Marta Suplicy causa reações apaixonadas, tanto de ódio quanto de idolatria.
Não compartilho nem de uma visão nem de outra, sinceramente, acho desnecessárias.
O fato é que Marta foi nomeada hoje Ministra da Cultura em substituição à ministra demitida ontem, Ana de Hollanda.
Em minha opinião, Marta parte do ZERO. Não houve ação cultural nos últimos 20 meses no País, apenas um balcão para cooptar sustentação. Frágil, em decorrência disso.
Não tenho a menor dúvida da importância crucial do Ministério da Cultura, porque eu vivi os Anos Collor já como repórter.
Sei o que significa a ação ZERO do Estado na área. Sei o que significa filme ZERO, por exemplo, representando a visão do País.
Políticas ZERO de patrimônio, de preservação de manifestações populares. É triste.
Reconheço também que parte da grande vitalidade cultural e influência que o Brasil exerce hoje teve a ver com uma ação coordenada das políticas públicas nos últimos 20 anos.
Marta disse em seu discurso: “Vamos ‘cirandar’ e aprofundar para deixar uma marca cultural no governo”.
Cirandar.
Sabemos o significado: a formação de uma grande roda, geralmente em praias ou praças, onde os integrantes dançam. É de origem nordestina, de Pernambuco.
A letra de uma ciranda tanto pode ser improvisada como já conhecida.
É uma dança lenta e circular, nunca frenética.
Mas seu resultado é sempre harmônico e coletivo.
É uma boa metáfora.
Gil começou sua gestão com uma metáfora de compreensão mais difícil: do-in antropológico, “massagem de pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do país”.
Marta citou o diplomata e ex-ministro Celso Furtado (1920-2004). Não foi por acaso: seu discurso parecia integrado às ideias do grande Furtado.
Furtado escreveu:
“O objetivo último de uma política cultural deve ser liberar todas as formas criativas da sociedade. Jamais colocá-las sob tutela, mas garantir-lhes espaços para que elas possam desabrochar. A criatividade sendo a um só tempo um processo de ruptura e um processo que se alimenta de raízes do passado; é preciso garantir os espaços para atividades de vanguarda e contestação como se preocupar com a defesa do patrimônio acumulado”.
Marta discursou:
“O Ministério não faz cultura. Ele proporciona espaços, oportunidades e autonomia para que ela se produza” (…). “A criatividade se alimenta da ruptura com o estabelecido”.
Sintomático é que o discurso de Marta atentou fundamentalmente para a questão da cultura digital, objeto do primeiro ato de Ana de Hollanda como Ministra de Estado.
Em 20 de janeiro de 2011, Ana ordenou a retirada do selo do Creative Commons do site do MinC. “Não tinha contrato que justificasse (o selo)”, argumentou.
Marta assume precisamente desse ponto, afirmando:
“Neste século de intensa comunicação e acesso à informação, a excelência na utilização dos recursos da internet será prioridade para o Ministério.”
Celso Furtado explodiu conceituações clássicas de cultura em seu período à frente do Ministério da Cultura.
Ele disse: “Se considerarmos a cultura no seu sentido mais profundo, vamos perceber que ela é mais importante para os pobres do que para as classes privilegiadas. Uma festa popular, por exemplo, tem possivelmente mais significado para aqueles que dela participam do que um grande espetáculo de ópera para uma pessoa de classe média que vai ao teatro quase por rotina”.
Marta disse: “Nós temos História, monumentos e museus a serem preservados. Temos diversidade e frescor de ideias; temos o ingrediente principal, o motor da cultura, que é a criatividade de nosso povo. Tudo isso deverá se interligar, conversar, experimentar, questionar, romper o estabelecido para poder nascer o novo. A capacidade de ousar e inovar. O passado nos interessa na medida em que alimenta o futuro. E quanto mais identificada com sua raiz cultural mais universal será a obra”.
A questão central é se Marta vai aplicar seu ideário ou se vai manter a ocupação do MinC pelos duelistas de sempre: o casuísmo das forças que lutam contra a reforma do sistema de incentivo fiscal e da atualização do conceito de direito autoral; o gabinetismo do PT Cultural; o lobby dos grandes institutos e bancos; e os testas-de-ferro das políticas de balcão, que carreiam recursos para indústrias estabelecidas em vez de para atividades mais frágeis.