A diáspora africana em ‘Embarque Imediato’

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A diáspora africana na peça "Embarque Imediato''
Cena de Embarque Imediato - Foto Caio Lirio

Na montagem Embarque Imediato, em cartaz no Teatro Poeira, no Rio de Janeiro, Antonio e Rocco Pitanga revelam as consequências da migração forçada

A peça Embarque Imediato traz ao palco do Teatro Anchieta, no Sesc Consolação, o belo encontro artístico entre Antonio e Rocco Pitanga. Ter pai e filho dividindo afetuosamente a encenação favorece a abordagem sobre um tema duro e pouco enfrentado. A montagem do desconcertante texto de Aldri Anunciação fala da diáspora africana e de suas consequências sentidas até os dias atuais. São reflexões, muitas e necessárias, lançadas pelos personagens com força para reverberar entre públicos diversos.

Dois homens estão confinados em uma sala de um aeroporto por terem perdido os passaportes durante uma conexão de voo. Ambos são negros e aguardam a liberação para poder continuar a viagem. Os 80 anos de Antonio Pitanga dão o suporte para o sábio personagem de um senhor africano. Ele é um descendente dos Agudás, os ex-escravos libertos que retornaram à África por alforrias não raras vezes compradas. Rocco interpreta um orgulhoso doutorando brasileiro que está a caminho da Alemanha para estudar Bertolt Brecht. É nesse embate entre um crítico e um defensor de aspectos da migração forçada dos africanos, e sua escravização nas Américas, que a peça se desenvolve.

Os personagens, embora singulares, encarnam diferentes sujeitos, com múltiplas possibilidades interpretativas, como os são os milhões de afrodescendentes. Mas a sabedoria do texto está em friccionar duas visões bem dicotômicas, a madura e a jovial, para abordar questões como identidade, tempo e alteridade. E o ponto-chave da peça está em mostrar que os africanos, ao contrário de praticamente todos os outros migrantes dos séculos passados, foram os únicos que não tiveram o direito de escolha, tanto para ir como para voltar. À exceção dos Agudás, nunca houve a possibilidade real de retorno às origens.

A trilogia da diáspora africana

Ver Antonio Pitanga atuando já é uma atração em si. Pioneiro do empoderamento dos negros nas artes brasileiras, ator atuante em diversos filmes desde os anos 1950, foi vereador do PT por dois mandatos, marido da ex-governadora Benedita da Silva e é pai de Camila Pitanga. A atriz global aparece na montagem em projeções sobre o cenário, assinado por Erick Saboya. A ideia de reconstituir um ambiente fechado e entrincheirado, o lugar onde se confinam os que “não são bem-vindos” aos olhos dos poderes vigilantes, limita a aproximação dos personagens com a plateia, mas serve de suporte para a projeção das imagens que reforçam a narrativa.

Embarque Imediato, sob direção de Márcio Meirelles, fecha a trilogia que se completa com Namíbia, Não! (dirigido por Lázaro Ramos) e O Campo de Batalha (direção de Meirelles e Fernando Philbert). As três peças não se constituem como uma história única, mas abordam o tema da diáspora africana.

* A peça estreou em dezembro no Teatro Poeira, no Rio

Embarque Imediato. Com Antonio e Rocco Pitanga. No Teatro Anchieta (Sesc Consolação, em São Paulo), quinta-feira a sábado, às 21 horas, e domingo, às 18, até 8 de março. Ingressos a 40 reais.
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