O português Valter Hugo Mãe e o ótimo público que compareceu ontem (27) ao Teatro 4 de Setembro, em Teresina/PI. Foto: Margareth Leite
O português Valter Hugo Mãe e o ótimo público que compareceu ontem (27) ao Teatro 4 de Setembro, em Teresina/PI. Foto: Margareth Leite

Teresina/PI – ​Membros da produção da Balada Literária não escondiam certa angústia na manhã de terça-feira (27). Valter Hugo Mãe estava em Teresina, mas compareceria à mesa “Os trabalhadores da palavra”, marcada para a noite?

O escritor português havia sido hospitalizado após comer algo que não lhe caíra bem em Salvador – ele já havia passado também por um hospital na capital baiana.

Às 15h, quando a porta do elevador do hotel se abriu, Marcelino Freire abraçou-o. Mãe trajava uma camisa colorida e aparentava melhoras. “Assim que eu quero vê-lo, amigo”, comemorou o pernambucano, idealizador e realizador da Balada Literária, a cujas etapas soteropolitana e teresinense compareceu o autor de “O paraíso são os outros” (2018).

Foi uma noite histórica, como pontuou o próprio Marcelino Freire, longe de qualquer arrogância, por tudo o que aconteceu: um ótimo público comparecendo (é um evento de literatura, não de música ou de celebridades de tevê) e muitas saudações ao homem da camisa florida.

A pequena Júlia Vertunes, de 10 anos, ao saber da vinda de Mãe a Teresina, entrou em contato com a produção do evento. Queria recebê-lo no palco recitando poemas autorais, o que fez com um desprendimento incomum para uma criança de sua idade. A suas roupas também coloridas, Mãe disse que estavam comprando na mesma loja. O bom humor pautou a noite.

A banda de pífanos Caju Pinga Fogo fez um pocket show também saudando o ilustre convidado, pela primeira vez em Teresina. Depois de algumas músicas autorais, registradas em seu primeiro cd, encerraram a noite com “um hino do Nordeste”, como anunciaram antes de tocar “Feira de mangaio” (Sivuca/ Glorinha Gadelha).

A noite teve ainda participações de Élio Ferreira, poeta e professor, homenageado local da Balada Literária em Teresina em 2019, Sérgio Vaz, poeta e organizador dos saraus da Cooperifa, em São Paulo, e Nelson Maca, curador da Balada em Salvador.

Da esquerda para a direita: Wellington Soares, da Comissão Organizadora local da Balada Literária, Francisco Pellé, curador do FestLuso, Valter Hugo Mãe e Marcelino Freire. Foto: Margareth Leite
Da esquerda para a direita: Wellington Soares, da Comissão Organizadora local da Balada Literária, Francisco Pellé, curador do FestLuso, Valter Hugo Mãe e Marcelino Freire. Foto: Margareth Leite

À mesa, além de Marcelino Freire e Valter Hugo Mãe, também esteve presente Francisco Pellé, curador do FestLuso, o Festival de Teatro Lusófono, que corre em paralelo e em parceria com a Balada Literária.

Provocado pelo mediador, Valter Hugo Mãe percorreu diversos aspectos de sua vida, obra, escrita, modo de trabalho e relação com a cultura brasileira. Algo a que os mais apressadinhos não hesitariam em perguntar o que isso tem a ver com o tema da mesa. Absolutamente tudo.

Ele começou lendo um texto muito bonito, poético e teatral, inspirado na imagem do menino imigrante sírio, morto numa tentativa de travessia, fotografia que viralizou e ganhou o mundo, gerando entre comoção e discursos de ódio. “Eu não saberia filmar isso, fotografar isso, desenhar isso, mas não sei, então eu escrevo. Eu escrevo como quem busca as artes plásticas, querendo formar imagens”, revelou. Enquanto lia, muitos celulares registravam o momento.

“Eu escrevi muito para teatro, mas os encenadores invertiam tudo. Quando eu ia ver não era meu texto. Era uma coisa desastrosa. Eu fiquei traumatizado. Por que eu não era um autor conhecido, não podia dizer para não mexer em nada. Depois eu fiquei com medo: já pensou, por exemplo, se eu escrevo uma coisa contra o fascismo e, de repente no palco, eu passo a defender? Inclusive é muito arriscado esse desperdício de energia do governo [brasileiro] em se preocupar com o que acontece na cama. O que acontece ali diz respeito apenas a quem está ali, o governo tem que se ocupar de outras questões”, provocou.

Marcelino Freire comentou o novo modo de se vestir do português. “Vou fazer uma pergunta Ana Maria Braga“, troçou.

“Eu usava muito preto, preto me emagrece. Eu fui muito magro quando jovem, hoje tenho barriga, é uma coisa com a qual ainda não me acostumei. Eu olho para mim e penso: eu não me paqueraria na rua. Aí comprei essas camisas em Portugal, pouco antes de viajar para cá. Estou estreando aqui no Brasil, pela primeira vez em Teresina. É também uma forma de resistir. Colorido é alegria e o Brasil é um país alegre, embora atualmente queiram nos roubar nossas subjetividades”, respondeu Mãe.

Sobre sua profunda admiração por Elza Soares, comentou: “uma vez eu disse que se Deus existisse seria menor que Elza Soares. As pessoas acham que é uma crítica a Deus, mas na verdade é um elogio a Elza Soares, mulher, negra, guerreira, com algo de Fênix, essa capacidade de renascer e se reinventar, apesar das adversidades. Por falar em Deus, nenhum Deus, de qualquer Deus que exista, poderá ser amado se a gente não amar quem está ao lado”, alfinetou.

Valter Hugo Mãe revelou tê-la beijado sete vezes, uma vez, após um show. “Os primeiros ela quis, os últimos eu quem queria. Acho que foram sete. O marido dela já estava olhando, lá pelo meio, como quem dizia, “já deu!”. Eu queria mais, mas resolvi encerrar com aquele adultério”.

E seguiu falando de sua admiração por outros artistas brasileiros. “A Elza foi fácil, por que é mulher, mas eu beijaria na boca o Chico César, o Caetano Veloso e o Chico Buarque. O Caetano de hoje, não o Caetano aos 30. Eles envelheceram bem”. Marcelino Freire pontuou: “aqui, na mesa e na plateia, todo mundo beijaria o Chico Buarque”.

Valter Hugo Mãe revelou então sua primeira lembrança da cultura brasileira: “eu era um menino de cinco anos de idade e minha irmã mais velha ouvia Roberto Carlos, “As baleias”, “As baleias”, “As baleias”, aquilo entrava na veia. E é uma música triste e real. Ele vai fazer um show agora em São Paulo, eu vou tentar assistir”.

“Vou pedir para ele cantar “As baleias” para você”, brincou Marcelino. “Eu quero!”, retrucou Mãe. “E vai querer beijar o Roberto na boca?”. “Não!”.

Boa parte do público levou exemplares de livros de Valter Hugo Mãe ou os adquiriu no hall do teatro, pensando no autógrafo, este repórter, inclusive. Ao fim da mesa, o português se desculpou: “eu nunca fiz isso, mas peço desculpas para vocês. Ainda não estou plenamente recuperado, estou com ânsias de vômito. Vai ser horrível se eu ficar. Vou fugir! Mas espero ser convidado para voltar e terei o maior prazer em autografar os livros de todo mundo”. A plateia educada compreendeu e posou para uma selfie com o autor de “Homens imprudentemente poéticos” (2016).

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