clique na foto para ver ampliado o olhar de onça de latoya, de chapéu

foto: jatobá madeira

1. brandon flowers me liga às 20h45.
estou impaciente porque o jogo do palmeiras é logo mais.
tem 28 anos, não bebe álcool, não fuma, é mórmon, tem dois filhos (um de dois anos, outro de dois meses).
juntou-se a uma banda em las vegas em 2004 e hoje contabilizam 14 milhões de discos vendidos (em plena era da extinção do disco).
eu tenho apenas 15 minutos com flowers, que tornou-se um dândi do rock, cortejado por milhões de garotas em qualquer buraco onde vá. mas casou com uma balconista de las vegas, não busca encrenca.
o rapaz da gravadora me chama meia hora antes e diz que, por conta da agenda apertada, agora eu tenho apenas 10 minutos.
agora brandon está na linha. parece estar em um carro.
como você definiria a sua geração, brandon?
“não sei. é estranha, um pouco confusa. não quer saber de onde veio, não tenta entender quem é. não sei quem somos de verdade. falo dos amigos e de minha vida em algumas músicas, mas não tenho pretensão de fazer um retrato da minha geração”.

2. almoço com lourenço mutarelli, de quem sou grande fã.
“deixei de desenhar quadrinhos e passei a viver”, ele diz, com aquele sorriso de quem se tornou dono do próprio destino.
ele traz uma bolsa com uns 20 e poucos cadernos de esboços. abre e espalha pela mesa, eu afasto o copo de guaraná para caber mais.
folheamos os sketchbooks enquanto comemos banana flambada com sorvete de creme e canela.
fico de queixo caído.
tem hora que lembro de francis bacon, tem hora que é puro hyeronimus bosch.
as imagens parecem me acompanhar durante toda a tarde.

3. atravesso o portal com alarmes com o rosto suado, medo de ter sido identificado como intruso.
encontro de cara o pastor jesse jackson, e ele sorri de um jeito que faz passar o terror.
eu lhe peço uma foto, como se suplicasse por uma trégua.
há duas mulheres com ele, uma de cada lado.
latoya jackson me fuzila com o olhar.
latoya jackson tem um olhar de onça encurralada.

4. bebo sozinho no genésio pela terceira noite seguida.
está cheio, as mesas estão lotadas.
repentinamente, ficam apenas três mesas ocupadas.
o jogo não acabou, o que aconteceu?
ah, está todo mundo lá fora, fumando…
o povo volta, e noto que agora falam alto demais.
coloco pedaços de guardanapo de papel nos ouvidos, e sorrio quando o diego souza faz um golaço. sou santista, mas não obtuso.

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Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

3 COMENTÁRIOS

  1. bom rapaz. nada obtuso,
    confuso talvez com o barulho,
    uns tiquinhos de álcool.
    então, o craque de verde
    rola a bola em curvas e
    entorta mais a cabeça do
    cidadão. será que as tranças
    do love fizeram as pernas do moço
    trançar? e o palestra pintou de verde o coração preto-branco- praiano.

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