um par de irmãos, Federico e Lourenço, entre a infância e adolescência passadas no Partenon (no que os personagens se confundem com o autor, que viveu naquele bairro da periferia de Porto Alegre até os 22 anos), suas carreiras profissionais e um drama que irá reconectá-los, numa prosa que tem elementos de drama, suspense e policial.
Há também elementos de distopia (outro ponto a aproximar a ficção de Scott da realidade brasileira): o livro começa com a chegada de Federico a uma reunião de uma comissão instituída pelo governo federal para debater novos métodos de acesso de estudantes pardos, negros e indígenas a universidades públicas pela política compensatória das cotas raciais, mote que permeará todo o enredo.
Além do racismo, o livro discute o jeitinho brasileiro, a prevaricação, a corrupção e, não podia ser diferente, tece as devidas críticas ao governo federal, diante dos vários retrocessos diante das temáticas elencadas e de políticas públicas diminuídas ou simplesmente desmontadas.