Além de marcar o 51º desaniversário do golpe civil-militar braZileiro de 1º  de abril de 1964, o dia 31 de março de 2015 foi histórico para a política nacional, por motivos ao mesmo tempo prosaicos e excepcionais. Uma pitoresca briga de (ex-)comadres dominou essa data de memória infeliz e se irradiou do Centro-Oeste para o BraSil, Goiás gritando para o mundo.

Foi um barraco público entre Demóstenes Torres Ronaldo Caiado, respectivamente ex-senador e atual senador da república por Goiás, ambos viúvas do agonizante DEM, partido de direita reacionária que já foi PFL, que já foi PDS, que já foi Arena, que já foi UDN (não confundir com a UDR do ruralista Caiado), que já foi exército de bandeirantes dizimadores de índios goiases pelos cerrados de Goiás.

Resumindo o festim de (des)aniversário, a retreta foi a seguinte: Demóstenes xingou Ronaldo de bandido, depois Ronaldo xingou Demóstenes de bandido, depois Demóstenes xingou Ronaldo de bandido. (Alçados à deliciosa condição de espectadores, aguardamos ansiosos pelos próximos capítulos dessa verdadeira Babilônia braZileira.)

Tudo começou com um terremoto matinal, quando o anjo caído (expressão dele, para designar o outro) Demóstenes adentrou o recinto de túnica negra desfiada num irado artigo publicado pelo Diário da Manhã, veículo de imprensa que festeja “34 anos de pioneirismo como veículo de conhecimento” e “acumula agora o título de primeiro jornal web-first do Centro-Oeste brasileiro”.

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Ronaldo Caiado: uma voz à procura de um cérebro“, proclamou, todo ~web-first~, o artigo do ex-senador cassado, procurador de Justiça (?) e ex-correligionário DEMista do Ronaldo. O título não deixava qualquer margem de manobra para supostos adivinhos do conteúdo do texto.

Demóstenes, que doravante passo a designar , já principia bombástico, fazendo a terra tremer diante do que vem por aí: “Fiz uma opção íntima”. É fato, a treta exala intimidade. Eu, que sou gay, passei a usufruir de grandes revelações da República, ao mesmo tempo que me sentia estatelado diante de uma carta de homossexual masculino ou feminina para um(a) ex-namorado ou namorada. Espia.

Ronaldo “viu (na ruína de Demóstenes) uma oportunidade para soerguer-se politicamente”, “bastava afundar-me no buraco e, prazenteiramente, o fez”, acusa Dê, logo depois de reafirmar que foi, é e será para sempre amigo do bicheiro VEJista Carlinhos Cachoeira. A acusação é gravíssima: não simplesmente Dê se assume amigo íntimo do bicheiro GLOBista como afirma ter provas de que Ronaldo, que doravante passo a designar , também o é. VRAH!

Dê segue queimando o filme do Rô: “Encontrou-me num estabelecimento comercial chamado Jerivá, quando eu saía do banheiro, e tentou conversar comigo, bem risonho, o que mereceu uma esquiva de minha parte”.

A fritura esquenta. Entra na panela um controverso ex-governador do Rio de Janeiro: “(AnthonyGarotinho acusa (Ronaldo) de ser traíra por ter me abandonado”. Acusação, traição, abandono, meus olhos sensíveis começam a verter lágrimas de jacaré pantaneiro em novela mexicana do SBT.

Não apenas traído e abandonado, Dê também parece (des)iludido: “Caiado se passava como uma espécie de irmão mais velho pra mim”. DEMistas unidos até a morte, três mosqueteiros, um por todos e todos por um, não se abandona um irmão ferido no meio da estrada.

Rô seduzia Dê afirmando-se “um conservador não beligerante” – intervenção civil-militar, só se for cons-ti-tu-cio-na-lis-si-ma-men-te.

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“Ronaldo Caiado é chefe de um dos mais nocivos vagabundos de Goiás”, o irmão mais novo afia a faca. Sofro uma vertigem de confusão quanto ao posto hierárquico e a verdadeira identidade do bicheiro Cachoeira.

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Não, não é de Cachoeira, o , que Dê está falando. Refere-se a um outro cara, que, em sua língua lobônica em padronagem de metralhadora giratória, acusa de ser “prócer das máquinas caça-níqueis em Goiás”. Dê, o amigo íntimo de bicheiro, acusa Rô de chefe de crupiê, e o que parecia uma trama homoerótica volta ao campo estrito e profissional dos homens (públicos) de negócios.

“Quadrúpede que é, (Ronaldo) tinha suas patas, simultaneamente, em três canoas”, mesmeriza sem piedade o (ex-)herói da revista Veja.

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Leitor em choque profundo, tento materializar uma imagem que combine Demóstenes ferido à beira do caminho e Ronaldo com as quatro patas metidas em três canoas.

Preguiça

Outros correligionários DEM-PSDB-PFL-PDS-Arena-UDN-lacerdistas entram no recinto para apimentar a relação. O enroscadíssimo José Agripino Maia, ex-coordenador da campanha presidencial do meigo tucano Aécio Neves). O prefeito demista de Salvador (BA), Antônio Carlos Magalhães Neto – “(Ronaldo) seguirá as ordens de seu chefe político ACM Neto, que financiou sua última campanha em Goiás”, Dê acusa Rô. Caciques goianos aos borbotões.

(Ora, direis, onde encontraremos o senador tucano paulista José Serra nessa inacreditável trama eroto-político-vampiresca?)…

O BraZYl evolui glauberiano no transcurso do texto de Demóstenes. “Resumo da ópera: o tenor recusou os apelos da mezzosoprano e mandou o barítono procurar rumo” (oi???). “Parece que o tesoureiro-mor, chefe da Agência Goiana de Obras Públicas, também fez evoluções pela passarela”, sendo a “passarela” em questão o show de horrores promovido pela direita braZileYra em 15 de março de 2015.

Dê pisa no acelerador, trágico, cômico, dramático: “Você diz em seus discursos que Caiado não rouba, não mente e não trai. Você rouba, mente e trai”. A dúvida público-privada volta a me assaltar (ops!): Ronaldo roubou um coração?

“Você deveria ir pra Brasília em seu cavalo branco, estacioná-lo na chapelaria do Senado e subir à tribuna para fazer o que já faz: relinchar, relinchar.” Contenho minha vontade de aplaudir em pé o silêncio: obrigado, Dê, por divar montado num cavalo branco, deixar Rô deitada na BR e ainda por cima citar o modesto slogan de esquerda desacorçoada #RelinchaBraZil: #RelinchaCaiado!

O ex-senador aproxima-se do desfecho, subvertendo o paradigma de Greta Garbo: “Me deixe em paz, senador. (…) Continue fingindo que é inocente e lembre-se que não está na sarjeta porque eu não tenho vocação para delator. Tome suas medidas prudenciais e faça-se de morto”. VRAH!

Demóstenes não será obedecido por Ronaldo, malvado Ronaldo, Ronaldo & seus Lobões. O 31 de março ferve na página de Facebook e no site do ilustre e viril senador. O título começa evocando canção de amor de Lulu Santos, mas termina bem mais agressivo que o ataque do ex-companheiro: “Apenas mais um bandido que enfrento“.

Rô chega bem machão, bota banca, dá pernada & rasteira, toca surdo & frigideira, xinga o ex-irmão de “psicopata”, “corrupto”, “mau-caráter”, “sem credibilidade”, “canalha”, “fugitivo”, “subserviente a seus patrões” (uai?!, político tem patrão?). VRAH! VRAH! VRAH!

“Cheio de mágoas”, acrescenta, abrindo um veio que ameaça escoar do público para o privado.

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A retórica macha do senador ruralista não faz supor que esses homens já foram unha & carne, a metade da laranja, dois amigos, dois irmãos. Rô vem que vem todo trabalhado no relincho, #RelinchaCaiado: “Sou preparado e acostumado a enfrentar bandidos”; “enfrentar o canalha Demóstenes será mais um capítulo de minha vida”; “nunca fui sustentado por Carlinhos Cachoeira”; “sou um homem desencabrestado” (oooi???), “como médico, atendi um filho dele a pedido de Demóstenes”.

Soletrando: de-sen-ca-bres-ta-do.

O macho-alfismo de Rô não tarda a sucumbir, entretanto. Um tom de maldisfarçada comoção toma conta da história de um encontro no gabinete caiado, ao qual Dê teria chegado “com as lágrimas escorrendo”. “Ao enxugar o rosto, Demóstenes disse para me afastar, para não defendê-lo, para não me meter nisso, porque, com as gravações, ele e (o governador tucano goianoMarconi Perillo não poderiam ser salvos”, revela Rô, para nosso pasmo.

Talvez não um Carlos Lacerda, mas parece haver um William Shakespeare pronto para brotar por debaixo dos relinchos encaracolados de Caiado. “Depois disso, estive em seu apartamento funcional e em sua casa em Goiânia”, completa Rô Rô, e mais não nos conta sobre o(s) desenlace(s) daquele(s) drama(s).

“No corredor do Jerivá, não existiu qualquer encontro. Simplesmente nos cruzamos casualmente naquele restaurante.” Não foi encontro, foi cruzamento. Jumento não é, jumento não é o grande malandro da praça.

Ronaldo também parece magoado.  “Além de psicopata, Demóstenes é mal-agradecido.” Demóstenes roubou um coração?, haja sobressalto para tanto assalto (ops!), menina.

Hamlet e Maria del Barrio conduzem o final apoteótico da réplica do Rô. “Demóstenes fez chantagem emocional” (com quem, Rô, com quem?!).

“No dia 12 de abril, estarei em Goiânia, em praça pública. E você, Demóstenes? Estará trancafiado” (that’s the sound of the men working on the chain gang).

“Na minha vida, as cicatrizes são no peito por enfrentar os adversários de frente.” (Fafá de Belém gostou desse trecho.)

“Fique tranquilo, bicheiro. Essa briga é entre nós dois.” VRAAAAAAAAAAAAAAAH duplo carpado, dramático & definitivo.

O fôlego soluça, mas não haverá trégua enquanto o dia 31 de março não se transformar em 1º  de abril. A réplica de Desdêmona, digo, Demóstenes é rápida, lépida, fagueira e exultante. O vaqueiro caiu no laço, é hora do boi beber água.

Dê volta fervente, rente que nem pão quente: “Ronaldo deu uma sapituca” (ooooooooooooooiiiiiiiiiiiiii?!!!!).

Soletrando: deu a sa-pi-tu-ca.

“Ninguém jamais me verá nessas condições”, esquiva-se o não-chorão, prometendo que não verteu nenhuma lágrima diante de Rô e rejeiando, assim, a máxima de Gonzaguinha Raimundo Fagner, de que “um homem também chora, menina morena”. Guerreiros são pessoas, senador!

“Caiado acredita que o sentimento de lealdade é apenas uma doença de cachorro”, sapeca Lulu, digo, Dê, como quem evocasse agora o “eu não sou cachorro, não” de Waldick Soriano.

Um leque vermelho desponta por debaixo da túnica negra, num VRAAAAAAAAAAAAAAHHHHHHHHHH tonitruante, capaz de ser ouvido pelo resto do mundo: “Essa madrugada fez Ronaldo perder a voz, mas o decorrer dos dias próximos o fará perder o mandato”. (Santa protetora dos alcoviteiros, o que terá acontecido na madrugada entre o 30 e o 31?)

A catarse demosteniana segue numa saraivada de frases de encerramento, cada uma mais VRAH que a outra. “Não adianta grunhir porque se gritaria resultasse em algo, os porcos não morreriam daquela forma”, Dê olha no espelho para Rô, que olha no espelho para Rê, que olha no espelho para Dô.

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Eu vejo que ele berra, eu vejo que ele sangra a dor que traz no peito, pois ama e ama. Um homem se humilha se castram seus sonhos. “Reafirmo tudo o que disse. A minha agonia está no fim e a de Ronaldo Caiado apenas  se iniciando. Tenho dito”, conclui de uma vez por todas Demóstenes, no último soluço de uma série de orgasmos múltiplos em VRAH.

Meninos morenos, eu vi, eu sei, se isso não for o quebra-pau mais gay da história da política brasileira eu não me chamo Madame Satã.

Este é, evidentemente, um texto de brincadeira sobre um entrevero muito sério entre duas altas autoridades direitistas da República do BraSZil, uma delas caída, outra no apogeu do púlpito da tribuna do plenário. As brincadeiras também escondem seriedades, para além da catastrófica misturança entre o público & o privado promovida por nossas instâncias, instituições, indivíduos e entidades tanto públicas quanto privadas.

A maior ironia de tudo é também uma parceria público-privada entre o siso e o pastelão. Estamos acompanhando o caloroso espetáculo de dois correligionários de um partido de direita historicamente golpista e antidemocrático, que sequestrou o termo DEMocratas e anda tentando sequestrar para o golpismo vulgar as cores verde e amarelo. E eles elegeram a data de (des)aniversário de um sangrento golpe civil-militar para mostrar, no espelho do trem-fantasma do parque de diversões, quem são, o que pensam, como vivem e o que querem os reacionários braZileiros golpistas travestidos em pele de DEMocratas.

#ParaDeRelincharBraSil!

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