noite passada, no espaço caneca, no show favelost
Fausto Fawcett canta de um fôlego só letras de 10, 15 minutos de duração, letras que têm encadeamento de um capítulo inteiro de um livro. E ele não usa nenhuma “cola”. Espanta o cidadão de memória média, para começar.
Fausto reúne o mais baixo da baixa cultura ralé com o mais hermético da cultura acadêmica, promove o encontro da tecla SAP Renato Aragão com a Escolinha do Professor Frankfurt.
Aproxima o camelô de Copacabana da grã-fina de nariz de cadáver, a funkeira do Méier com a patricinha do Leblon. “Bandida-iemanjá, se tá na praia tá querendo”.
Psicanálise de congressos de pedantes maníaco-depressivos com loiras básico instinto seminuas.
E ele tem uma capacidade de concentração nipônica: distribui autógrafos do livro novo, Favelost, no bar e, em um minuto, já está no palco, indo adiante sem pausas.
As letras de suas músicas, como Os Céus Estão Explorados Mas Vazios, parecem conter um componente messiânico rítmico, como se fossem trechos do Alcorão ou das bíblias das seitas com combustível funk.
Fausto Fawcett é um fluxo da consciência punheteira do simulacro, um fluxo que hipnotiza e provoca um deslocamento espaço-temporal, um desconcertamento social.
Fausto Fawcett coloca loira estupefaciente ajoelhada no chão com quase nada de roupa dizendo versos como “chupadinha, mamadinha”, etc e tal.
Bianca Jhordão toca guitarra, percussão e theremin e canta Fanáticos Online.
O filho do Arnaldo Brandão, Rodrigo O’Reilly Brandão, toca guitarra e programação.
Carol Teixeira, com a inscrição “Transcendência Uma Tara” na camiseta, põe fogo no circo, digna herdeira de Regininha Poltergeist.
“Não dá para evitar a China”, diz Fausto, antes de cantar Asia 666, o melhor número musical do show.
A poética de Favelost escapuliu de uma trombada de links de iPads defeituosos fabricados na periferia do mundo.
“Caminhões derramam sobras de tratorias no terreno das vísceras abandonadas”.
Não há moralismo nos versos de Fausto Fawcett, como não havia nos versos de José Agrippino de Paula.
Há sarcasmo? Sim, muito. Mas não é ironia de um cara que se acha mais esperto do que o seu objeto de exame – não, pelo contrário: Fausto apenas fotografa a realidade com sua máquina de superlativação toda especial.
“O Brasil é um eterno abismo que nunca chega”, canta Fausto no show, verso que se repete algumas vezes.
É que Fausto não é um otimista no sentido clássico do termo. Não polyaniza nada.
“Teve gente que se pôs a pensar que as redes sociais nos trariam uma inteligência coletiva”, disse, tempos atrás.
“É o melhor rapsodo vivo do Rio de Janeiro”, tuitou o Ronaldo Bressane.
“Hahahahahahahahahahahahahahahaha”, acabou-se o Xico Sá (e eu com ele).
Ambos têm razão: não há nada parecido no Sistema Solar atualmente. Fausto Fawcett é um caso único.
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