o trompetista lionel ferbos, 99 anos, inclina-se para agradecer os aplausos durante show de seu centenário em new orleans

foto: jatobá madeira/AÊÊÊÊ

Ele ouviu ao vivo as big bands dos anos 50, o bebop, o hard bop, a fusion, e nada disso foi capaz de tirá-lo do sério. Mas o assédio parece deixá-lo levemente perturbado. Ainda assim, Lionel ri com os olhos, achando divertido toda aquela gente querendo tirar foto consigo, apertando sua mão, querendo saber a história de como ele ganhou, há 77 anos, o bocal do trompete com o qual toca até hoje.

Pacientemente, ele responde a tudo, mostra as relíquias, aceita as bençãos. Lionel Ferbos não se considera um homem afortunado: seu melhor amigo, o baterista John Robichaux, morreu afogado durante o furacão Katrina; sua mulher, Marguerite, o deixou em 2009; o filho, Lionel Jr., morreu de câncer em 2006.

“Algumas vezes, quando você já viveu bastante, tudo muda muito rápido à sua volta. Eu toquei com grandes músicos, com grupos formidaveis, e essa tem sido a melhor parte de viver muito”, disse o velho Ferbos a este repórter, alguns minutos após deixar o palco do New Orleans Jazz Fest, onde foi homenageado pela The Palm Court Jazz Band pelo seu centenário. Lionel é o jazzista mais antigo em atividade na Capital do Jazz – comecou a tocar profissionalmente há 84 anos. Fará 100 anos no dia 17 de julho.

Ele toca em igualdade de condições com todos os músicos da banda, sem parecer que é ele o veterano. Como era uma celebração do seu centenário, colocaram-no no centro, mas ele toca com modéstia e senso de conjunto. Os fotógrafos o procuram no final, mas só têm certeza de quem ele é ele quando tudo acaba e todos os músicos vão abraçá-lo, e ajudá-lo a sair do palco.

Ele comprou seu primeiro trompete em 1926, depois de ouvir a banda de Phil Spitalny. Não é apenas uma curiosidade antropológica sendo resgatada, Ferbos tem o respeito dos grandes da atualidade, como Allen Toussaint, com quem já tocou. “Ele não era só mais um trompetista de New Orleans, ele era admiravelmente bom”, disse Toussaint.

O resgate de Ferbos mobilizou meio mundo da imprensa em New Orleans. Um derrame o deixou com as pernas fracas, e ele se locomove em cadeira de rodas, mas sobe nela sozinho, e tem a memória intacta – consegue reconhecer todos os 35 músicos de sua banda com a qual ganhava trocados na era da Grande Depressão. Curioso é que foi uma outra “recessão” que trouxe Ferbos de volta à ativa: ha alguns anos, ele mantinha uma lojinha na cidade, mas o furacão Katrina a engoliu e ele voltou a fazer concertos. Sobre o derrame, ele conta: “Não sentia meu pescoço, achei que fosse morrer”.

De certa forma, sua carreira nunca conheceu grandes estagnações. Nos anos 70, ele excursionou pela Europa com a New Orleans Ragtime Orchestra. Em 1979, cantou e tocou trompete no musical One Mo` Time, quando tocou com o famoso dr. Michael White. “Demonstrava total profissionalismo, nunca parecia entediado ou fazia corpo mole”, disse White. Ao jornal local The Times Picayune, Lionel Ferbos deu sua receita de longevidade: “Gosto de mulher bonita. E toco para meu próprio prazer, faço música porque gosto”, afirmou.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

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