Imagem de Spinning, quadrinhos de Tillie Walden
A cartunista e patinadora Tillie Walden mostra, em Spinning, a descoberta da sexualidade e do arbítrio no interior dos códigos de um esporte.

Um curioso paralelo entre a disciplina esportiva e a conquista progressiva da sexualidade é algo que poucos artistas se atreveriam a tentar descrever, equacionar. Mas o que Tilly Walden fez em seu livro Spinning é algo que foi além disso: os próprios movimentos do aprendizado esportivo, em seus quadrinhos, conduzem a uma liberação progressiva da vontade, e o resultado é possivelmente a melhor história em quadrinhos publicada em 2019, já no epílogo do ano.

A autora só tinha 21 anos quando fez essa graphic novel de quase 400 páginas (ela tem 23 anos agora e já publicou sete livros). Spinning é um livro de uma espantosa maturidade, emparelha-se rapidamente com o clássico Retalhos, de Craig Thompson (2009), que trata de tema semelhante, mas do ponto de vista masculino. Tillie Walden retrata a si mesma, jovem menina lésbica, num universo dominado pelos códigos femininos, as patinadoras e suas brincadeiras de meninas, suas crueldades, seus bullyings.

Mas não é de ação que se trata, e sim de movimentos. O livro ganhou o mais prestigioso prêmio de quadrinhos no ano retrasado, o Eisner Award, em 2017. “Walden retrata seus estados emocionais em quadros elegantes: minimalistas, experimentais, mais delicados que a lâmina de um patim, cercados por amostras corajosas do espaço negativo”, escreveu o jornal New York Times sobre o álbum.

“O primeiro amor é importante para todo mundo. Mas quando se jovem e gay não assumida, é algo completamente diferente”, escreve Tillie, que se dedicou à patinação competitiva durante 12 anos de sua vida (desde a mais tenra infância). Ela passa a curtir os grandes ambientes vazios dos ginásios com pistas de gelo, acordando muito cedo para chegar antes das outras meninas. Passa depois a curtir a solidão dos quartos de hotéis em viagens de competição. Sua saga é ilustrada às vezes por rigorosos desenhos esquemáticos, mas na maioria das vezes somente pelo estudo das expressões, das reações, das explosões internas.

Tillie tem uma grande delicadeza em envolver a família, a dedicação do pai nos treinamentos, os próprios métodos de se relacionar com as lembranças. “Você pode pensar que, ao escrever essas memórias, você gostaria de se reconectar com o passado. Mas não funcionou assim comigo. Eu evitei fotografias. Evitei os lugares e as pessoas nessa história o tempo todo”. Ela queria contar uma história diferente, uma “história externa”, algo que desse conta de que ela construía uma história de si mesma naquele momento, e tudo estava constantemente em mudança e sendo reconstruído. Desde essa assombrosa estreia no ramo da autobiografia ilustrada, quando publicava na internet, ela já ganhou os prêmios Ignatz, o Broken Frontier e o Los Angeles Times Book Prize.

Spinning. De Tillie Walden. Tradução de Gabriela Franco. Editora Veneta, 400 págs, 85 reais.

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome