O grupo Sambô, de Ribeirão Preto (SP), conquista o mercado pop brasileiro investindo numa forma ao mesmo tempo batida e original: cantar rock’n’roll em compasso de samba.   

 

O pagode pop que vicejou nas rádios e TVs por boa parte da década de 1990 e parecia liquidado nos primeiros anos 2000 tem motivos para comemorar estes primeiros anos da segunda década do século XXI no Brasil. Puxado pela permanência do grupo Exaltasamba e, em seguida, pelas carreiras solo de seus integrantes Péricles e Thiaguinho, o subgênero popificado de samba encontra motivos para comemorar agora no êxito comercial e artístico do grupo Sambô, de Ribeirão Preto (SP).

Desde o Raça Negra e o Art Popular, há algo de fortemente paulista nos intercâmbios entre a matriz de samba e gêneros pop como rock, soul, funk, sertanejo etc. Bem antes deles, o paulista Bebeto sedimentou no chamado samba-rock a sabedoria aprendida do carioca Jorge Ben (hoje Ben Jor), o mais blueseiro, soulzeiro, funkeiro, emepebista e roqueiro dos sambistas. Hoje, o Sambô testa inverter a equação, fazendo do samba e do pagode veículos para uma verve de rock’n’roll, o que eles chamam de rock-samba.

Daniel San, o jovem vocalista, é um roqueiro cuja voz vibra entre as cordas do samba de Alcione, do rock de Cássia Eller, do pop-MPB de Ana Carolina. Nem sempre soa adequado ou harmônico. Praga dos tempos de agora na música mais comercial, a gravação ao vivo do CD/DVD Estação Sambô (líder de vendas no iTunes brasileiro neste início de ano) nivela por baixo as qualidades vocais e musicais de San e do Sambô. A originalidade da misturança, no entanto, está toda ali.

Alguém diria que originalidade não há: não é nada do que Jorge Ben, os Novos Baianos ou Raul Seixas já não tenham feito décadas atrás. Não é, e é. É, e não é. A demolição de barreiras e preconceitos musicais é o forte do Sambô, e raramente tem sido promovida com tamanha coragem, seja nas paradas de sucessos ou nos esconderijos da música mais cultuada que consumida. Procuremos não pensar no Zorra Total, mas na contracapa do álbum três linhas de metrô se entrecruzam – cada uma das 21 faixas (no CD) se configura como uma estação de trem. As linhas, vermelha, azul e verde, chamam-se respectivamente “rock”, “pop” e “samba”.

No percurso pop, há versões de cavaquinho, pandeiro, surdo, banjo, guitarra, baixo, teclados e bateria para “Suddenly I See”, da cantora KT Tunstall, “This Love”, do grupo pop Maroon 5, e “Os Cegos do Castelo”, dos (ironia?) roqueiros Titãs, esta com participação do teen rocker Di Ferrero, do NX Zero. “Can’t Buy Me Love”, dos Beatles, talvez pudesse também estar ali, mas integra a rota rock, lado a lado com Janis Joplin (“Mercedes Benz”), Raul Seixas (“Aluga-Se”), U2 (“Sunday Bloody Sunday”), Legião Urbana (“Pais e Filhos”) e Nirvana (“Smells Like Teen Spirit”). Todas caem no samba, com maior ou menor intensidade, e o cigano discotheque Sidney Magal faz uma participação impagável em “Proud Mary”, do Creedence Clearwater Revival.

Magal à parte, até aí seria talvez a aventura de uma banda cover de rocks em tempo de pagode. Mas há a linha propriamente sambista, com homenagem aos Originais do Samba, genial banda samba-roqueira dos anos 1970 e 1980, uma releitura de “Zoio de Lula”, do Charlie Brown Jr., e uma versão em duo com Thiaguinho para “Dívida”, da banda roqueira gaúcha Ultramen. Entre essas estão também algumas canções autorais do Sambô – ou seja, quando compõem, eles o fazem pensando em samba, em pagode.

Os ouvidos oscilam. Às vezes a fusão parece funcionar, outras vezes não. A popularidade e/ou o investimento da Som Livre (a gravadora da Globo, hegemônica quando se trata do novo pop brasileiro de massa) atestam que funciona. O vínculo da atual geração indie-pop-rock de 20 e poucos anos com o pagode não pode ser desprezado (como atesta outro lançamento recente, Jeito Felindie, um tributo indie-rock à obra do Raça Negra).

O Sambô, mais que o velho Exaltasamba, adapta para hoje o crossover dos anos 1990 entre pop e samba, ouvido sempre com má vontade pelos puristas de todas as bandas. No geral, coloca rock’n’roll no lugar do pop e do sertanejo que animaram 20 anos atrás grupos como Só pra Contrariar, Negritude Jr. etc. Os preconceitos não param de ruir. Afinal, quem antes havia tido a coragem de mirar e amar o Nirvana de Kurt Cobain e Os Originais do Samba de Mussum, em pé de igualdade?

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2 COMENTÁRIOS

  1. Faltou falar do Monobloco e do Bangalafumenga, principalmente o primeiro, que estouraram justamente por dar uma leitura swingada com naipe de percurssão (não sei como chamar: sambalanço, sambafunk, etc.) ao rock nacional, forró, ciranda,baião, etc.

    Talvez o Monobloco seja o elo recente que “inaugurou” esse caminho trilhado pelo Sambô.

  2. A rapaziada do Sambô estava no mesmo avião que eu em direção a Brasília. Tive vontade de afrontá-los: “Não estraguem Smells Like Teen Spirit, seus desgraçados!”. Mas deixei pra lá. Cada um consome o que bem entender. Abs, Pedro.

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