“Imagino várias esferas cintilantes que se organizam para formar uns… emaranhados que chegam até as pessoas de alguma forma. Música tem esse poder incrível de emocionar, ela é muito poderosa por que vai além das superfícies das sensações humanas. Encaro como uma coisa divina.” Essa é uma de tantas cenas que se passam na cabeça de Vitor Isensee e Sá, 28 anos, solteiro, olhos castanhos, cabelo nos ombros, altura mediana e o compositor, guitarrista, vocalista, programador, tecladista e fundador da banda Forfun, e é anterior a si mesma.
Começa um mês antes, com trocas de e-mails, combinando a data, a hora, o local e a razão e com um prévio encontro, no show realizado no Beco203, na baixa Augusta. Quando me apresentei, ele já começou a demonstrar um pouco de sua personalidade: fez-me sentir como se já nos conhecêssemos há bastante tempo.

Vitor Isensee e Sá, vocalista da banda Forfun - Foto Marcio Isensee

Reencontramo-nos depois de duas semanas, em um domingo com nuvens pesadas e uma brisa que levantaria a saia da menina distraída. Fui encontrá-lo no hotel em que estava com a banda, também na baixa Augusta. Cheguei às 19 horas e quando o relógio marcava 19h15 foi quando ele desceu com uma garrafa de água, bebendo no gargalo, e perguntando: “Por que o interesse em me entrevistar?”. Mudei o rumo da prosa e quem assumiu o questionário fui eu. Começou nossa primeira sessão de perguntas, com duração de uma hora, em uma mesinha no hall do hotel.
Vitor, também conhecido como Peru, explica o apelido: “Quando era moleque com uns 11 anos, no colégio, cortava o cabelo de asa delta e como ele sempre foi muito cheio ai ficava só a cabecinha do peru.” Ele nasceu em São José dos Campos e apesar do sotaque bem carioca, no RG é paulista.
Sua família inteira é do Rio de Janeiro, porém seu pai trabalhava na Embraer em São Paulo, onde ele e seu irmão Márcio Isensee nasceram. Quando tinha quatro anos mudaram-se para a Itália e quando fez seis anos, ele, o irmão e a mãe voltaram para o Grajaú, no Rio, pois seus pais haviam se separado. Logo em seguida, seu pai voltou com suas outras duas irmãs e foram morar no Leblon, no Rio. As meninas não são filhas de sua mãe, porém eles cresceram juntos, se tornando irmãos por parte da vida, como o próprio Vitor classifica.
Apesar de morar com a mãe, continuou tendo contato com o pai e explica essa fase de encarar a separação: “Meu pai sempre foi muito presente, eles são separados, mas sempre estiveram muito próximo, se dão muito bem. Lembro sempre no dia dos pais minha mãe fazendo almoço pra ele lá em casa e vice-versa. É difícil dizer, mas sempre tem um impacto na criança o fato dos pais serem separados, mas… tudo tem impacto. Não foi uma coisa que conscientemente tenha sido um trauma e nunca fiquei triste por causa disso, muito pelo contrário, gostava de ter duas casas. No final de semana ia pra casa dele que era lá no Leblon e ficava mais perto da praia.”
Sua infância foi assim, dividida entre uma casa e outra, porém com amigos nos dois lugares. Tudo normal à medida do possível: era uma criança de apartamento que brincava muito na rua; na escola nunca foi aluno nota 10, mas também nunca foi nota zero, ficava ali nos 7, 7,5.
Quando pergunto sobre algo que marcou sua vida, começa falando de quem teve forte influência em seus caminhos: o pai, projetista aeronáutico, trouxe a paixão e o desejo de ser piloto de avião.
Com 16 anos começou a fazer curso de piloto privado e depois de piloto comercial. Primeiro é estudado a parte teórica e em seguida a parte prática, quando pega no volante e vai para as nuvens. Começou a voar em Bragança Paulista-SP e ficava às vezes um mês longe do Rio para treinar e se preparar para o seu último voo com o militar, chamado de voo de check, que foi quando recebeu sua carteira como piloto comercial, o brevê. Impôs-se um desafio de vida e conseguiu obter sucesso, realizando seu sonho de infância. No dia da aprovação, em 2003 com 20 anos, lembra de ligar para os pais muito emocionado dizendo: “Eu consegui.”
Sua adolescência foi à fase das descobertas, não tinha muitas responsabilidades além de estudar para uma prova ou outra; saía muito com os amigos, ia pras festas, praia no final de semana, viagens de fim de ano, flerte com as meninas. “Essa fase é muito importante na construção da personalidade da pessoa, que tem muitos conflitos, muitas dúvidas. Tem horas que você acha que sabe de tudo e que não precisa aprender mais nada, que sua opinião sobre o mundo já tá formada e no dia seguinte você já muda de ideia, pensa em outra coisa. Outra coisa também que você faz, aliás, não só nessa fase, mas no resto da vida, só que na adolescência é um pouco pior, que é se afirmar, fazer algo que não é de sua natureza só pra mostrar pros outros, pra ser aceito em um grupo. Uma vez fiz uma coisa desse gênero que eu até tava afim que foi colocar um piercing na sobrancelha, mas era muito mais pra formar minha imagens do que por mim, pra falarem: ‘Aquele cara tem um piercing, ele é roqueiro, descolado.’ E acabou que eu tirei 3 meses depois, porque não era da minha natureza, por mais que eu tive vontade… e isso é perigoso, porque muitas vezes estamos recriminando nossa própria personalidade. Acho que é muito mais interessante quando deixamos nós mesmos felizes”, explica Vitor sobre sua adolescência.
Foi nesse período que começou a querer se expressar e surgiu a ideia de ter a banda, porém até os 17 anos não sabia tocar nenhum instrumento e sequer havia se envolvido com música ou pensado em algo assim, apesar de gostar bastante e ter o incentivo do pai – cuja casa não tinha televisão e era só som todos os dias. Começou a aprender violão de chato que é, por insistência, com o Danilo Cutrim, atual guitarrista do Forfun, pois ele não queria ensinar por não ter muita paciência. Quando aprendeu a tocar, descobriu o seu talento com as letras e escreveu as primeiras músicas, dando início ao Forfun, com o Danilo, em 2001.

Quando o assunto é o Forfun, Vitor fala rápido e quase sem pensar já que para ele é maçante, repetitivo e já está tudo na ponta da língua. Por via das dúvidas, perguntei como começaram e as dificuldades, vai que sai alguma história nova? Ok, mais do mesmo, vamos lá. Continuemos com um pouco do Wikipedia da banda.
Tudo começou com ele e com o Danilo, depois entrou o baterista Nicolas Christ e por último, mas não menos importante, o baixista e vocalista Rodrigo Costa. Produziram o primeiro EP sozinhos e depois, em 2005, cruzaram no caminho de Liminha – produtor da maioria dos artistas dos anos 70 pra cá – e lançaram o CD Teoria Dinâmica Gastativa, nos Estúdios Supermusic e ficaram conhecidos por todo o Brasil no boca a boca virtual, com as músicas História de VerãoHidropônicaViva Lá Revolución, que tinham uma pegada bem hardcore. Com o sucesso repentino foram indicados em 2006 ao VMB nas categorias de “Banda Revelação” e “Escolha de Audiência”, mas não ganharam nenhum prêmio.
Houve um dia em que Liminha chegou e falou: “Galera, vocês merecem alguém que possa se dedicar mais” e estavam então separados, cada um pro seu canto. Quando se refere à Arnolpho Lima Filho (nome de batismo de Liminha), chama-o de monge e diz que foi um paizão da banda, pois acreditou neles desde o começo, colocando-os dentro de seu estúdio e deixando tocarem a zona. Vitor fala tudo com um brilho no olhar de admiração.
Alugaram a “Casinha” que transformaram em um estúdio e fizeram toda a pré-produção do segundo CD, o Polisenso, lançado em 2008 e entre um e outro foram convidados a participarem do MTV ao Vivo: 5 Bandas de Rock. Polisenso deu uma cara nova à banda, diminuindo o hardcore das músicas e dando espaço para influências como o reggae, o funk, o rap e as letras filosófico-espiritual-questionadoras, onde contestam o sistema capitalista e a forma com que as pessoas passam uma por cima das outras para conseguirem seus objetivos a todo custo, além de dizerem e pregarem: “(…) mesmo diante da maior das atrocidades não experimentaremos sentimentos como o ódio e o desprezo ao invés disso nossos corações transbordarão amor e compaixão.” (trecho de Escala Latina). Como as músicas são disponibilizadas na internet é há o incentivo por parte deles de todos baixarem, foram feitos 800 mil downloads do álbum e também venceram na categoria Rock no VMB.
No ano passado, lançaram o Alegria Compartilhada que foi uma evolução do Polisenso, deixando de vez os primeiros sons produzidos e apostando num reggae ainda mais pesado, juntamente com as texturas eletrônicas, a black music e o samba, dando um ritmo e um gingado muito brasileiro. Até agora, o Alegria Compartilhada ganhou como Disco do Ano noPrêmio Rock Show, a música Cigarras ganhou o premio Caixa de Clips na categoria Avançadoda TAL (Televisão América Latina) e mais de 300 mil pessoas compartilharam dessa alegria??? fazendo o download. Dos álbuns físicos vendidos, parte da verba é doada para oProjeto Roda Gigante que é uma iniciativa que utiliza palhaços para promover a saúde em hospitais públicos.
Por ser uma banda independente, matam um leão por dia e as dificuldades são as de sempre; possuem muita autonomia, mas ao mesmo tempo, muito trabalho. São uma gravadora em menor escala e participam de todo o processo: divulgam tudo pela internet e estão sempre atentos às novas ferramentas das mídias, contratam assessoria de imprensa para ajudar com a TV e o rádio, produzem os próprios clipes e gravam as músicas com a maior qualidade que conseguem (ou que o dinheiro dá). Por disponibilizarem o CD gratuito na rede, criam uma fidelidade muito grande com o público, numa atitude sincera que acaba atraindo a simpatia das pessoas e faz com que a coisa se dissemine.
Quando se compara as músicas Constelação Karina com Descendo o Rio, as mudanças das temáticas e sonoras são muito perceptíveis e Vitor usa uma frase do Gabriel, O Pensador para descrever o porquê disso ocorrer: “Não mudei o som, sonorizei as minhas mudanças.” Atualmente a banda já não é somente conhecida por uma música, mas por toda sua obra, quebrando as barreiras antigamente colocadas pela mídia no primeiro álbum. Deram tempo ao tempo para as coisas serem assimiladas e o resultado está sendo positivo.

Banda Forfun - Foto Márcio Isensee

Vitor é o principal compositor e afirma que o processo não tem nenhuma formula secreta e é tudo muito dinâmico. As ideias e frases aparecem e ele anota no caderno, separando por temas ou coisas que possuem relação uma com a outra. Às vezes tem letras que saem de uma vez só, como Minha JóiaAlegria Compartilhada e outras como Quando a Alma TransbordaEremita ModernoSuave, resultado de vários pensamentos anotados ao longo de um determinado tempo e então ele tira um dia para sentar e organizar, fazendo tudo aquilo ter um sentido. De maneira em geral, está sempre atento ao que as pessoas ao seu redor estão dizendo e gesticulando. Acredita também na possibilidade de existir uma espécie de processo mediúnico, pois a letra de Pra Sempre surgiu como um relâmpago e foi escrita em meia hora; [é como se existisse um canal e todos tivessem uma antena e quando há a conexão correta, podemos capturar imagens e conceitos que estão no ar, como um estalo. Ao menos, é assim que surgem algumas de suas letras.
Outras composições, contudo, sofrem influências de autores e artistas que o inspiram. É fácil descobrir, pois, enquanto ouvia-o falando dos livros que lê, dos cantores que ouve e das pessoas como um todo, artistas ou não, transparecia paixão, emoção e empolgação. Aliás, prova de como esses ídolos são importantes, a música Quando a Alma Transborda cita vários nomes que balizam sua vida, como Yuri Gagarin, Mandela, Tom Jobim, Santos Dumont, Villa Lobos, Lévi-Strauss, Chico Science, Neruda, Maradona e Milton Santos. Além de todos esses, atualmente está ouvindo muito Chico César, Moraes Moreira Gilberto Gil, que são fortes referências. Repete Yuri Gagarin e acrescenta dizendo que foi o primeiro homem a pisar na Lua, quebrando barreiras (literalmente) e indo além dos limites que a humanidade já conhecia; Amir Klink traz exemplos de como se aventurar e encarar a vida e os desafios com garra e por último se refere a Kahlil Gibran, confessando ter vários trechos de suas poesias no novo álbum. Focando agora nos livros, está lendo Mahabharataque é um épico Indiano, mas há duas semanas estava conhecendo e glorificando a filosofia tolteca através do livro Os Quatro Compromissos.
Vitor falava contemplando os ensinamentos que aprendeu e quis passar adiante com todo afinco, recomendando a leitura e contando um pouquinho sobre: 1- ser impecável com a palavra; 2- não levar nada pro pessoal, nem crítica, nem agressão e nem elogio, pois nada que uma pessoa fala sobre você é realmente sobre você; 3- não tirar conclusões sobre as coisas, sempre perguntar; 4- fazer sempre o melhor para te livrar do autojulgamento e seguindo esses quatro passos a vida seria muito mais feliz e completa.
Em pesquisa realizada no show feito no Beco203, os fãs de Forfun não simplesmente gostam das músicas, mas encaram como uma filosofia de vida. Exemplo disso é o que Gabriela Nunes responde imediatamente: “Minha personalidade é devido ao que me transmitem.” E Janaina Righi detalha: “Forfun é filosofia de vida pra mim. Passei muito tempo ouvindo músicas com um negativismo muito forte e eles me põem pra cima, me impulsionam de uma forma incrível. Ouço Forfun pra sentir paz, pra buscar harmonia, pra identificar nas músicas o que me falta pra ser uma pessoa melhor e pra tornar o ambiente que eu faço parte melhor.” Quando Vitor é questionado sobre a maneira que os fãs encaram suas composições, responde transbordando felicidade, porém, pensativo, cauteloso, introspectivo: “Isso dá muita alegria de viver, uma realização muito grande, porque sentimos que estamos somando, mas ao mesmo tempo temos que tomar um cuidado muito grande pra não alimentar tanto o ego e pensar que somos capazes de mudar a vida das pessoas. A intenção principal é passar o que está sendo sentido e se isso ajudar a melhorar a vida das pessoas, maravilhoso, mas se isso for à primeira coisa pensada não faz sentido. Ao mesmo tempo traz uma grande responsabilidade, também, sabe? Pô, saber que você pode falar algumas coisas e as pessoas vão tomar aquilo como verdade absoluta tem um peso muito grande, sem dúvidas.”
Cenas naturalmente são coisas difíceis de falar, pois é algo lá do âmago, principalmente em uma entrevista. Porém, Vitor não teve medo e abriu o relicário sobre sua ótica de amor: “Com uns 21 anos comecei a prestar mais atenção em um lado mais espiritual da vida, comecei a ler bastante coisa e praticar bastante coisa, a fazer yoga, aliás, eu faço até hoje, e com isso tomei uma consciência maior do amor, além do que se banalizou chamar amor porque acostumados a usar essa palavra só pra uma questão conjugal e carnal, ou de pai pra filho e o amor na essência é muito maior que isso, é uma coisa universal. Se Deus tem um nome esse nome é amor. É algo que transcende tudo, dá sentido pra parada e nem sempre estamos em contato com isso, mas eu já tive momentos assim, porra, jubilosos, de sentir um amor vindo de dentro de mim. Já aconteceu isso em show de estar tocando ali e querer abraçar todo mundo e nem sei por que isso acontece. O momento em que consigo superar uma mágoa, alguém que te destratou e você consegue olhar pra aquela pessoa não com raiva, mas com amor, sabe? Ou uma situação que você conseguiu ultrapassar e que teoricamente você teria encarado aquilo como infortúnio e na ótica do amor está tudo perfeito, tudo bem, tudo uma benção. Então, estou tentando lembrar se posso te dar um exemplo específico… (para e pensa) porra, é difícil cara. Isso estar tocando e sentir isso não aconteceu uma vez só, acontecerão várias, mas também não acontece sempre. Acho que é quando a gente acessa a alma, não só o ego. Quando vamos mais fundo no que a gente é mesmo e fala ‘Eu sou amor, sou um pedacinho do amor de tudo’. As letras do Forfun falam muito disso e é talvez por que seja o nome de Deus. Quando a alma transborda é exatamente isso, quando você chega as conclusões todas que… como se fosse um filme na cabeça, seus dramas, seus prazeres, seus medos e isso tudo transborda de uma forma que não tem nenhum arrependimento, nada pra ser perdoado, tá tudo perfeito. Você já sentiu isso, todo mundo já sentiu isso, tenho certeza. Porque são aqueles momentos que você fala ‘caraaaaaaca’ e acho que a gente pode sentir cada vez mais.”
O dia-a-dia de Vitor não é muito rotineiro, mas ele quer que seja na medida do possível, tanto que escolheu voltar para a faculdade para ter um pouco mais de disciplina, de ter aquela coisa hierárquica, alguém mandando entregar tal coisa até tal prazo, algo que não existe entre o Forfun e em nenhum outro aspecto de sua vida. Faz a segunda faculdade, a primeira foi Ciências Aeronáuticas que foi paralela ao curso de piloto e se formou em 2004, e em 2009 prestou vestibular, passou e está atualmente no 4º período de Geografia na UFRJ (Faculdade Federal do Rio de Janeiro). A faculdade por si só acaba por trazer um pouco mais de rotina, de 3 a 4 vezes de manhã ele vai estudar, todos os dias à tarde ele ensaia e trabalha na “Casinha”. Depois disso, está liberado. Preza muito por ter um tempo vago, quando faz exercícios físicos, correndo 7 km por dia e entre uma volta e outra dá um mergulho no mar com sua prancha de surfe. Sua aptidão maior é para a escrita, mais do que para musicalidade, portanto, essa expressão através das palavras acontece diariamente em seu momento mais prazeroso que é a parte da noite, aonde chega em casa e ascende um incenso, lê algo inspirador e escreve. Para tudo o que está fazendo, começa a refletir e meditar.
Claro que isso tudo seria a rotina padrão, mas não tem padrão, pois está sempre viajando em turnê. É engraçado por que largou a aviação, mas continua no avião. Conforme conta, lembra-se de uma frase que piloto fala: “Piloto mora nas calças” e faz uma analogia: “O músico mora na mochila.” Gosta muito de estar viajando, dessa rotina que não é rotina, de ter a oportunidade de conhecer muita gente, de trocar ideias e experiências.
A escolha da Geografia também está muito ligada com esse fator da viagem, além dela fazer o meio de campo entre as ciências humanas e as ciências exatas. Vitor tem um pouco dessa coisa do espacial, de mapas, de saber onde está. Cita Milton Santos: “Geografia é o estudo da ordem espacial do por que uma coisa está aqui, por que outra está ali e como essas coisas interagem entre si.”
Estava ali naquele momento prestes a presenciar mais de uma das partes do dia-a-dia do Vitor: a van, o camarim, o show. Paramos a entrevista, pois ele precisava ir para o Espaço Victory, onde seria realizado o Sampa Music Festival e o Forfun iria tocar como banda principal para 5 mil pessoas. Me convidou para ir com eles na van e continuarmos a entrevista lá no camarim. Fui. Ele subiu, pegou suas coisas, desceu e me apresentou pro pessoal da banda: “Gente essa é a minha amiga Gi” e todos em coro “OIII GII!”. Foram tocando violão e cantando de Roberto CarlosRaul Seixas, porém Vitor foi quieto em seu canto, observando o movimento pela janela, diria até tímido. Chegamos ao local do show, subimos para o camarim e em menos de cinco minutos ele desceu para ver o movimento e conversar com a galera que estava lá em baixo. Quando voltou, pegou outra garrafa de água e um pacote de batata e disse: “Podemos continuar?” Sentou colado em mim, para podermos nos ouvir já que havia outras bandas no palco, e demos sequência à maratona de perguntas. Quando terminamos, ele me abraçou e disse que estava feliz por ter dado tempo de responder tudo e que estava muito grato de ser o escolhido. Faltava uma hora para entrarem no palco e nesse intervalo muito dos integrantes de outras bandas cumprimentavam-no chamando de mestre e de monge. Conversou, ensinou seu irmão Márcio Isensee, atual fotógrafo do Forfun, a tocar bateria, colocou uma faixa no cabelo e estava pronto para subir ao palco. Acompanhei cada passo do show de pertinho para perceber as nuances de um Vitor para outro.
No palco ele não tem nenhuma timidez, deixa transparecer o que está sentindo; estava animado, subiu em cima das caixas de som, dançou muito, contagiou e foi contagiado. Diz que quando sai do show, deixa tudo de ruim, como se fosse um banho de cachoeira, pois recebe uma energia muito grande do público. Acima de tudo, em cima do palco ele é sincero.
Medos e manias? Possui um grande medo a ser superado que é o de ser rejeitado, de não se sentir amado ou querido; manias… sempre deixa a água fria no fim do banho, toda vez que fecha uma torneira ou porta pensa em algo positivo e não usa a parte de cima da roupa escura.
Vitor é assim, um ser humano complexo, que sente saudades da rotina, mas não se vê em um escritório diariamente; gosta de estar sempre viajando, ajuda e interfere no que chama de destino, não usa nenhuma droga, mas é viciado em açaí. Já freqüentou diversas religiões como o kardecismo, catolicismo, taoísmo, hinduísmo, budismo e admira várias coisas em todas, porém não segue nenhuma. Tem medos, manias estranhas, freqüenta um analista para colocar toda sua cabeça em ordem, não tem uma namorada, mas é sua própria criança, vida, joia e amor.
Define-se como nem 8 nem 80, aprende, erra, continua andando, dividi as experiências com as pessoas, tenta prezar pelos valores que lhe foi ensinado e transformados ao longo da vida e é aluno do mundo. Digo que não só aluno, como é também, professor; no tempo que ficamos juntos, a imagem que tive dele foi de uma criança tímida, sem maldade e que transbordava amor e compaixão.
Na música Good Trip tem uma frase dizendo “de óculos escuros eu vejo o que você não vê”, se referindo à maconha. Quando pergunto o que ele vê, disse que via as entrelinhas de sua vida, só que não fuma mais, parou há um ano, mas fumou dos 19 aos 25. Era prazeroso, mas o deixava muito confuso; antes tinha uma abertura pra criatividade, mas descobriu que não é necessário estar sob os efeitos para poder criar e que faz tão bem quanto antes, ou até mesmo melhor. Sua pior bad trip foi quando viu que tinha uma falta de amor próprio, quando não se dava o valor da maneira que deveria e diz que a máxima “ame aos outros como você próprio” é importante, porém tem que se amar em primeiro lugar, mas sem ser egoísta, encontrar o meio termo e atingir o tão sonhado equilíbrio.
Espiritualidade e egoísmo são temas freqüentes em suas falas e em suas letras, então, pergunto se ele age dessa maneira e me responde sem pestanejar com um: “Toda hora!”, dando o exemplo de quando me fez esperar 15 minutos que foi o momento que estava arrumando os instrumentos, mas poderia ter arrumado antes e eu não ter esperado nada. “Tem uma letra do Forfun que hoje em dia eu já não concordo muito que diz ‘aqui jaz o cadáver do meu ego’ e por eu ser evolucionista penso agora que o ego é muito importante pro ser humano, como uma forma de proteção mesmo, que precisamos saber lidar com ele também. Temos que ter uma coisa muito clara na cabeça, que é a diferença fundamental entre conhecimento teórico e o que é sentido, entre o entender e o compreender. É um tema recorrente no que o Forfun fala, mas nem sempre isso que está nos lábios, no microfone e no encarte do disco, necessariamente está no coração. Muitas vezes escrevemos pra nós mesmos lembrar e é muito importante frisar essa diferença.”

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