O Rio parece mais otimista e solidário e até um tanto ingênuo por esses dias. Uma “carteirada” e o guarda deixa passar meu táxi pelo bloqueio na Barra – há anos não conseguia algo assim. O Rio também traz novas visões: uma banda mineira de jazz emerge no meio da chuva num palco no Leblon; uma garçonete se esmera em trazer um bolo de milho ainda quentinho; os séculos voltam a se misturar como paródia na garota com roupa de colegial que esbanja displicência no vagão.

O metrô Pavuna é uma luneta para a vida do subúrbio do Rio, a linha 2 suspensa deslizando displicentemente a partir da estação Botafogo, passando por Maracanã, Graça, Nova América, Del Castilho, Inhaúma.

No metrô linha 2, um olho frita o peixe, o outro olha o gato.

Um olho repassa os problemas do inferno astral: os documentos perdidos, as duas folhas de cheque desaparecidas, a prestação de contas que não foi feita ainda, o celular que não segura bateria.
O outro olho mira os terraços nas lajes, com suas churrasqueiras e seus guarda-sóis e suas bandeirolas do Fluminense recém-desenroladas.

Revisitando Jack Kerouac para bater um papo com Barry Miles, reencontro LuAnne.
LuAnne era a garota de 16 anos que Neal Cassady trouxe de Denver para seu deleite privado. Ele obrigou LuAnne a furtar grana do caixa da padaria em que a empregara e ela foi despedida no primeiro dia de trabalho.
LuAnne talvez seja para sempre a menina de 16 anos que mastiga a imaginação velhaca dos Humberts Humberts desde os primórdios.
E talvez a maior sacada de Kerouac, nesse caso, tenha sido a escolha do nome: LuAnne é o perfeito nome da provinciana ambiciosa, sem temor, sexy por graça da natureza. Perde só para Lula Mae, o nome real da Bonequinha de Luxo de Truman Capote.

De tudo que rolou nos últimos dias, recordo com mais clareza o almoço na estrada, na churrascaria da cidade do poeta, Casimiro de Abreu.
E a doçura do velho balconista octogenário da livraria Ao Livro Verde, em Campos dos Goytacazes, nosso anfitrião depois de cinco horas de carro por uma rodovia de mão dupla.

Só quando você tá gripado de noite é que valoriza um sono bom regular e ordinário, daqueles sem sonho nem nada?
Só quando você ouve uma canção nova fodida do novo disco do John Cale é que se lembra de que estava há muito tempo sem ouvir boa música?
Só quando você já está há dias longe da festa de casamento à qual nem queria ir é que começa a sentir falta do vinho bom que serviram?
Não acredito na privação como entidade revelatória. Não aprendi nada enquanto fodido e mal pago, até porque essa condição nunca me deixou por completo.

O réveillon será em Bonito ou em Salsalito?
Aquidauana ou Chapada Diamantina?
Chapada dos Veadeiros ou Praia do Sono?
Por que não deu certo a viagem ao México? Olho gordo?
Porque não tenho mais escrito crônicas de viagem?
Sentidos embotados, talvez? Preguiça monumental, certamente.
“As chapadas são lindas, mas precisa caminhar muito pra chegar até elas”. Bingo!

Para um filhote de gato órfão, escolher uma nova mãe parece só uma questão de instinto e temperatura do corpo. A descomplicação é uma meta a ser perseguida pelo zagueiro que joga na seleção.
Para um bode velho, ser escolhido por uma fada do Itaim é tipo uma eterna mega sena de Natal.
“Vou tentar controlar o ciúme e prometo não ficar comentando ou te enchendo o saco”.
Mentirosa. Mentira generosa.

E parabéns a todos os envolvidos.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

7 COMENTÁRIOS

  1. Jotabê, como vai?

    Sei que aqui não é o espaço para esse tipo de coisa. Juro que não achei nenhum contato seu além do blog.

    Escrevo porque gostaria de pedir um favor. Estou fazendo uma matéria sobre Madonna para o portal que trabalho.

    Seria uma honra ter um pequeno depoimento seu sobre como ela é importante para a música, principalmente a pop.

    Fico no aguardo da resposta

    Obrigado

    Tiago Wonka
    [email protected]

  2. Wonka?

    Ok, sem problemas.

    A vida toda, Madonna compreendeu o pop como business. Ela constroi sua persona com um apetite vampiresco, sempre alistando em sua obra os caras que estão na ponta, de William Orbit a Lil Wayne.
    Do ponto de vista feminino, ela sempre se posicionou com um exemplo de liberação – sexual, afetivo, profissional. Isso também me agrada.
    Ela fareja o momento é muitas vezes é politicamente corajosa, como quando apoiou as Pussy Riots ou emparelhou o papa com Hitler.
    Ela ousou colocar Robert Mapplethorpe no olho do furacão da mídia mais ignorante, e tiro o chapéu pra isso.
    Claro, Madonna também é repetitiva e é produto de uma multinacional predatória do show biz. A onipresença dela significa (significou) a morte de muitas artistas sutis, e isso é o lado ruim.
    Gosto também de ver que ela não se entedia fácil.

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