a demonstração de “emismo” dada pela população paulistana na segunda-feira pós-aniversário da abolição da escravatura foi um espetáculo dantesco, você não acha? eu enfiei meu pescoço no buraco (a bunda ficou à mostra, mas essa já é uma outra questão…) às 19h, e você? pegou o esconderijo das 16h?, o atalho das 17h?, o cano de escape das 18h?
sentiu segurança quando se viu dentro de casa, do lar-doce-lar? da minha janela dava para ver as luzes “ffflashhhhh” e ouvir os rotores “trrrrrrrrrrrr” dos helicópteros, que passavam rente que nem pão quente.
o calmante da ema aqui não poderia ser outro: desatei a ler sem parar, até acabar bem acabadinho, o “elite da tropa”, o livro-ficção-reality-tragédia de luiz eduardo soares a seis mãos e três cérebros com dois (ex)policiais do bope (a tropa de elite da polícia militar carioca), andré batista e rodrigo pimental.
zeitgeist na veia, a ema aqui estava chegando justamente à segunda metade do livro, aquela da narrativa vertiginosa de um dia de “parada do orgulho marginal” lá no rio de janeiro, igualzinho a essa segunda-feira das emas paulistanas pós-pré-abolição. os helicópteros faziam “trrrrrrrrr” ao redor da leitura cá dentro que É a vida lá fora. os “trrrrrrrrrr” ainda se fazem ouvir de quando em quando, em casa ou na firma, na rua, na chuva ou no ministério da fazenda.
não há discursos coesos que eu queira construir agora (se ousasse, me atrevo a apostar que eu não ia dizer o que você gostaria de ouvir – prudência e canja de eminha não faz mal a ninguém, diria minha mãe a esta ema atarantada pelos “trrrrrrrrrrrrr” que ontem tornavam mais emocionante a leitura blade-runneriana nossa de cada anoitecer. adrenalina corre no sangue das emas, mesmo as da tradicional família paulistana que, quando está na rua, compõe a multidão de emas do formigueiro humano dos tamanduás andróides. a gente-ema tapa o olho e entope o bico de terra fresquinha, mas a parte que fica de fora – bunda, plumagem, patas chocas – é um tremelique só, te contei, não?).
bem hollywoodianos, os efeitos especiais que rajavam minha nossa janela na segunda-feira pré-pós-abolição. ou melhor, bem projac, bem jacarepaguá, bem william homer-bonner com o bico amarelo atolado no topo do edifício cinco estrelas do prédio da globo no brooklin novo, ou ido$o, ou decadente, ôrd trêid $ente. “tô ficando atoladinho, tô ficando atoladinho, tô ficando atoladinho”, gemeu a ema homer-bonner do topo do plim-plim, e enquanto a ema geme eu fico caladinho, vou ficando caladinho, tô ficando atoladinho.
fico caladinho, mas, ema que sou, peço socorro à ficção de “elite da tropa”, trechos que eu já vinha separando da leitura para uso posterior (a epopéia da intuição nos engrandeceu nos dias que antecediam o 13 de maio e o dia das nossas “santas” mãezinhas – o que assistimos de choros, vômitos, crises, faniquitos, calafrios & discussões sobre humilhação-submissão-escravidão não foi brincadeira, não, comunidade).
descubro agora que são trechos caem como luva aos pés-de-pato das emas que quisermos tentar entender um mínimo dos “trrrrrrrrrrrr” que nos passam pela cabeça – não, não é o super-homem, nem a mosca que pousou em sua sopa – é um helicóptero mesmo. não adianta chorar, lois lane, a srta. é o super(wo)man de si mesma(o).
eis então trechos da fala do policial de “ficção” do bope – qualquer semelhança com fatos & personagens reais terá sido mera semelhança-plágio-sampler com os gemidos da ema. [minhas intervenções virão nos negritos habituais e em comentários itálicos colcheteados, mas não tentarei contextualizar por demais – quem quiser que leia o livro, o livre. porque, como diria o urso baloo da selva indiana cerrada de mowgli, em momentos de ema(ergência) eu uso o necessário, somente o necessário. o extraordinário é demais.]
@
[para começar, um fragmento da introdução, que já freqüentou a janela vermelha outro dia, mas merece ser repetido feito um mantra, pelo gogó da ema, no quentinho gostoso do buraco da ema.]
“Os três autores sonhamos com o dia em que poderemos celebrar, no Rio de Janeiro, a reconciliação entre a sociedade e as instituições policiais, entre os membros de cada comunidade e os policiais. Para que esse momento se realize, é preciso, no entanto, como ensinou Nelson Mandela, olhar nos olhos a verdade e reconhecê-la, sem meias palavras e subterfúgios, sem hipocrisia e retórica política. Nua e crua. Mesmo que ela seja dolorosa e disforme. Mesmo que a encontremos apenas pelas mediações da ficção. ‘Verdade e reconciliação’, ele dizia, quando derrotou o apartheid. Só se alcança a reconciliação, atravessando-se o duro momento da verdade. A psicanálise também demonstra que o luto é uma etapa necessária à superação do sofrimento. O luto supõe o reconhecimento das perdas.” [engole o luto, ema. ele é amargo, mas como dizia a ema-mãe, o que arde cura. tá ardendo, mas nós tamo agüentando.]
@
[no buraco da ema, no debaixo empoeirado da tua cama, dentro do armário naftalinado, você dorme o sono dos justos?, sob o “trrrrrrrrrr” que ribomba lá fora? poxa, mano(a) de cor, desconfio que não. o inferno é lá fora, mas acho que é aqui dentro também, tem helicóptero “trrrrrrrrr” zumbizando dentro do cérebro também, quer ver só?]
“Quando o subordinado chama o comandante pelo rádio e pergunta, ‘chefe, posso trabalhar o meliante?’, está pedindo autorização para fazê-lo cantar, ou seja, para fazê-lo contar o que sabe. Da mesma forma que o governador autoriza o secretário da segurança a autorizar o comandante da PM, a autorizar o policial, quando lhe diz: ‘Faça o que for necessário para resolver o problema’. O governador dorme o sono dos justos; o secretário descansa em berço esplêndido; o comandante repousa como um cristão; e o soldado, lá na ponta, suja as mãos de sangue. [ponha-se no lugar do governador-secretário-comandante-policial-soldado-raso, vista o colete das otoridades, mire-se no exemplo daqueles homens (& mulheres) de atenas. o(a) governardor(a) de si mesmo(a) não é tu, tatu?] Se der merda, o bagulho estoura no elo mais fraco, é claro. Quem paga o pato é o soldado. Quem vai a juízo é o soldado. Quem freqüenta as listas das entidades internacionais de direitos humanos é o soldado. O governador é ambíguo para descansar em paz; o secretário é sutil para preservar a consciência; o comandante cultiva os eufemismos e opta pelo vocabulário enviesado para proteger a honra e o emprego. Sobra para o soldado, que bota pra foder por dever de ofício. É curioso: a ambigüidade só pode ser cultivada nos ambientes solenes do Palácio do Governo, onde a impostura e a violência são adocicadas pela coreografia elegante da política.
Quando a arena é a favela, os rituais são outros, menos sofisticados. Na praça de guerra não há espaço nem tempo para a solenidade e as ambivalências. O que era doce fica amargo, azeda e cai de podre. A gente, que atua lá na ponta da cadeia de decisões, colhe o fruto podre e faz o que pode para digerir [tudo cabe no gogó de jibóia da ema]. Por isso, talvez seja mentira dizer que só há ambivalências nos salões da corte. Elas estão por toda a parte. E estão aqui entre nós. E dentro de nós, em mim e em você.”
[percebeu, ema thompson, que a ambivalência de início não cabia ao discurso defensivo do soldado raso, mas que isso durou a fração-fricção de uns poucos segundos? percebeu, ema thurman, que o soldado-ema logo se confessou tão ambíguo quanto o governador e eu e tu e o rabo do tatu? o buraco da ema É o buraco do tatu?]
@
[com você agora, caro ouvinte da rádio tatu, uma descrição serena do cenário plácido da favela-cérebro presente em cada canto-escaninho-cachola do brasil-iraque-estados-desunidos-de-neworleans. caia nessa gandaia, entre nessa fera.]
“O beco desembocava em um pátio amplo, razoavelmente iluminado, cercado de casas de dois andares, a quadra da escola de samba, postes, fios enrodilhados pelos milhares de gatos [ei, caro ouvinte da rádio tatu, e você?, tem gato em casa? eu qero dizer gato da net, gato global, não gato que faz miau, você tem? ou tamborim de couro de gato é só coisa de favelado? o crime é lá fora, não mora aqui dentro da toca do tatu?, hein, ema? ema, ema, ema?, cada um com seus pobrema?] e algumas árvores isoladas, que o poder público plantara, provavelmente para que não se dissesse que não falou de flores. Filhos-da-puta. Eles todos, os traficantes de um lado, os políticos de outro [ei, seu polícia! e a polícia? e a imprensa? a esfera pública inteira, neste mundo que é uma bolinha? vai tudo pra conta dos bodes da casa civil?]. Nem sei se é mesmo assim, um lado e outro. Às vezes, é o mesmo lado, o bolo é um só. É o crime organizado, aquele que penetra as instituições públicas, como reza a cartilha.”
[ah, ema, e as instituições privadas, vão ficar de fora também?, a gente-ema não vai nem sequer apertar a válvula da descarga? cê acredita mesmo na lisura das montadoras de automóveis, das lavanderias de lençóis, das fábricas branquinhas de celulose, do suco a mais que o restaurante cobrou “sem querer”, da sampaulo féxon uíqui, dos tênis náique, da dasluluzinha (só as cachorra, au, au?)? foi só o evo que viu a uva?, e a folha-gol da(o) parreirinha?]
@
[ema, você sente mais medódio dos “bandidos”, ou dos “meganhas”? ou tanto faz?, cê quer mais que eles vão todos para o inferno, enquanto você se aquece neste inverno, à lareirinha, à lareirinha, à lareirinha? pois “veja” (ou melhor, leia) aqui o que eles, os policiais à margem do teu buraco quente, pensam sobre você-eu, ó, ema. engula agora esse despertador, mais tarde ele dirá “trrrrrrrrrrrr” dentro de seu estômago de avestruz.]
“O dia D aconteceu quando o comandante do 23º determinou que eu me deslocasse com urgência para a rua Marquês de São Vicente. ‘Manifestação de estudantes da PUC bloqueando o trânsito e provocando engarrafamento monstro.’ A tropa sob minha responsabilidade não era lá flor que se cheirasse [ah, sim, a polícia também, né, seu polícia?!, que bom que o sr. está se vendo no painel do (e-)leitor! @!], o que me preocupava, sobretudo porque, do outro lado, estavam as flores da burguesia carioca – aquelas maravilhosas patricinhas da PUC – e os mauricinhos que cheiram pó, no sábado, e fazem passeata pela paz, no domingo.
O comandante me alertou:
– Veja lá, tenente, o que vai me aprontar. Vai devagar. Se você descer o cacete nos herdeiros da elite carioca, sou eu que vou pagar a conta. Cuidado. Na PUC, só tem padre e sobrenome. Segura o seu pessoal. Abre a rua e não faz confusão.”
@
[eminha, emilinha, vamos espairecer um pouquinho, falar um tiquim de diversão? você já deglutiu boate, cabe no seu aparelho digestivo de come-come? boate hétero, boate gay? bebeu sauna? inalou clínica de aborto? cheirou boca de pó de pirlimpimpim? oficina mecânica? estacionamento? camelô de sóftuér, soutien & cd? engasgou dp? flanelinha, zona azul, capataz? fezinha no bicho? bingo? videopôquer? orelhão? boteco da esquina? fliperama? rêive, escólbits, fridjés féstivól? lan-house (já que agora a gente é ema pós-pós-moderna)? já molhou as mãos dalgum coronel santiago alguma vez, para se livrar de encrenquinha, encrenca ou encrencona? ema, tu É o tatu-bolinha, passa todo dia na cidade por essas coisas todas e não as vê a um palmo do seu nariz? cê vai rolando por aí sempre a procurar, quem sabe vir a achar razão para viver?]
“No 19º Batalhão, Santiago se converteu no personagem que nós, do BOPE, chamamos ‘um convencional típico’. (…) Passou a representar o pior da polícia convencional. (…) Resultado: toda sexta-feira, lá estava o Santiago, supervisionando a coleta da propina do bicho e dos pontos especiais.
Os pontos especiais variam conforme as características do bairro. As saunas, boates e casas de massagem são os exemplos mais comuns, sobretudo aquelas que preferem não ser incomodadas com batidas policiais para verificar a idade das meninas de programa, ou dos rapazes que fazem michê. (…) As clínias de aborto e as oficinas mecânicas não autorizadas, que invadem as calçadas e atravancam as ruas, também são boas fontes. Estacionamentos irregulares e postos fixos de camelôs, agenciados por empresários do ramo, rendem uma boa grana. A polícia vive do que é ilegal. Quanto mais desordem houver, maior o lucro dos convencionais. (…)
Em pouco tempo, além desse pequeno varejo da corrupção, Santiago descobriu os filões mais promissores desse campo de negócios: as vans, a segurança privada ilegal, os grampos telefônicos, as maquininhas de videopôquer e caça-níqueis, o velho mas sempre rentável bicho (…) e os arregos, quer dizer, as transações com traficantes. (…) Virou um expert, um profissional, um mestre na arte de extorquir, chantagear, blefar e manipular. [já notou, tatu?, a presença diária dessas palavras sussurradas em texto e fala nas páginas, nos rádios e nas tvs?, ainda que não proferidas de modo assim tão assumido & bruto, murmuradas sob o silenciador por cima do “trrrrrrrrr” chocante dos termos nauseabundos “extorsão”, “chantagem”, “blefe”, “manipulação”?]
@
[papo de policial civil agora, ema(il). bate um grampo aí]
“O Lincoln vai com o Otacílio atrás do Anderson, aquele X-9 que o deputado Amarildo Horta meteu goela abaixo do Vitor, e que tá lotado na delegacia de Botafogo. Ele tá grampeando tudo que é artista, mulher de secretário, filho de autoridade, jogador de futebol, pra ver se garimpa alguma coisa que renda uma graninha pra ele e, principalmente, que renda ao Amarildo um movimento pesado no xadrez político. Quem diz Amarildo diz o governador, porque eles são unha e carne.”
[iiiih! o governador??? as otoridades? jogador de futebol? (empresário?) artista? até tu, em(a)epebê?, tem treco a ocultar debaixo dos caracóis grampeados dos teus cabelos? êêita.]
@
[só para reforçar, porque, como bem diz a globo, sempre vale a pena ver (ou melhor, ler) de novo, ó, pintassilgo:]
“Segurança privada ilegal, o grande negócio de delegados e coronéis; vans e ônibus clandestinos; bingos; grampos, legais e ilegais; as maquininhas dos ovos de ouro, que se multiplicam feito coelhos; o venerável bicho, gasto e antiquado, mas ainda na ativa; e as mil e uma transações com traficantes, em sua exuberante variedade, dos chamados arregos nas favelas – os pagamentos diários ou por turnos de policiais – aos acordos mais ambiciosos e arriscados, ou mais estratégicos, digamos assim. Às vezes, essas teias se embaralham e engatam na política, o que torna tudo mais saboroso – e muito mais explosivo. (…) É um tipo de trabalho duro e gratificante, que te enche de orgulho e vergonha, te sufoca com doses maciças de adrenalina e te leva ao céu numa espécie de viagem psicodélica, te mata de medo e te salva – pelo menos isso -, te salva da cadeira da sala, diante da TV, numa tarde de domingo, essa cova rasa que se cava a prazo. Tá certo, os policiais, sobretudo os do BOPE, são cadáveres adiados. Mas quem não é?”
[pomba rola!, rouxinol!, “cadáveres adiados”?, brrrrrrr, os helicópteros fizeram um minuto de silêncio agora. como é isso de orgulho & vergonha ao mesmo tempagora?! tudo ao mesmo tempo, é possível?! o orgulho É a vergonha? o pcc É você?…]
@
[ah, tatu, teu filho tomou um sopapo, uma supimpa na cidade sitiada do pós-13 de maio? não, acho que não, nénão? foi o filho da outra que tomou, não foi? penas de pavão deixadas na sarjeta à parte, nas emas de cá ninguém encostou um dedinho, que as tocas das emonas têm insulfilm, e suas bundas são blindadas. mas que deu um medinho friorento no nosso avestruário, ah, isso deu, né?, dona daslu?]
“Esses meninos que vendem droga, de pé no chão, são uns miseráveis, uns pobres-diabos magricelas, que não têm onde cair mortos. Nem cabelo na cara eles têm. São uns moleques pés-de-chinelo, uns bagrinhos, hein? (…) Eles estão lá no morro deles, vendendo droga pra cambada aqui do asfalto. Mas a gente não desce a mão nos filhinhos de papai, ou mete? Hein, capitão? Mete? Não, é claro que não. A gente não é besta. A sociedade empurra esses bagrinhos da favela pra vala comum e nós somos os carrascos, nós somos os coveiros, capitão. Estou errado, capitão? Pode falar. Eles são puros, esses filhos-da-puta da elite e esses políticos. Eles é que cheiram, fumam, gozam, roubam, e a gente mata e morre pra manter as ruas limpas. Uma putaria, capitão. Uma tremenda putaria. A polícia é que faz o trabalho sujo, capitão.” [eros & tanatos, hein? tanatos É eros, hein, ema emocore?]
@
[o líder traficante narrado abaixo desistiu do tráfico, fugiu para a paraíba, foi recomeçar a vida longe de tudo, perto da própria origem. em plena tentativa de vôo livre, foi “resgatado” de volta por um conglomerado cuja rede de teias tangencia a nata da polícia, a nata da política, a nata do empresariado que produz os produtos que você mais gosta de consumir de manhã cedinho ou tardinho da noite. tentou ser ema sertaneja por um dia, olha só no que deu.]
“[o traficante] Atende o telefone. Vitor Graça, em pessoa. Era ele mesmo, o chefe da Polícia Civil. Conhece sua voz e seu jeito de falar. Quer 400 mil reais até o fim do dia e 10 mil reais por dia, a partir da semana seguinte. Dino teria de voltar à Rocinha e retomar seu posto no comando do tráfico. A galinha dos ovos de ouro não pode suspender a produção. A Polícia Civil precisa desta fertilidade, conta com ela.”
[emas não voam. nem as mais medrosas, nem as mais corajosas. emas planam rente feito helicópteros, feito libélulas.]
@
[perfumes de oásis, só por uns momentos. fala agora uma assistente social de bangu i, com o olhar & o coração de quem aprendeu a ver de dentro o que aqui fora chamamos “barbárie”, entupidos de medo ou pena ou nojo.]
“Aprendi a ver aquilo lá com outros olhos. Não é que aquilo não seja um inferno, mas quando a gente só vê esse lado, tende a colocar mais um tijolinho nessa imagem, sendo que essa imagem [& semelhança?] também é um tijolinho que ajuda a fazer daquilo um inferno. Não sei explicar muito bem. Pena e nojo não são os melhores sentimentos. Não ajudam a mudar coisa nenhuma. Só servem pra manter os críticos bem protegidos, bem longe daquela nojeira, daquele lixo, daquele inferno. Só servem para expiar as culpas da gente, Licinha. Na prática, nojo e piedade acabam empurrando aquela realidade pro fundo do poço, onde ela não possa ser vista. Assim, ela fica bem longe e o fedor que ela exala não contamina a nossa vida, Licinha, os nossos valores, a nossa superioridade.”
@
[mais um breve repeteco, o plantão grobo perguntinforma em edição extraordinária: divididas entre sentir raiva surda e nutrir piedade gritona pelos policiais, as emas tontas estão perdendo as penas. a piedade É o ódio? a peninha É o ressentimento? a agressividade passiva É a auto-indulgência?]
“Flores foi direto, educado, didático e profissional. Estive próximo de rever a imagem que tinha dele. O coronel, digamos, não gozava de boa reputação. Corriam muitos boatos. Diziam que ele era homem ligado a um famoso traficante, que liderava uma das facções criminosas do Rio de Janeiro. Você pode imaginar o que isso significa, mas, se não consegue, vou dar uma dica: partilha com os criminosos do lucro obtido pelo tráfico, em troca de certo direcionamento das incursões policiais, de acordo com os interesses da facção criminosa com a qual se negocia. Não é incomum esse tipo de aliança: a polícia é usada por uma facção contra a outra. Uma tática conhecida é a provocação de uma crise artificial numa favela dominada por determinada facção, para justificar operações que a enfraqueçam ou mesmo a expulsem do território, abrindo espaço para novos negócios, mantidos os antigos ideais… A facção beneficiada aproveita o momento para invadir a favela, dominá-la, apropriar-se da boca e da correspondente fatia do mercado de drogas. E assim caminha a humanidade. Se você está se sentindo revoltado, imagina o que eu e meus colegas sérios sentimos, quando descobrimos que estamos sendo manipulados e que nossas vidas não valem porra nenhuma. Infelizmente, nem todos os companheiros entendem o processo com clareza. Às vezes, culpam os políticos, sem compreender que, antes das manobras dos políticos, são os nossos camaradas e nossos superiores, muitos deles, alguns deles – vá lá -, os principais responsáveis. E a mídia bate palmas, fazendo papel de trouxa, enganando os otários que pagam impostos, inclusive os nossos miseráveis salários. Mas não se apresse a tirar conclusões simplistas: ‘Coitados, eles se vendem por causa dos baixos salários’. Bullshit. Porra nenhuma. Fosse por isso a Polícia Federal seria imue a esses probleminhas. E não é, como você deve saber. A maioria da população brasileira é miserável e não se corrompe.”
[o sr. diria o mesmo da população brasileira “rica”, sr. ema flores? é questão de educação, etiqueta, isso é uma questão de classe? as emas que na segunda-feira corremos em meio ao trânsito engarrafado, engolindo garrafas na boquinha do biquinho, somos todas incorruptíveis, emas de reputação ilibada fugindo do crime em desabalada carreira, glu, glu, glu, abram alas pros perus? ora, mas se somos emas honestas, estamos fugindo de quê?, cacilda?]
@
de que estamos fugindo (ou fingindo fugir), ó, espelho, espelho nosso? aquele(a) de quem fugimos irá nos perseguir atrás do espelho? existe alguém mais ema do que nós?
[posso sair da toca, ema? acabou, já, o “trrrrrrrrr”? ufa, essa passou de raspão, hein?…]