foto: jotabê medeiros/ae
Eu tava no conforto da área de imprensa, 9h30 da matina, o sol tava ardendo. Tudo parecia calmo, tinha um cara meio que dormindo em cima da árvore e os garis varriam a avenida sem pressa. O pessoal de camiseta preta se escorava nas grades de proteção e esperava pacientemente. Eu não tava mais com sono, algumas horas na cama afugentaram a preguiça. Mas pressentia algo. Sabe tipo batedor de filme de faroeste quando encosta o ouvido no chão e diz: “Estouro de manada de búfalos”? E realmente a coisa acontece, e os figurantes e um ator coadjuvante morrem pisoteados?
Bom, aí o baixista Thundercat entrou em cena com um celular e começou a filmar a moçada. O guitarrista Mike Clark arranhou o instrumento e o chão pareceu dar uma tremida. Quando o vocalista Mike Muir surgiu, passou um tempo encarando o público numa parte mais escura do palco – parecia cena de ataque do filme O Senhor dos Anéis.
Foi aí que eu presenciei a primeira grande rebelião da Virada Cultural, o maior abalo sísmico. Aos primeiros acordes de You Can’t Bring me Down, o grupo punk Suicidal Tendencies deflagrou uma espécie de senha. O público derrubou as grades de proteção, derrubou o fosso VIP e começou a escalar o palco. Uma menina caiu e alguns caras mais Ken Parker fizeram uma barreira em volta para evitar que ela fosse massacrada. Um moleque de bandana saiu com o supercílio sangrando.
O povo dançava alucidamente, um mosh fantástico, e jogavam a gente para lá e para cá, como bambolês humanos. Encontrei o Batata, que não é besta e deu um passo atrás. Nós dois nos cumprimentamos e demos risada e falamos algo, mas nem um nem outro escutou o que dissemos. Os seguranças, desesperados, tentavam impedir a invasão completa do palco. Deixavam o povo chegar só até a borda, para o stage diving. Foi um verdadeiro tumulto de rock’n’roll, como há muito não se via. Músicas como War Inside My Head, Freedumb e We Are Family deixaram o público em estado de insanidade total.
O veterano grupo de hardcore coroava com uma insurreição a turnê Year of the Cyco, revolta de deserdados na na Avenida São João, uma digna festa punk para marcar os 30 anos de existência da banda, formada na Califórnia em 1981. A banda tocava junto com seu público. O vocalista Mike Muir incentivava a tomada de posição do público, lembrando que durante anos foram todos pisoteados pelo sistema e agora era chegada a hora de dar o troco. Eu não sabia o que fotografar, era tudo muito louco – a grade no chão, o garoto na árvore, as patricinhas perdidas na multidão, o cabelo do Thundercat, o fotógrafo anão com cara de muito sério. Tudo parecia um sonho muito bom, com uma trilha sonora de despertar as profundezas. Showzaço!
Ao ver uma colega jornalista no chão o máximo que você pode fazer é rir e comprimentar o Batata. Parabéns pela pessoa maravilhosa que você é.
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