ops, um título assim tão perfurante e sorumbático, logo no início-recomeço de um novo ano? como é que é essa história?

é que a gente descansa, mas depois volta à “vida real”, como mandam os ciclos… e voltar vira um passo-a-passo, uma leve batalha contra os pequenos enferrujamentos, a inércia do breque para descanso, o “esqueci-como-se-fazia-isso-e-aquilo”, a preguicite daquelas convenções tipo “bom natal, cordeirinho”, “feliz ano novo, ovelhinha”, “retrospectiva 2005”, “perspectivas para 2006”.

neste exato momento, “perspectivas” parecem, aliás, um enigmático entrave para quem queira topar 2006 pela frente, aqui neste brasil. eis aqui de pimpolho um ano de copa do mundo e de eleição, mais um ano de simultâneas (e, ó, quão ilusórias) euforia frenética futebolística e repulsa depressiva político-eleitoral. não gosto de nenhum desses dois extremos, nem da popa nem da proa, e sofro toda vez que me vejo grumete da mesma caquética e repetitiva e autodestrutiva e titaníquica embarcação. aí 2006 já dói, bem assim no comecinho, sacumé?

ao mesmo tempo, 2006 já começa cheio de recatadas notícias do tipo “recorde na bolsa de valores”, “empresas brasileiras sofrem valorização no exterior”, “brasil registra o menor risco-país de todos os tempos”, tudo devidamente empacotado em cantinhos discretos e “comedidos” do noticiário, para não atrapalhar o gozo do catastrofismo catatônico. tudo acontecendo no tão propagandeado (pelas mesmas bocas de sempre, mais umas outras “novas” recém-engaioladas no sepulcro caiado dos inocentes úteis) “pior governo de todos os tempos”. dá medo e fome de 2006, à medida que você (não) percebe que, ao fazer o coro dos para sempre descontentes, está fazendo joguete e mais uma vez se aliando ao seu pior inimigo (que pode, inclusive, ser você mesmo, ó, quão assustadora a gaiola-cadeia onde mora nossa cabeça comprimida).

cê tá entendendo?, será que para lá do blablablá do economês internacionalista e da discurseira fratricida tucanopetista esses dados em constante melhora não seriam sintomas, antes de qualquer outra patacoada, de crescimento de autoconfiança aqui dentro mesmo, dessa galerinha sofrida chamada brasil? e aí, cê tá entendendo ou vai ficar aí torcendo contra (si) eternamente? com que roupa cê tá vindo papar 2006? que roupa é a sua, cara-mulata? são as roupas e as armas de jorge, de que jorge?

pois olhe, de cá também não sei ainda, não, mas as cores de jorge-ogum parecem uma boa, necessária armadura para o pancadão que vem vindo.

é já nesse espírito (das matas) que, tentando continuar na rota sempre adiante em vez de mais uma vez matar para mais uma vez ressuscitar tudo de novo (ó, xangô, quão ilusórios os anos “novos” dos anos de fogo), deixo de lado por ora as retroperspectivas e continuo justinho de onde havíamos parado, na série jabá, nos princípios de uma tão desejada série antijabá, “no logo”, basta de mensalinhos & mensalões & hipocrisinhas & carões-de-pau.

é que muito este blog já falou do livro “cultura livre”, de lawrence lessig, e há ainda a falar, resistindinsistindo, perfurando 2006. acalentei meses e meses uns trechos a mais, lá do final do livro, guardando-os para não-sei-onde-nem-quando-nem-como-nem-para-quê. pois baixou o santo na porta-bandeira, acho que é aqui-agora, na aurora de 2006, a bordo dos recordes positivos (ainda que tão modestos) do “pior governo de todos os tempos”, no balanço de monótonas eternas ondas cíclicas que vão e vêm, no mareado de nossos próprios desejos e humores e coragens a facultar aos anos que (não) sejam todos iguais.

é que lessig conclui seu livro falando do poder corruptor exercido pelos sistemas estabelecidos sobre os cidadãos, e eu tenho certeza de que isso diz respeito a nós, brasileirinhos, de um modo tãããão profundo, no fundo de águas tããããão límpidas. eis aí, então, trechos de lessig, estados unidos, mundo, brasil, corrupção, política, direito autoral, dever autoral, pt, música, governo, cidadania, autodeterminação, liberdade. porque eu amanheci 2006 de saco cheio de cubanos que ganham a vida e a lida se autodepreciando e fazendo zombaria deles mesmos e da malfadada ilha que os concebeu. sim, eu tô falando da ilha de cuba, dos estados unidos, do iraque, do BRASIL. convido, surfe comigo nos trechos (em itálico desta vez, porque senão vai ficar tudo confuso demais), esse bamboleio que faz gingar:

“a super-regulação corrompe cidadãos e enfraquece o poder da lei. a guerra que está sendo travada atualmente é uma guerra de proibições. como toda e qualquer guerra de proibições, é direcionada contra o comportamento de um número muito grande de cidadãos. de acordo com o jornal “new york times”, 43 milhões de norte-americanos baixaram música na internet em maio de 2002. de acordo com a riaa, o comportamento desses 43 milhões de pessoas é criminoso. assim, temos um conjunto de regras que transforma 20% dos eua em criminosos. (…)

guerras de proibições não são nem um pouco novas nos estados unidos. (…) nós controlamos os automóveis ao ponto em que a grande maioria dos americanos infringe a lei diariamente. conduzimos um sistema de impostos tão complexo que uma maioria de comerciantes comete sonegação regularmente. nos orgulhamos de nossa ‘sociedade livre’, mas uma gama infinita de comportamento comum é regulada. como resultado, uma grande proporção de norte-americanos infringe regularmente alguma lei.

o estado atual das coisas não é algo sem conseqüências. é uma questão muito saliente para professores como eu, cujo trabalho é ensinar estudantes de direito a importância da ‘ética’. (…) a cada ano faculdades de direito admitem milhares de alunos que já baixaram música ilegalmente, consumiram álcool ilegalmente e algumas vezes drogas, trabalharam ilegalmente sem pagar impostos, dirigiram carros ilegalmente. esses são jovens para quem se comportar de forma ilegal é cada vez mais o padrão. gerações de norte-americanos (…) não podem viver suas vidas de forma ao mesmo tempo normal e legal, uma vez que a ‘normalidade’ envolve certo grau de ilegalidade.

a resposta para essa ilegalidade geral é garantir o cumprimento da lei de forma mais severa ou modificar a lei. (…) minha consideração não é a idiota ‘só porque pessoas infringem a lei deveríamos, portanto, renegá-la’. obviamente, poderíamos reduzir drasticamente as estatísticas de assassinatos se legalizássemos os assassinatos nas quartas e sextas-feiras. mas isso não faria o menor sentido, porque assassinatos são errados em qualquer dia da semana. (…)

o cumprimento da lei depende de que as pessoas a obedeçam. o quanto mais repetidamente nós, como cidadãos, experimentarmos infringir a lei, menos a respeitaremos. (…) não me importa se o estuprador respeita ou não a lei; quero capturá-lo e encarcerá-lo. mas eu me importo se meus estudantes respeitam a lei. e me importo se os trâmites da lei incitam cada vez mais desrespeito por causa do extremo de regulamentação que eles impõem. vinte milhões de americanos tornaram-se maiores de idade desde que a internet introduziu essa idéia diferente de ‘compartilhamento’. precisamos estar aptos a chamar esses 20 milhões de americanos de ‘cidadãos’, e não de ‘criminosos’. (…)

quando 40 e 60 milhões de norte-americanos forem considerados ‘criminosos’ sob a lei, e quando a lei puder alcançar o mesmo objetivo – assegurar os direitos do autor – sem que esses milhões sejam considerados ‘criminosos’, quem será o vilão? as pessoas ou a lei? o que é a sociedade norte-americana, uma guerra constante contra nosso próprio povo ou um esforço consciente para mudar nossa lei por meio da democracia?”

cê tá entendendo do que eu tô tentando te falar? é tanta dúvida e tanto problema, não estaria tudo transbordando para que a gente comece a pensar com mais carinho nas soluções? e que tal se começássemos por encarar nossas próprias substâncias e matérias, cara a cara, olhos nos olhos, mão na massa que borbulha fervendo dentro?

alô, eeuu, por que será que a norte-américa vem tentando se suicidar, seja pela agressão feroz a longínquos iraquianos, seja pelo estrangulamento da vida virtual que ela mesma desenvolveu com a pujança que vemos hoje? alô, cuba, por que cubanos se auto-agridem depreciando o sistema político cubano e não se levantam além das próprias lamúrias, para recriar cuba? alô, brasil brasileiro, por que os brasileiros travamos uma guerra constante e sangrenta contra nós próprios, sempre espezinhando o brasil (ou seja, a nós próprios) e jamais se dispondo a reinventar o brasil, a verde-amarelar o brasil, a erigir o brasil de dentro para fora?

então, o tom deste texto de “alô, 2006” está sorumbático, eu sei. e se está não é por acabrunhamento íntimo, mas pelo sonho interno crescente, já insistente, de que esse papinho de “feliz ano novo” pare de ser só da boca para fora, de nhenhenhém de tristezinhas que se fingem de alegrionas. a alegria ribomba lá fora, tentando entrar, e também ribomba aqui dentro, sedenta e faminta por ganhar mundão. se é melhor abrir as comportas devagarinho, para prevenir possíveis inundamentos ou a construção de mais rampinhas serracistas (alô, eduardo, ó, quanto sobressalto nos aguarda), fiquemos por enquanto com a conclusão de lawrence lessig, de empolgante e deliciosa auto-análise (alô, raul seixas, “você já foi ao espelho, nego? não? então vá!”):

“sou um advogado. formo advogados para viver. acredito na lei. acredito na legislação de copyright. na verdade, tenho dedicado a minha vida a trabalhar com direito – não ganho muito dinheiro, porque há certos ideais que eu adoro viver.

ainda assim, muito neste livro é uma crítica aos advogados, ou ao papel que os advogados têm desempenhado neste debate. a lei fala para ideais, mas a meu ver nossa profissão se tornou demasiado sintonizada ao cliente. em um mundo onde clientes ricos têm as opiniões mais fortes, a indisposição da profissão em questioná-las ou contestá-las acaba burlando a lei”.

espetacular, doutor lessig! eu até arriscaria a dizer que, nisso, os jornalistas somos iguaizinhos aos advogados. eu até arriscaria a exagerar (ó, ilusória ilusão de exagero) que, nisso, os brasileiros somos iguaizinhos aos jornalistas e advogados e cubanos e iraquianos e estadunidenses. e que vamos nos estrumbicar logo ali na próxima esquina se não aprendermos logo-logo-loguinho a saudável prática da autocrítica autogenerosa e auto-amorosa. gracias pela livre inspiração, mr. lawrence das arábias!, e viva a contracorrente!, e viva a cultura livre!, e viva 2006 (na bucha, no duro, e não escapulindo pelo canto da boca em espuminhas desidratadas)!, e viva quandonde tudo se mistura (mas não se confunde)!

hello, adoráveis blogueiros & blogueiras, eu tô voltando…, sorumbático, mas cheio de saudade!… uma palavrinha só para o ano do cachorro, da boca para dentro? ALEGRIA.

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