A fronteira invisível

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Subindo o rio Muru e o rio Humaitá por três dias (no verão são cinco dias, porque os rios estão secos), logo após percorrer 400 km desde Rio Branco até Tarauacá, no noroeste do Acre, chega-se à Terra Indígena Kaxinawá. Ali, há 33 anos, nasceu, formou-se e vive o cineasta Nilson Tuwe Huni Kuin, filho de um cacique tradicional dos Kaxinawá e diretor do filme Nós e os Brabos (parte do documentário Notícias dos Brabos), sobre os únicos povos que vivem livres no planeta Terra: os índios isolados daquela região.

Nós e os Brabos é um dos destaques da Aldeia SP – Bienal de Cinema Indígena, festival de filmes feitos por índios (com três convidados não-índios) que começa nessa sexta-feira no Centro Cultural São Paulo (CCSP), às 15h. O mundo começou a prestar atenção nesses povos que vivem longe da civilização, sem nunca terem tido contato com brancos, principalmente após um sobrevoo de uma equipe da televisão BBC, de Londres, em 2010, cujo guia era Nilson Tuwe. As imagens de um povo vermelho e preto, assustado com o barulho da máquina voadora, ganharam o mundo.

SAO PAULO 29-05-2008 VIDA & In this image made available Thursday May 29, 2008, from Survival International,  showing 'uncontacted Indians'  of the Envira,  who have never before had any contact with the outside world, photographed during an overflight in May 2008, as they camp in the Terra Indigena Kampa e Isolados do Envira, Acre state, Brazil, close to the border with Peru. 'We did the overflight to show their houses, to show they are there, to show they exist,' said uncontacted tribes expert Jos Carlos dos Reis Meirelles Jnior.FOTO Gleison Miranda, Funai/AE

Formado em Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena, Nilson Tuwe trabalha numa espécie de fronteira invisível: ele cuida para que os quatro grandes grupos dos últimos povos isolados que vivem entre o Acre e o Peru (uma população estimada em cerca de 300 indígenas) não sejam contatados, nem vice-versa. É como vigiar o ar.

Esse trabalho delicado é árduo. O avanço da exploração madeireira, da mineração e outros fatores acossam os povos isolados, e mesmo o seu aumento populacional (por conta da proteção) também os empurra para a peregrinação em busca de comida pelo seu território, gerando ameaças.

“Vejo o cinema como forma de linguagem e como forma de trabalho. Nas aldeias, a gente aprendia oralmente, até pouco tempo. Estamos nos apropriando dessa tecnologia para aprender sobre nós mesmos, para registrar nossa cultura e nossos problemas”, diz Nilson, recém-chegado a uma pousada na Vila Mariana, em São Paulo, para participar da Aldeia SP. “Há cem anos, se tivéssemos uma câmera, nós saberíamos hoje como nossos índios viviam.”

Os Kaxinawá são vizinhos dos povos isolados, e de vez em quando fazem contato visual. Chegaram a ceder um terço de sua terra para os isolados, conta o diretor. “O povo isolado é nosso parceiro. O ideal é trabalhar na vigilância e na conscientização”. O grupo mais próximo é o Shenipabu, a aldeia focalizada pelo sobrevoo da BBC. “São tranquilos, mas se mexer com eles, podem ser violentos”, diz Nilson. Durante a seca dos rios, os Shenipabu saem pelo território, e é quando aumentam os contatos visuais. “Estão começando a saquear, a perambular durante o verão”, diz o cineasta.

O trabalho e a experiência de Nilson Tuwe são raros, e a partir de segunda-feira estarão em debate pelos Centros Educacionais Unificados (CEUs) de São Paulo, onde seu filme será mostrado de graça (conheça aqui a programação da mostra). Seu documentário começou a ser realizado em 2009, e prevê também o registro do contato entre os isolados e os ditos civilizados – há dois anos, no alto rio Envira, na fronteira com o Peru, um grupo fez contato forçado, pela pressão da atividade madeireira. A divulgação de Nós e os Brabos também é uma forma de o diretor conseguir visibilidade para seu projeto, que prevê o financiamento de um longa-metragem.

 

(Este texto integra a cobertura da Aldeia SP, em parceria de FAROFAFÁ com a Bienal de Cinema Indígena.)

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