pipa, papagaio, barilete, pandorga

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como última etapa da maratona sobre o download, a lei & a música, uma entrevista com um fazedor de blog, um circulador de música que até pouco tempo atrás estava inacessível para 99,99999999999999999999999999999% da população terrestre.

entrevistei vários deles, por e-mail, mas todos optaram por se manter anônimos, então esses diálogos não colocarei aquilo. mas um deles topou falar por telefone e se identificar, e se trata justamente dos mais cuidadosos e dedicados blogadores de música brasileira, dono do loronix.

na internet, ele se chama zeca louro, e é um papagaio – trocadilho espirituoso, o papagaio do pirata, ou o pirata do papagaio, ou o papagaio-pirata. o resto ele mesmo conta no decorrer da conversa.

um detalhe para o qual eu quero chamar atenção é que a fala com zeca/mauro transpira um clima algo diferente do que perpassou todas as demais entrevistas, um clima que não é aquele de beligerância entre a indústria musical (gravadoras, artistas, produtores etc.) a que podemos nos dizer acostumados. mauro/zeca parece viver harmonicamente com os que moram do outro lado dos muros (de berlim) da indústria musical, mais para obama que para bush, mais “i love this guy” que “guerra sem limites”. ah, se o futuro for assim…

pedro alexandre sanches – tenho de começar muito da estaca zero, porque não sei nem quem é você. zeca louro é um codinome, certo?

zeca louro – sou um cara que vivia na música. tenho 44 anos, na década de 80 tinha aquela coisa da cena do rock. cheguei a participar de banda de rock aqui no rio, aquela banda coquetel molotov, você lembra? foi a primeira banda punk carioca.

pas – você era integrante?

zl- era, eu era baixista do coquetel, tinha essa vida musical nos anos 80. depois saí disso, fui trabalhar, fiz carreira em empresa de consultoria. trabalhei com informática e, nos últimos dez anos, com internet. e quatro anos atrás decidir voltar a mexer com música, mas não como músico, e sim fazendo alguma coisa que associasse música com internet, com tecnologia. podia abrir um selo, ou um website, e resolvi fazer o loronix, pura e simplesmente como uma forma de juntar o que eu tinha, meus experimentos musicais, com minha habilidade de desenvolver websites. e como eu tinha planejado o site como se fosse algo não muito pessoal, daquele cara em especial, resolvi usar o zeca, que é de fato o meu papagaio, como se fosse um personagem mesmo.

pas – você tem esse papagaio de verdade?

zl- tenho, o zeca está aqui perto, daqui a pouco ele começa a gritar.

pas – há toda a questão delicada de transgressão, não sei se você fala seu nome verdadeiro, se é público.

zl – é público, meu nome é mauro.

pas – mauro de quê?

mauro – mauro caldas. tem um projeto de que você já deve ter ouvido falar, chamado músicos do brasil. eu participei, está lá meu nome, mauro caldas. essa coisa do zeca não é para ficar anônimo, isso não existe. é apenas porque, se o site fosse do mauro, não seria tão legal quanto é. o zeca tem todo o charme do personagem.

pas – que, como você explicou, foi inspirado no seu papagaio real.

mauro caldas – isso. na época disse para minha mulher que ia fazer algum negócio, ou faria uma loja de suco com o nome dele, ou um site. resolvi fazer um site, só isso.

pas – quanto tempo tem o loronix?

mc – vai fazer três anos agora em maio. começou em 2006.

pas – você coloca coisa à beça nele, não pára nunca. é uma velocidade impressionante.

mc – é, porque existe demanda pelos discos, e também oferta. não é só minha coleção, muita gente colabora. as coisas acontecem de forma veloz até para dar uma satisfação, digamos assim, para o pessoal que colabora. quem colabora bastante é o caetano rodrigues, não sei se você já ouviu falar nele.

pas – sim, já entrevistei [trata-se de um dos maiores colecionadores de discos do brasil, e tem uma casa cheia de vinis inacreditáveis].

mc – ele ajudou muito o loronix, deu álbuns. também o charles gavin, e o jorge mello, que é um equivalente do caetano aqui no rio. é um colecionador que é também musicólogo, diferentemente do caetano ele também pesquisa e escreve. tenho que atender esse pessoal que colabora. porque as pessoas gostam de ver os discos na internet, né?

pas – mas quem coloca um por um é você, ou outras pessoas também?

mc – não, sou eu que coloco. faço toda a transferência do disco, aquela questão de pegar a capa do lp e transformar numa imagem de computador. pouca gente sabe fazer isso, porque um lp não cabe no scanner.

pas – é mesmo?

mc – não, não cabe, ele é maior que o scanner.

pas – e aí como faz?

mc – ah, eu faço em quatro pedaços.

pas – nossa, então dá trabalho.

mc – dá, dá um certo trabalho. depois junta os quatro pedaços para fazer uma capa só. mas, então, as pessoas que gostam de música entendem isso como uma maneira de a memória musical do brasil ser preservada. apesar de que a memória musical nunca vai ser preservada através de um site. mas a percepção geral é essa. a própria indústria de vez em quando também vem, chega até mim e pergunta “você tem determinado disco?”.

pas – ah, é? acontece isso?

mc – acontece, quando vão fazer relançamento e não têm a capa. eu ajudo, colaboro, é uma relação interessante, até porque, por questão de mercado, acredito que eles devam usar muito o site como pesquisa, para saber o que as pessoas querem em termos de relançamento, o que é mais atrativo ou não. porque a coisa está ali, em tempo real, né?

pas – a exemplo do que aconteceu com o orkut, a impressão geral é de que as gravadoras perseguem quem faz esse tipo de trabalho. mas não é sua experiência, pelo que você está contando.

mc – mas eu nem sei o que aconteceu com o orkut. o que aconteceu?

pas – aquela comunidade discografias, que tinha 1 milhão de participantes, declarou seu encerramento, se dizendo perseguida pela indústria [como todo mundo sabe, o cancelamento já está revogado].

mc – o orkut fechou a comunidade?

pas – pois é, não fica muito claro se foi o orkut, ou a apcm, a associação antipirataria que anda atuante em coibir esse tipo de atividade.

mc – estou por fora. mas existem duas coisas aí. existe o pessoal que, por exemplo, coloca na internet o disco novo do chico batera, um músico antigo que demorou uns dez anos para gravar um disco, conseguiu gravar na semana passada e nesta semana já está na internet para fazer download. acho isso estranho, acho sacanagem com o chico, com o músico. e existe site como o loronix, que se preocupa em colocar só disco antigo, que não tem absolutamente nenhuma perspectiva comercial. acho que essa separação a indústria sabe fazer muito bem, dos sites que colocam na rede discos que estão catálogo e foram lançados há semanas. não sei, não acredito que tenha sido o caso da comunidade discografias, mas a indústria tem uma reação bastante diferente quanto a esses dois tipos.

pas – no seu caso particular, você nunca sofreu nenhum tipo de represália?

mc – não, não, não. o máximo que aconteceu foi um ou dois casos de alguém comercialmente ligado a um artista – uma produtora, digo -, até por conta própria, ter chegado até mim dizendo: “poxa, sei que esse disco aqui está fora de catálogo, mas seria legal você não tê-lo mais aí“. o que faço é imediatamente fazer cumprir aquilo que digo. se alguém não concordar, que escreva, e a gente imediatamente faz o artista desaparecer. mas no caso aí depois o próprio artista chegou e reclamou, “pô, você retirou meu disco!” [ri.].

pas – pode dizer quem era esse artista?

mc – não posso, é um percussionista conhecido, que não está no brasil, dá pra entender quem é, né? mas é curioso isso, porque na vez que aconteceu foi uma atitude isolada de alguém que representava o músico. e quando o músico percebeu que isso ocorreu ele próprio pediu para contornar.

pas – aí você colocou de volta?

mc – eu coloquei, coloquei de volta. mas isso tudo ninguém soube, é coisa que passa. outra situação bem curiosa é a da família do músico falecido, uma relação completamente diferente do músico vivo, que tem a obra na internet e ele mesmo define se a obra pode ficar disponível on line ou não. no caso da família do músico falecido a gente não tem como saber se é uma coisa bem vista ou mal vista. também, até agora, não tive nenhuma surpresa em relação a isso.

pas – nunca ninguém se manifestou?

mc – não, até porque o que tem lá não está comercialmente disponível, então não existe um conflito de interesse comercial. muito pelo contrário, o loronix, como tem audiência no brasil e mais uma porção de países fora, gera certa demanda pela obra do artista. um músico americano, por exemplo, me escreveu agradecendo pelos violonistas que ele conheceu através do loronix – luiz bonfá, dilermando reis, apesar de eles serem bastante conhecidos e terem músicas disponíveis na rede. um músico como bola sete, por exemplo, os discos que ele gravou na odeon daqui no final da década de 50, antes de ele ir para os estados unidos, nenhum foi relançado em momento algum. e é um período muito interessante da carreira dele. as pessoas agradecem por isso.

pas – por que você escreve o blog em inglês?

mc – trabalhei em empresa multinacional, e sempre tive contato com o idioma, por trabalho. também acho que a música brasileira precisa ter uma divulgação, um alcance um pouco maior do que o brasil em si. é uma música muito pouco conhecida fora, e normalmente quem conhece gosta. então, em inglês significa ter maior chance de mais pessoas procurarem entender a música brasileira e o que eu escrevo.

pas – você poderia pôr também em português. por que não?

mc – poderia. por que não? porque não tenho músculo. redijo em inglês, e se tivesse que fazer uma tradução em português não seria elegante, não seria a mesma coisa. talvez, se alguém pudesse fazer esse trabalho… mas hoje em dia a própria internet tem ferramentas de tradução on line.

pas – conversei com um outro blogueiro que disse que os próprios artistas ajudam, entregam material deles e pedem para colocar. acontece isso no loronix?

mc – acontece (ri). tem gente que chegou para mim e perguntou se eu tinha algum problema, “por quê?”, “porque não tem disco meu no site”. coincidência, né? as pessoas ou ajudam ou até dizem que precisa ter, se não ajudam. músico é um pouco avesso à tecnologia, não sabe como transferir, publicar. mas eles pedem, sim. a maioria dos músicos, principalmente os iniciantes, vê o site como um local onde a música dele pode ser divulgada e ter um maior alcance.

pas – mas você não coloca discos de iniciantes, né?

mc – não. não, porque essa questão editorial é muito complexa. se você coloca um artista novo, por que não coloca outro, outro e outro? não é que ache que é uma coisa que não deva ser feita, mas eu não tenho músculo. talvez se eu tivesse um sócio pudesse fazer isso. não adianta você colocar o disco de alguém e não dizer nada sobre ele. normalmente os blogs colocam os discos e não fazem nenhum comentário. se reparar no loronix, todos os links tem algum comentário.

pas – você disse que só coloca discos fora de catálogo e sem viabilidade comercial, mas me lembro de já ter visto lá discos da gal costa, ou do chico buarque, que são encontráveis em loja.

mc – o “volume 3” do chico está em catálogo?

pas – acho que sim. esses nomes mais manjados – chico, gal, caetano – nunca saem.

mc – não, alguns discos deles estão fora de catálogo. quando alguém diz que está em catálogo, como você está dizendo, eu vou lá conferir, e se estiver realmente em catálogo tiro. se acontece, é porque ou voltou ao catálogo após eu fazer, ou realmente cochilei.

pas – por outro lado, se nenhuma gravadora reclamou com você, é sinal de que nem ali nesse caso estaria incomodando…

mc – é, mas, mesmo se ninguém reclamar, não é legal. é uma regra que criei em torno disso.

pas – existe um discurso muito difundido pela indústria, que iguala todo mundo que faz algo parecido como seu como pirata, criminoso. como você se situa nisso, e como entende essa questão?

mc – não me preocupo com isso, não vejo motivo. pirataria é quem reproduz a obra comercialmente disponível e vende para fins lucrativas. eu não faço isso. e creio que o fato de os discos ali não estarem disponíveis comercialmente não qualifique ato de pirataria. não existe exploração comercial. agora, se você me perguntar se é uma coisa legal, não, não é. existe aí uma ilegalidade. o que existe também é uma impulsão. a intenção ali não é que seja propósito cultural, de divulgar música. não, não é. é uma forma de estender a música brasileira para um público que antes não conhecia, e estender um tipo de música, que é a do brasil antigo, para pessoas que já conheciam e não tinham acesso a ela porque não existiam canais. antes dos blogs, como você ia encontrar, por exemplo, um disco do bola sete gravado na odeon em 1956? ou você comprava esse disco em site de leilão, pagando uma fortuna, ou qual outra alternativa? então não, não me preocupo. tanto é que meu nome é público.

pas – e nunca foi processado ou incomodado…

mc – não, jamais.

pas – você defende que se façam mudanças de lei? do jeito que está hoje, é como se todo mundo fosse criminoso. todo mundo em algum momento comete um ato que a lei, do modo como está escrita, interpreta como ilegal.

mc – é, existem margens de interpretação. se a legislação dá margem a constatações, ela precisa ser reescrita. acredito que isso vá acontecer mais cedo ou mais tarde. e acho que tanto a indústria fonográfica como os músicos estão maduros o suficiente para escolher o melhor caminho. continuar do jeito que está é muito difícil, não existe uma definição clara.

pas – que lucro você obtém com esse trabalho, seja material ou imaterial? material você já disse que não é o caso.

mc – o que obtenho material não é nada, mas imaterialmente são contatos. eu agora sou uma pessoa conhecida dentro do meio musical. os músicos me conhecem, confiam em mim. meu trabalho mesmo, de fato, é construir sites, e o loronix é uma prova de conceito de um site bem contruído. é o único blog que tem essas características todas, tem ferramentas de busca. nisso, o site tem me ajudado bastante a conseguir trabalho como desenvolvedor de internet. é essa a ligação. mas objetivo financeiro direto relacionado com disco ou venda de produto, nenhum. muito pelo contrário, eu gasto bastante dinheiro nele, investindo, até meu tempo pessoal.

pas – quer dizer, você mantém o trabalho que tinha antes para sobreviver, e as outras coisas caminham paralelamente?

mc – exato.

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