“Preconceito!” É um detento do Instituto de Administração Penitenciária do Amapá (Iapen) quem lança o grito no ar. É uma manhã quente em Macapá, e o festival Quebramar se deslocou temporariamente para dentro do presídio. Vai começar uma batalha freestyle de MCs vindos de fora, e um deles pediu aos presos que sugerissem um mote. “Preconceito!”, escolhe o detento. É um prato cheio para os MCs.
O poder estadual (do PSB) e a produção do festival (ligada ao sistema Fora do Eixo) se encontram no âmbito dos Jogos Internos do Iapen 2013. Há uma entrega de prêmios para os times vencedores em futebol, vôlei, jogo de damas… Emerson Silva, coordenador de tratamento penal do presídio que reúne cerca de 2.400 detentos, conta que 160 internos se escreveram para o Enem Prisional em 2012, 259 neste ano. O núcleo tenta implantar para 2014 no presídio um EAD, um polo de ensino (superior) à distância.
Os premiados – nenhum deles de pele branca – se enfileiram e posam para fotos. Ao contrário do que afirmei no texto anterior (“Macapá”), há logotipos ilustres de mídia presente: microfone da Rede Globo, camiseta do G1. Trata-se da Globo local, do G1 local, e os repórteres, fotógrafos e cinegrafistas também ostentam traços indígenas. O repórter global se senta entre os presos e tira uma foto com eles. Os Jogos Internos passarão na TV, mas só aqui no Norte.
A parte em que o Quebramar se apresenta ao presídio pertence ao hip-hop. O grupo Apologia – O Bando se apresenta entre outros MCs, DJs e um dançarino que faz evoluções incríveis nas quais a cabeça é o ponto nuclear do corpo.
O tema do preconceito rende e, vagarosamente, começa a conquistar os espectadores de início reticentes. A intenção, como explica um dos MCs do Apologia, é “fortalecer a ideia da rapaziada que está dentro da muralha”. Um dos desafiantes classifica o preconceito como doença e critica o fato de o preconceito racial ser tido como normal, banal. “O meu sangue é vermelho”, provoca. “Todo ser humano gera, se regenera”, fabula outro artista.
“Todo mundo diz que o crioulo é marginal”, arremessa um rapper negro, vestido de camiseta quase-vermelha e de havaianas verde-amarelas que ele descalça enquanto improvisa a rima. É um detento, e o primeiro a ser ovacionado pelos companheiros-espectadores. “Isso deve mudar, isso é um absurdo” (aplausos), “tudo começou com a tal escravidão” (urros).
Emerson Silva leva eu e Felipe Peçanha (FdoE/Mídia Ninja) para conhecer a parte mais “suave” (não, esse não é um termo adequado) do Iapen, o setor de triagem, onde celas vazias convivem com outras lotadas. Os caras que estão ali são iguais a mim e a você – não têm marcas distintivas no corpo a não ser, talvez, a cor da pele, aquela que a Fifa afirma não olhar ao selecionar elencos para a Copa num país preto e vermelho e branco e mestiço como o Brasil.
Emerson conta que o Iapen tem, atualmente, 115 detentos analfabetos – e incluídos no programa Brasil Alfabetizado, do governo federal. Há uma escola estadual interna. Dezesseis internos iniciaram um programa interdisciplinar de tratamento de dependência química, apenas seis prosseguem.
A mídia não deve dar as caras, a não ser em dias de festa ou de tragédia – mas, seja como for, hoje estamos aqui. A Petrobrás apoia os projetos do Iapen, como apoia também o festival Quebramar. As religiões entram com força na penitenciária – também ouvimos raps para Jesus Cristo durante a apresentação. Onde poucos querem entrar, entram alguns pastores evangélicos, alguns agentes públicos e alguns artistas. Aqui não é o paraíso. Também não parece nada assim tão diferente do que acontece do lado de fora.