Para acompanhar o editorial “Música, jornalismo & política“, um guia para a famigerada canção brasileira de protesto (ou não), de 1965 até os dias atuais.
1. Roberto Carlos, “Quero Que Vá Tudo pro Inferno” (1965) – o não-protesto: “Quero que você me aqueça nesse inverno/ e que tudo mais vá pro inferno”.
2. Chico Buarque, “Pedro Pedreiro” (1966) – protestinho interiorano plantado na cidade grande, em pique de eterna espera: “Pedro pedreiro penseiro esperando o trem”.
3. Geraldo Vandré, “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores (Caminhando)” (1968) – o protesto em estado bruto: “Caminhando e cantando e seguindo a canção/ somos todos iguais, braços dados ou não”.
4. Trio Mossoró, “Carcará” (1965) – o protesto que não era protesto: “Os burrego que nasce na baixada/ carcará pega, mata e come”.
5. Gilberto Gil, “Procissão” (1965) – o protesto convertido em loa (quase) religiosa: “Muita gente se arvora a ser deus/ e promete tanta coisa pro sertão/ que vai dar um vestido pra Maria/ e promete um roçado pro João/ entra ano, sai ano e nada vem/ meu sertão continua ao deus-dará/ mas se existe um jesus no firmamento/ cá na Terra isso tem que se acabar”.
6. Nara Leão, “Carcará” (1965) – a voz feminina triste da bossa nova, que não fazia protesto, começa a protestar: “Carcará é malvado, é valentão/ é a águia de lá do meu sertão”.
7. Maria Bethânia, “Missa Agrária/ Carcará” (1965) – o protesto que não era protesto vira protesto de uma vez por todas: “Glória a Deus-Senhor nas altura/ e viva eu de amargura/ nas terra do meu senhor”. Ao final, a canção se dissolve em discurso estatístico sobre migração nordestina para o Sudeste.
8. Caetano Veloso, “Soy Loco por Ti, América” (1968) – Caetano homenageia Che Guevara, em hino-canção-de-protesto de Gil e Capinan.
9. Caetano Veloso, “Enquanto Seu Lobo Não Vem” (1968) – o protesto vem às ruas: “Há uma cordilheira sob o asfalto/ a Estação Primeira de Mangueira passa em ruas largas/ passa por debaixo da avenida Presidente Vargas/ vamos passear nos Estados Unidos do Brazil/ vamos passear escondidos/ vamos desfilar pela rua onde Mangueira passou/ vamos por debaixo das ruas/ debaixo das bombas, das bandeiras, debaixo das botas”.
10. Gilberto Gil, “Questão de Ordem” (1968) – Gil já parece intuir que a insurreição não vai dar certo (por ora): “Daqui por diante fica decidido/ quem ficar vigia/ quem sair demora”.
11. Jorge Ben, “Queremos Guerra” (1968) – Jorge canta uma canção de (não-protesto) de Gil, e a (não-)política do comportamento sobe ao primeiro plano.
12. Tom Zé, “São São Paulo” (1968) – música-política-comportamento: “Salvai-nos por caridade/ pecadoras invadiram/ todo o centro da cidade/ armadas de rouge e batom/ dando vivas ao bom humor/ num atentado contra o pudor/ a família protegida/ o palavrão reprimido/ um pregador que condena/ uma bomba por quinzena”.
13. Mutantes, “Panis et Circensis” (1968) – um atentado político-comportamental contra a tradição, a família, a propriedade: “As pessoas na sala de jantar são ocupadas em nascer e morrer”.
14. Gal Costa, “Divino, Maravilhoso” (1968) – política do corpo, na rua.
15. Milton Nascimento e Clementina de Jesus (1973) – quando não se podia mais falar, eles… falavam: “Não lembro de canseira maior/ em tudo é o mesmo suor”.
16. Elis Regina, “Caxangá” (1977) – …e Elis complementa: “Veja bem, meu patrão/ como pode ser bom?/ você trabalharia no sol,/ e eu tomando banho de mar?”.
17. Luiz Gonzaga, “Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores (Caminhando)” (1980) – o velho pernambucano, arauto da ditadura civil-militar de 1964, dá tilt e adere ao protesto: “Vem, vamos embora, que esperar não é saber/ quem sabe faz a hora, não espera acontecer”.
18. Chico Buarque e Os Trapalhões, “Meu Caro Barão” (1981) – Chico e os globais Didi, Dedé, Mussum e Zacarias cutucam os patrões: “Onde quer que esteja, meu caro barão/ São Brás o proteja, o santo dos ladrão”. Teclos de máquinas de escrever fazem a trilha incidental.
19. Racionais MC’s, “Diário de um Detento” (1990) – protesto puro, política pura, do outro lado da muralha social para cá: “Ratatatá, mas o metrô vai passar/ com gente de bem, apressada, católica/ lendo jornal, satisfeita, hipócrita/ com raiva por dentro, a caminho do centro/ olhando pra cá, curiosos, é lógico/ não, não é, não, não é um zoológico/ minha vida não tem tanto valor/ quanto seu celular, seu computador”.
20. Chico Science & Nação Zumbi, “A Cidade” (1994) – a manguetown é aqui: “A cidade não para, a cidade só cresce/ o de cima sobe e o debaixo desce”.
21. Planet Hemp, “Legalize Já” (1995) – política do corpo, e da mente, e música.
22. O Rappa, “Todo Camburão Tem um Pouco de Navio Negreiro” (1994) – o título já disse tudo.
23. Wilson Simonal, “África, África” (1971) – aqui, não sei por quê, fora de tempo, e de lugar…
24. Gaby Amarantos, “Xirley” (2012) – a política do sample: “Eu vou samplear, eu vou te roubar”. Era uma vez uma máquina de escrever…
25. Ellen Oléria, “Nuvem Passageira” (2013) – precisa falar algo mais, se ela, mulher, negra, homossexual e gorda, é a política em pessoa?
Gosto deste blog.Muito boa essa seleção.Só um pequeno eero, diário de um detento é de 1997,e não de 1990.