Encontro Concha Buika no meio da tarde no restaurante Antonietta, colado ao cemitério da Consolação.
Ninguém no mundo a chama de Concha. Em todos os continentes, ela é chamada apenas de Buika. Apenas a mãe a chama de Conchita. Ela só conheceu o pai há 8 meses, quando ele morreu. Vinda de Maiorca, Espanha, ela e os 6 irmãos foram criados pela mãe, após o pai abandonar a família que imigrara da África (ela tinha 9 anos e diz que não se recorda dele da infância).
No filme A Pele que Habito, de Almodóvar, Buika canta duas músicas, uma delas interpretando ela mesma numa festa. Ela canta no sábado no HSBC, em São Paulo.
Atualmente, Buika vive em Miami. É poeta (acaba de lançar A los que amaron a mujeres dificiles y acabaron por soltarse). Não crê em vida após a morte. “Os vivos é que têm a capacidade de serem filhos da puta. Os mortos não”.
Conversamos muito e rimos muito. Uns trechinhos da conversa:
“Desde que pude ouvir, eu canto. Sempre que se canta é para conseguir algo. Eu já cantei para conseguir companhia, por dinheiro, por aplausos. Aos 16 anos, subi pela primeira vez num palco e nunca mais desci”
“Os seres humanos são muito básicos. Guardamos os mesmos segredos, e acontece a mesma coisa com os países. Por isso, quando colocamos os segredos em nossas canções, tanta gente se reconhece nelas. É por isso que não vejo diferença entre o público de Madri ou São Paulo Las Vegas. Porque sinto que passamos anos guardando os nossos segredos, é bom expô-los. Compor, para mim, é dizer a verdade sem medo. Você sabe por que um segredo é um segredo? Não é porque tenha medo de ser descoberto, mas de não ser compreendido. Por isso os guardamos. Porém, quando se ouve o seu segredo em uma canção, se entende tudo”.
“Não me lembro de cantoras em especial do meu passado. O que mais me recordo é o silêncio. No silêncio se concentra toda a música do mundo, todas as revelações. Sabia que a palavra silêncio não existe na maior parte dos países africanos? Porque o silêncio é uma mentira, é um sonho. O branco também é uma mentira, também é outro sonho, não existe”.
“Não sei nada (sobre se sua música encontra ressonância da dos tuaregues). Tudo que podes ouvir através de mim são coisas que tu sabes. Na realidade eu não sei nada. A música é isso, ela serve para que te ouças através de outras pessoas. Não me sinto responsável pelo que tu sentes quando me escutas”.
“Creio na rebeldia depois dos 40 anos. Quando você é rebelde com 40, 50 anos, você muda as coisas. Com 15 anos, não mudas nada. Porque não entendes porque és rebelde. Não tens discurso, não tens argumentos, te faltam conhecimentos”.
“Creio nas catedrais de sons (sobre a música eletrônica). As big bands do passado eram catedrais sonoras. Faziam coisas que não se pode fazer com um trio, com um quarteto. A música eletrônica nos dá a possibilidade de construir essas catedrais. Não substitui nada. Eu gosto da investigação de sons, fico encantada”.
Buika fez o que considero o melhor show do ano passado.
CONCHITA
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