por mais de um ano e meio, exerci semanalmente a prazerosa tarefa de ser o curador do “prata da casa”, o projeto dedicado a artistas novos do sesc pompéia. a terça-feira que passou, 27 de maio de 2008, foi do coletivo rádio cipó, de belém do pará, com participações especialíssimas de mestre laurentino, dona onete e otto. um modo mais que bacana de concluir uma jornada iniciada muitas terças-feiras atrás, numa outra noite fria, com o grupo paulista de rap a família (que saudade!).
quem “curará” os novos no sesc pompéia a partir de agora, no meu lugar, é a afiadíssima jornalista musical patrícia palumbo (a bola é tua, patrícia, mete bronca!). e eu, de minha parte, deixo aqui de lembrança (para mim mesmo e para quem interessar possa) a coleção completa dos pequenos textos que preparei, ao longo desse tempo todo, para apresentar esses artistas do pará, do paraná, da bahia, do rio, do maranhão, de minas gerais, do rio grande do sul, de são paulo etc. e tal e coisa. quisera ter abarcado todos os estados do brasil, mas não foi assim. ainda será, posso apostar.
[só uma observação, que talvez não tenha nada a ver com este tópico, ou talvez tenha tudo a ver com ele: olhaqui. e aqui.]
vão aí, um por um, em ordem pretensamente cronológica, os 67 cartazes do “sesc pompéia”, fase 2006-2008. e meu obrigado pessoal a cada um dos que se envolveram nessa pequenina odisséia.
A Família
“Eu quero a parte que me cabe, e o reparo dos massacres.” O grito de reivindicação define o grupo de hip hop A Família, reunido em Sumaré, interior de São Paulo, mas não o define por inteiro. A Família exige respeito e igualdade às periferias, mas reivindica também o direito do hip hop à ternura, à poesia, ao amor e à integração à música popular brasileira – não é à toa que seu disco independente de estréia se chama Cantando com a Alma, nem que as letras de alto protesto social cedem espaço a citações amorosas a canções conhecidas nas vozes de Marisa Monte, Os Paralamas do Sucesso, Tim Maia, Gilberto Gil, Marvin Gaye…
Conjunto Roque Moreira
“100% Teresina/ 100% Piauí/ 100% Parnaíba/ 100% rio Poti.” O chão de casa e o Nordeste são a moda para o Conjunto Roque Moreira, cujo nome homenageia um radialista piauiense que integrou campo e cidade no programa de rádio AM Seu Gosto na Berlinda. É exatamente o que faz o sexteto CRM, numa fórmula pós-mangue bit que agrega imaginários opostos e faz coexistirem pacificamente na Sintonia da Mata (é o nome do primeiro CD) guitarra & sanfona & zabumba, rock’n’roll & canção brega & samba & o reggae trazido da Jamaica com porto no vizinho Maranhão, protesto social & diversão & inteligência.
Érika Machado
“Do nosso ponto de vista, as coisas vão melhorar.” De sua parte, Érika Machado faz por merecer: põe a mão na massa como artista plástica, cantora, compositora etc. que registrou um primeiro disco/obra de arte/instalação dentro de seu próprio quarto em Belo Horizonte (MG), “ao vivo” (mas sem público, para não atrapalhar a gravação), para ser vendido em camelô. No Cimento é a estréia nacional, com altas voltagens de pop, rock, eletrônica divertida e toada brasileira – e John Ulhoa e Fernanda Takai, do Pato Fu, como padrinho e madrinha.
J3
“O som do rap e do reggae vão se encontrar/ pra expressar a indignação da gente.” Radicado em Vitória (ES), J3 (o nome cifrado vem do fato de ser o terceiro Jair da família, depois do pai e do avô) faz hip hop popular brasileiro, de características bem distintas das do rap de São Paulo ou do Rio de Janeiro (onde ele nasceu). Mais pop e melódico que os rappers paulistas e menos ligado ao samba que os rappers cariocas, J3 amplia o mapa do hip hop nacional, fervendo reggae, raggamuffin, bossa nova, música eletrônica & outros baratos numa música essencialmente pulsante e inquieta, brasileira e sem fronteiras.
Samba do Baú
Da periferia de São Paulo emerge uma velha proposta, cumprida por alguns dos mais jovens representantes do sangue novo do samba. O grupo Samba do Baú se pauta por interpretar exclusivamente clássicos do samba, num formato de interatividade com os espectadores. A proposta é acumular o máximo de repertório de grandes como Cartola, Paulinho da Viola, Adoniran Barbosa, Nelson Cavaquinho e quem mais chegar, e reinterpretá-los a pedidos do público, na raiz, mas sob a ótica das novíssimas gerações.
Marcela Bellas
“Baiana, levante essa saia, tomara que caia que eu quero ver.” A música popular baiana pós-axé music não pára de render surpresas. É assim no caso da cantora e compositora Marcela Bellas, que enriquece sua música com abundantes referências extraídas do rock’n’roll, da MPB, do samba de roda do Recôncavo, da música eletrônica, do rock-samba à moda dos Novos Baianos, do trip-hop, da velha bossa nova, do forró. Um de seus trunfos é a apresentação de novos autores da Bahia, como Ronei Jorge, Helson Hart, Mário Mukeka, Hebert Valois… “Até o que eu não gosto me inspira”, condensa ela, democrática e agregadora.
Henry Burnett
“Vi-me nascer longe das águas/ sem merecer Belém, de onde vim.” Paraense estabelecido no Rio de Janeiro, Henry Burnett aposta com paixão na tradição musical, melódica e poética da música popular brasileira, daquelas que não se sabe dizer ao certo se vem de São Paulo, da Bahia, de Portugal, do sertão pernambucano de Luiz Gonzaga ou do… Pará. A canção popular é sua musa central, embora ele possua também mais que um pé na erudição: mestre em filosofia pela Unicamp, é hoje pós-doutorando na USP. Um de seus objetos de estudo é ela, a canção, protagonista de seu repertório em temas belos, melancólicos e ciganos como Embriagado, O Olho do Espiral e Noite Úmida.
Netunos
“Chegou à praia e teve uma visão/ o cinza tomando conta da imensidão/ então quis ser parte de tudo aquilo, e assim foi.” Praticando algo que pudesse ser chamado de a nova música marítima do Rio de Janeiro (que anda sendo singrada também por Los Hermanos), os Netunos vão mais diretamente ao ponto e se encarregam de modular uma veia carioca da “surf music”, do rock praieiro, da melancolia de brisa. No caso desses meninos do Rio, a “música surfe” vem repleta de letras bem construídas na tradição do romantismo, do amargor, dos sofrimentos de amor – em volta disso, o mar revolto e o rock’n’roll.
Sangue de Barro
“Lampião, tua honra tá marcada no couro desse Nordeste/ e o teu nome é respeitado no sertão, mata e agreste.” Segue avante a resposta sertaneja áspera à vanguarda pernambucana praieira e portuária da geração mangue bit. Formado em 1998, em Caruaru, o grupo Sangue de Barro explora a música pernambucana de dentro (que anda sendo desbravada também pelo Cordel do Fogo Encantado), na garupa de agressividade roqueira, poesia de cordel, marginália, inteligência, barro e seca. Como diz um dos gritos de guerra do grupo, “é barro, sim, não é brincadeira/ é jeito, força e vida/ raciocínio na moleira”.
O Incrível Mundo do Nada
“E atenção, atenção, o último noticiário informa, informa. Acaba de chegar na cidade a banda mais pirada, a banda d’O Incrível Mundo do Nada, nada…” O homem-banda paulistano Thiago Doideal, de 22 anos, coordena os trabalhos d’O Incrível Mundo do Nada a partir de referências tão incongruentes como seus estudos na Universidade Livre de Música, sua militância na área de energia quântica numa ONG de desenvolvimento humano etc. etc. Tal diversidade vaza para a música, na qual cabem rock e ritmos nordestinos, mangue bit e Jorge Ben, Fred Zero Quatro e pós-rock etc. etc. Talento explosivo à vista, na linha do horizonte.
Nervoso e Os Calmantes
“Eu vim aqui saber/ se você ainda vive/ essa vidinha banal/ (…) esta visita tem consistência.” A crônica do dia-a-dia é a tônica do rock esperto e direto do carioca Nervoso, incluídos ali seus inúmeros momentos de tédio e banalidade. Seu rock’n’roll bem brasileiro remonta à jovem guarda suburbana e periférica de Roberto Carlos, Erasmo Carlos & cia, mas num desvio de rota que passa pelo brega-punk gaúcho de Wander Wildner, Frank Jorge & cia antes de chegar aos nossos ouvidos. O resultado, nada banal e levado por um Nervoso nem tão nervoso assim, com a cumplicidade de uns Calmantes nada calmantes, é música calma para pessoas nervosas, e vice-versa. Entendeu?
Bruno Morais
“De retirada/ estou passeando/ só pra ver se você sai pra passear.” Paranaense de Londrina radicado em São Paulo, Bruno Morais traz na corrente sangüínea teatro, música popular brasileira, funk da antiga, bossa nova, dura poesia urbana, rock’n’roll, hip-hop, timbres eletrônicos variados. Voz mansa, contida e melancólica, letras minimalistas que passeiam entre o inferno e o samba (com inúmeras paradas de uma ponta à outra), melodias às vezes completas, às vezes quebradas, tudo vai pouco a pouco se somando e se soldando numa moldura serena porque moderna, moderna porque serena.
Osvaldo Moreira
“Vou rolar o mundo inteiro/ só com um saco, pouca tralha,/ uma garrafa de cachaça,/ vou virar trecheiro.” A liberdade e a crueldade das ruas parecem estar inscritas a ferro e fogo na música do violonista, cantor e compositor paulistano radicado em Jundiaí Osvaldo Moreira. Sua música é só delicadeza, mas sua poesia não tem receio algum de encarar de frente a dureza da “vida real”. “Fui parar onde o filho chora e a mãe não vê/ de um lado um semimorto, doutro um louco, bola,/ sala de choque, programa de TV/ esquentando lata, morando na rua/ era Cristo, era Zapata/ atirando pedra na lua”, arremessa a faixa-título do forte álbum Trecheiro; ali dentro daqueles versos, o símbolo “Brasil” pulsa com contundência.
Rossa Nova
“Eu, que vim do mato, não conhecia o bicho-flor que mora aqui.” Quase 50 anos depois de a bossa nova ter vindo nos pregar a virtuosa travessura de que o Brasil inteiro era litoral, o trio paulista Rossa Nova topa a provocação: o Brasil também é interior! Como o próprio nome do grupo indica, a profissão de fé caipira vem revestida de tintas discretas de ironia, porque a esta altura todo mundo sabe que o Brasil é tão litoral quanto interior, tão sítio quanto praia. As modas de viola são o mote central, mas sob algumas condições: de que sejam recobertas de modernidade, sofisticação e lirismo, de que honrem o virtuosismo e a inventividade de pai João, de que cantem de modo emotivo e respeitoso o bicho-flor chamado Brasil.
Banzé!
“Não sou o homem-véspera/ na triste espera de você voltar.” Banzé! é o rock’n’roll juvenil De Pernas pro Ar (como diz o nome de batismo do CD de estréia) que sai das vozes, das guitarras, do baixo e da bateria de Thiago Meneghini, Douglas Capellato, Willy e Conrado Soares. De rock pesado e pegada pop é feito o som do Banzé!, que, mesmo paulista à beça, ousa lançar um convite de amizade ao vizinho Rio de Janeiro, ao cantar e gravar em pique pauleira o rock carioca Eu Sou Melhor do Que Você (1994), do extinto grupo underground Mulheres Q Dizem Sim – no disco, os vocais da faixa são divididos com o mui paulista Nasi, do Ira!, prova a mais de que a idéia, aqui, é integrar, e não dividir. E viva a integração.
Mariana Aydar
“Quando eu canto/ é para aliviar meu pranto/ (…) acendo no coração do povo/ a esperança de um mundo novo.” Filha de um talentoso músico “underground” (Mário Manga, do Premeditando o Breque) e de uma poderosa produtora musical (Bia Aydar), Mariana Aydar diz “olá, como vai?” ao Brasil na condição de pobre menina rica com vozeirão e delicadeza suficientes para zanzar pelos dois lados da ponte e, quem sabe, provocar cruzamentos recíprocos de uma margem à outra. Vem daí o repertório sofisticado que une a concisão precisa de Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro (Maior É Deus) ao samba calcado em contundente protesto social de Leci Brandão (Zé do Caroço), a candura romântica de Rodrigo Amarante (Deixa o Verão) à aspereza romântica de Chico César (Prainha), e assim por diante. Por todos os caminhos, ela desliza suavemente, bem-vinda, Mariana.
Galocantô
“Chinelo de dedo, bermuda rasgada, blusão e boné/ cheguei no boteco/ pra ver se o pagode já estava de pé.” O partido-alto e o samba de fibra estão perfeitamente de pé diante do grupo carioca Galocantô, no ritmo-&-posia empolgado de Edson Cortes, Léo Costinha, Lula Matos, Marcelo Correia, Pablo Amaral, Pedro Áreas e Rodrigo Carvalho. Embora no auge do pagode cantem com gosto que “foi então que eu me cansei/ ser estrela não dá/ eu não sou pop star”, os rapazes do Galocantô brilham sem forçar a barra, em sambas próprios ou em brincadeiras sérias de Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Sombrinha, Luiz Carlos da Vila, Wilson das Neves, Chico Buarque etc., e sob as bênçãos de gente como Beth Carvalho e Rildo Hora. Galocantô, está na hora.
Rodrigo Leão
“Voe baixo como um vira-lata/ baixo como um vira-lata, flutuando pelo ar.” O paulistano Rodrigo Leão, ex-líder da banda noventista Professor Antena, faz da misturança de genes musicais a razão de ser da nobreza de seu álbum solo de estréia, Vira-Lata. O código genético programa altos teores de pop e soul com identidade bem brasileira (embora não confinada ao Brasil), que confirma a presença, na hereditariedade do artista “vira-lata”, de personalidades como as de Tim Maia, Jorge Ben, Wilson Simonal, Roberto Carlos, Bob Marley, Bob Dylan, Erasmo Carlos, Isaac Hayes, Cassiano, Linton Kwesi Johnson, Odair José, Elis Regina, Hyldon, Marcos Valle, Azimuth, Robson & Lincoln, Adoniran Barbosa etc…
Momo
“Pro equilíbrio tomo comprimidos/ me entrego em teus braços para me bastar.” Marcelo Frota, o Momo, nasceu em Belo Horizonte, cresceu no Rio de Janeiro, em Angola e nos Estados Unidos, tocou nas ruas e nos parques de Barcelona, aprecia os sons folk de Nick Drake e Elliott Smith, tece parcerias com o catarinense-alagoano-paulistano Wado… E nem mesmo tamanha rota cigana não é suficiente para definir a música que produz e que batizou de A Estética do Rabisco, num bordado denso e sedutor de delicadezas, tormentos, loucuras, tristezas, sussurros, provocações. “Não escondo a tempestade”, Momo resume tudo, em letra & música.
Zé Cafofinho e Suas Correntes
“Quando eu era criança/ Olinda era azul; Recife, laranja/ hoje tudo colorido e opaco/ fosco, envernizado, frotado.” Zé Cafofinho, ou Tiago Andrade, dá continuidade às táticas e às utopias do mangue bit durante a década passada, mas investindo ainda mais pesadamente no imaginário tradicional pernambucano. O objetivo é (como era desde o início o objetivo de Chico Science e Fred Zero Quatro) borrar distinções de cores, de tempos, de espaços, de tradições, de quebras da tradição. O substrato essencial para isso, no entanto, é o de saberes africanos, europeus e indígenas levados ao som de violão, viola, cavaco, baixo, bandolim, banjo, cuíca, caxixi, guizos, congas, corneta… E aí, pelo meio do caminho, você (re)descobre: estamos no Brasil.
Júlia Ribas
“Vou sair da toca, não vou marcar touca/ vou chamar o povo pra me acompanhar.” Os versos são de Marku Ribas, veterano músico mineiro, suingueiro de primeira e ícone mestiço-brasileiríssimo do samba-rock. Quem os interpreta, no gingado das décadas, é Júlia Ribas, filha de Marku, que se lança ao fogo de cantar elegendo versos do pai, mas também de novos talentos mineiros e não-mineiros, como Makely Ka, Tattá Spalla, BiD, Jr. Bocca etc. E a combustão que se dá pode ser explicada já pelo título do disco de estréia, Brasiliando.
Digitaria
Na devoção à música e à tecnologia, Digitaria é, ao mesmo tempo, um projeto eletrônico e uma banda (daquelas à moda antiga, com guitarra e tal). O grupo vem de Belo Horizonte, costuma trabalhar em parceria com John Ulhoa (Pato Fu), meteu o bedelho na produção do faiscante álbum de retorno do mutante Arnaldo Baptista (Let It Bed, de 2004) e caiu nas graças do selo alemão Gigolo, do DJ Hell, que lançou internacionalmente o CD de estréia. E a música brasileira, agora também eletro-tecnológica, segue atravessando fronteiras de países, continentes, linguagens e gêneros musicais.
Fabio Góes
“Eu ouso apagar o sol/ colocá-lo num escuro tão profundo/ que até o colorido mais raro/ se despede de mim.” Ancorado no borbulhante selo independente paulistano Reco-Head, Fabio Góes vai além da trajetória coletiva no grupo Paumandado e nas trilhas sonoras de filmes como Cidade de Deus e Abril Despedaçado, e apresenta o delicadíssimo Sol no Escuro, seu primeiro CD solo e 100% autoral. As tintas melancólicas são fortes e carregadas, mas não ocultam nem despistam a inspiração, a sutileza, o suingue e o esmero de que é constituída a música de Fabio.
Volver
“Posso aprender, já tenho idade/ suas idéias e palpites/ me interessam algumas, outras não.” Nadando contra a corrente, a jovem banda Volver é de Recife, mas não produz mangue bit, menos ainda coco, frevo ou maracatu. Seu rock básico faz referências abundantes à jovem guarda brasileira dos anos 60, com um pouco menos de fofura e um pouco mais de acidez – como se Roberto e Erasmo Carlos fossem jovens nos anos 2000 e estivessem um pouquinho contrariados com o excesso de influência de Chico Science e Fred Zero Quatro sobre os jovens caranguejos pensantes dos mangues brasileiros.
Tita Lima
“Eu tava saltitando com a leveza do pensamento…” Samba, eletrônica, bossa nova, black music, frevo, samba-rock, rock-samba, mangue bit (entre muitos etc.) são os gêneros musicais sobre os quais a paulistana Tita Lima prefere saltitar. O gene da mistura se manifesta num repertório em que cabem o Chico Buarque de “Essa Moça Tá Diferente” e o Otto de “Dias de Janeiro”, mas cabem também composições próprias e a herança legada pelo pai, Liminha, ex-integrante dos Mutantes e produtor musical afamado do pop-rock dos anos 80 em diante. Tita mora na confluência entre eles todos, aqui no Brasil, ali no estrangeiro, em qualquer lugar.
Ca.Ge.Be
“Barraco de madeira/ quando chove é só goteira/ o clima é tenso, úmido, úmido.” O nome, Ca.Ge.Be, até parece gringo à primeira impressão, mas é abreviatura de Cada Gênio do Beco: as vielas da periferia norte paulistana e a superação genial de todas as dificuldades se acoplam numa mesma e impactante equação. Estamos falando de rap e de cultura hip-hop, mas a brasilidade é o diferencial do quinteto, que estreou em disco neste 2007 sob a guarda do selo Equilíbrio, de KL Jay, dos Racionais MC’s. E o vínculo com a identidade natal se dá do modo mais direto possível, pela via da música mais popular brasileira: Roberto Carlos, Barros de Alencar, Altemar Dutra, Paulo Diniz e Almir Guineto são apenas alguns dos eleitos para nutrir as citações muito chiques do Ca.Ge.Be.
Samuel de Oliveira
“Eu dormir já não podia/ pois a rebelde melodia/ da cabeça não saía/ nem de noite, nem de dia.” A melodia a que se refere Samuel de Oliveira talvez seja um samba, mas terá sido um samba impuro, aquele que poderia escapar da boca de um (não) sambista nascido em Santa Catarina. Saxofonista do grupo Tira Poeira (que costuma espalhar samba e choro pelas noites cariocas da Lapa), Samuel apresenta agora um trabalho solo e autoral que faz choro e samba coexistirem pacificamente com pop, frevo, jazz, bolero, funk, MPB, rock, bossa, fossa, ruído e roda de capoeira, entre outras várias rebeldias.
Criolina
“Tô vindo de Nova York/ fazendo conexão/ com farinha e camarão/ meu selo é do Maranhão/ Brasil.” Fundindo culturas e estilos musicais sob fortes cargas de simbolismo, Alê Muniz e Luciana Simões formaram a dupla Criolina a partir de um mirante orgulhosamente maranhense, mas com resultados amplamente multiculturais. “Quebra-pote”, “tirirical”, “ungüento”, “quindins de yayá”, “rapadura”, “mariola”, “guacamole”, “marguerita”, “lantejoula”, “derengodengo”, “carambola”, “algodão doce”, “gasolina”, “ginga de jongo”, “Virgulino” – a escrita altamente visual ajuda a definir, em sonoríssimas palavras, o caldeirão musical onde nos dissolvemos.
À Deriva
Autodescritos como “um barco à deriva no meio de um lago”, Beto Sporleder (sax e flauta), Daniel Muller (piano e percussão), Rui Barossi (baixo acústico) e Guilherme Marques (bateria e percussão) se uniram em São Paulo para gravar o projeto instrumental, experimental, jazzístico, emepebista, erudito, tenso e concentrado a que enfim batizaram À Deriva. Feito todo de composições originais de Rui, Beto e Daniel, o som cumpre aquilo que a capa do disco-experimento sugere: um mergulho solitário, em mar azul, profundo e misterioso.
Caio Bassitt
“A mágoa que trago no peito/ é formada em direito/ e já conhece as leis do amor.” Aos 24 anos, o paulistano Caio Bassitt entrega-se ao samba à maneira como aprendeu com pilares do gênero como Cartola, Nelson Cavaquinho e Paulinho da Viola. Desse referencial surgem letras de tom amargo, às vezes pessimista, como a de Lei do Tormento, complementadas e modificadas pelo esmero do estudante de letras que o jovem Caio também é. Uma ironia bem peculiar, às vezes tipicamente paulistana, e referências caudalosas à sensualidade (em Vinho de Dionísio e Mirela, por exemplo) comprovam: o samba segue em movimento, em transformação.
U Time
“Os preto no poder/ o gueto no poder.” O grupo paulistano U Time estréia em CD com Trutas e Quebradas, exemplo incisivo da vontade de profissionalização por que passa o rap brasileiro. Dom Pixote, Nego Vando e Kalado apresentam altas ambições secundados por um time realmente de peso: Helião e DJ Cia são os produtores artísticos, os Racionais Ice Blue e Mano Brown são os produtores executivos, a Cosa Nostra (também dos Racionais) é a gravadora. Participações como a da suave rapper paulistana Negra Li e a do rascante funkeiro carioca Mr. Catra comprovam: agora é hora de união, do gueto no poder.
Matéria Rima
“A escola não incentiva a reflexão/ pelo contrário, ela ensina que pra cada desafio só há um atalho, só há uma resposta – a certa.” Educação é o tema central do grupo paulistana Matéria Prima em seu disco de estréia, Procurando Respostas, que tira desloca o hip-hop do imaginário habitual e o mergulha num universo pulsante de poesia, rimas ricas, batidas vigorosas e, claro, preocupação extrema com a cultura e a educação das periferias (e, por que não?, dos centros) do Brasil. A brasilidade, aliás, é a segunda preocupação, tão constante quanto a primeira, em raps sobre a população indígena, sobre identidade e sobre sample de Luiz Gonzaga, só para citar três (bons) exemplos.
A Voltante do Sargento Bezerra
“Gente brasileira/ marcada, pisada/ de fé arraigada/ seus santos e serafins/ mas que já dá sinais de cansaço/ de tanto descaso, mau-trato/ de tanto sofrer, apanhar/ em nome da sua pureza/ disfarça, dá nó na tristeza/ espera um dia melhorar.” Formada como uma big band de oito músicos, em Salvador, Bahia, em 2003, A Volante do Sargento Bezerra equaciona forró, rock, repente, pop e épico nordestino nas mesmas caixas de som. O pique é de festa e entretenimento, mas também de manifesto e atitude, como atesta a letra de Em Preto e Branco, parcialmente transcrita acima.
Matéria Rima
“A escola não incentiva a reflexão/ pelo contrário, ela ensina que pra cada desafio só há um atalho, só há uma resposta – a certa.” Educação é o tema central do grupo paulistana Matéria Prima em seu disco de estréia, Procurando Respostas, que tira desloca o hip-hop do imaginário habitual e o mergulha num universo pulsante de poesia, rimas ricas, batidas vigorosas e, claro, preocupação extrema com a cultura e a educação das periferias (e, por que não?, dos centros) do Brasil. A brasilidade, aliás, é a segunda preocupação, tão constante quanto a primeira, em raps sobre a população indígena, sobre identidade e sobre sample de Luiz Gonzaga, só para citar três (bons) exemplos.
Arthur Joly
“Silêncio, silêncio, por favor/ silêncio, silêncio, menos, por favor.” Com seu selo artesanal Reco-Head, Arthur Joly tem sido mola propulsora para novos nomes paulistanos, como Jumbo Elektro, Mugomango, Cérebro Eletrônico, Tchucbandionis, Abimonistas, Fabio Góes etc. Como artista solo, batizou de Jam Jolie Orquestra o CD de estréia, lançado no começo de 2007 e repleto de atmosferas de rock retrô, “bubble gum”, e de imagens sonoras (sim, imagens sonoras) à moda da pop arte de Andy Warhol. Seja em letras nonsense, vocais gagos, misturas de idiomas ou arranjos amalucados, a ironia, a alegria e o descompromisso fazem a prova dos nove.
Fino Coletivo
“Esse funk é tarja preta, remédio forte/ esse samba é tarja preta, remédio forte.” O Fino Coletivo é integrado pela soma das qualidades individuais de dois alagoanos, Alvinho Cabral e Wado, e cinco cariocas, Adriano Siri, Alvinho Lancellotti, Daniel Medeiros, Marcelo Frota (o Momo) e Marcus Coruja. Com a autoridade de quem não é banda, grupo ou conjunto, mas sim coletivo de individualidades, os sete não fazem esforços hercúleos para produzirem MPB, pop, melodias comunicativas, delicados recursos eletrônicos, samba, poesia, funk, rock, música dos anos 2000… Não fazem esforços, mas produzem tudo isso, com tranqüilidade e espontaneidade.
Sandália de Prata
“Já de longe dá pra ouvir a gargalhada de Gildete/ manicure, cabelo trançado, andar turbinado/ a menina tá sempre por cima/ a menina tá sempre no clima/ até debaixo d’água eu sou/ Gildete futebol clube.” Com raízes fincadas na gafieira, no samba de raiz, no samba-jazz e no samba-rock de que Jorge Ben é patrono incontestável, o grupo Sandália de Prata nasceu no Capão Redondo, zona sul de São Paulo. O destaque vocal é de Ully Costa, cantora-líder do grupo, por cuja história e por cujo sangue circulam música de igreja, Jorge Ben, Elza Soares, Wilson Simonal, Bebeto, Jackson do Pandeiro, João do Vale. Completam a big band Carlinhos Creck, Dado Tristão, João Lenhari, Marcelo Fernandes, Paulinho Sorriso, Sandro Lima, Tito e Will. As composições são de Ully, Marquinho Dikuã, Alê Muniz, Luciana Simões. É prata da casa, do Capão Redondo, do samba.
Ronei Jorge e Os Ladrões de Bicicleta
“Casa verde, portão aberto/ vejo à frente o deserto/ até o circo chegar/ pai, mãe, eu vou partir/ tem um circo em frente de casa.” Ronei Jorge, Edson Rosa, Sergio Kepinski e Maurício Pedrão criam música rock a partir da Bahia, sem perder de vista as origens afro, o imaginário tropicalista, as influências da trupe mambembe Novos Baianos. O referencial punk em canções cruas e curtas é a espinha dorsal, mas a amplitude do arco se mostra mais palpáveis em momentos de respiro e mansidão como os de Daikiri, delicada e irônica por excelência, e Coragem, que no disco de estréia dos rapazes recebe a participação da cantora Jussara Silveira.
Bazar Pamplona
“Você não vai acreditar/ agora eu sou vilão.” Apesar da fama de maus apregoada em Agora Eu Sou Vilão, os rapazes do Bazar Pamplona, de São Paulo, praticam um rock’n’roll sem grandes pretensões, nem grandes maldades. Formado por Estevão Bertoni (voz e guitarra), João Victor (guitarra), Rafael Batata (baixo) e Caldas (bateria), o Bazar Pamplona contou com o auxílio de Paco Garcia, do grupo Los Pirata, na produção de seu primeiro EP, o divertido e perspicaz Músicas Que Caem em Pé e Correm Deitadas. Os primeiros dados estão lançados.
Marina de la Riva
Filha do casamento secreto entre Brasil (a mãe é mineira) e Cuba (o pai, cubano, exilou-se aqui em 1964), Marina de la Riva resolveu colocar em prática, e em música, a realidade mais profunda de suas raízes. No disco solo de estréia, investiu com altivez numa inédita, original e corajosa fusão entre os saberes das músicas populares dos dois países, interpolando o Xote das Meninas de Luiz Gonzaga a rumbas cubanas, ou colocando as mais belas habaneras lado a lado com o samba de roda Sonho Meu, de Dona Ivone Lara. A conclusão a que o canto manso de Marina nos conduz é de que há profundas semelhanças entre os povos brasileiros e os cubanos, embora muitos de nós andemos um tanto esquecidos disso, seja do lado de cá ou do lado de lá.
Digital Groove
“Esperando mudo o Galo cantar/ esperando a folia começar.” Suportando o peso histórico dos colossais carnavais pernambucanos, a confraria Digital Groove perturba as tradições de frevo e maracatu sob camadas e camadas de tecnologia, melancolia e subversão. No caldeirão musical e ideológico de Felipe Falcão e Zezão Nóbrega, estabelece-se um “quem é quem” da música pernambucana contemporânea, com flashes cinematográficos protagonizados, no álbum Rabeca, Sanfona e Pife, por nomes como Naná Vasconcelos e Lula Queiroga, Zé Neguinho do Coco e Silvério Pessoa, Nordeste acústico e Nordeste eletrônico em ampla sintonia.
Supercordas
“É tão bão ficar aqui/ balançando e vendo o céu cair/ nas telha do jardim/ onde mora um sapo mandarim/ alquimista espacial.” Versos assim quase poderiam caber na música caipira de algum filho malcriado de Inezita Barroso ou de Rolando Boldrin, mas, não, é de rock’n’roll que estamos falando. Bonifarte, Valentino, Eduardo Wakaplot Cabelo e Filipe Giraknob cresceram em Paraty, Rio de Janeiro, e o grupo que formaram, Supercordas, vem ao mundo como uma mistura maluca entre canção caipira e rock progressivo britânico, rock rural mineiro-carioca e folk music anglo-americana, música do mar e música do brejo. A combinação entre tantas características opostas se resumem com ironia no título de seu disco urbano-rural, bem “viajandão”: Seres Verdes ao Redor – Música para Samambaias, Animais Rastejantes e Anfíbios Marcianos.
Mamma Cadela
Experimentalismo é o nome da banda paulistana Mamma Cadela, formada por Fernando Coelho, Ismael Sendeski, Rodrigo Fonseca, Fabio Pinc e Ladislau Kardos. Os temas, de vasta abrangência, são predominantemente instrumentais, o que não impede participações vocais como as do álbum de estréia, Em Busca da Verdade, em que Wanderléa entoa fragmentos de Antonico (de Isamel Silva) e Joana Ceccato (da banda Biônica) canta em francês à la Françoise Hardy. O universo musical, múltiplo, é erudito e pop, é eletrônico e roqueiro progressivo, é vanguardista e emepebista, tudo de uma vez só, em peças estranhas de nomes como Papa à Passarinho, Dentadura de Robô e Jantar com Kubrick.
Thaís Gulin
“Guardo e escondo as cores do meu filme/ que não ouso revelar.” Paranaense radicada no Rio de Janeiro, Thaís Gulin passeia por um repertório que freqüenta a Bahia paulistana de Tom Zé (Defeito 10: Cedotardar), a Paraíba carioca de Zé Ramalho (“Garoto de Aluguel), o Paraná maranhense (e paulistano) de Carlos Careqa e Zeca Baleiro (Cisco), o Rio plural de Nelson Sargento (De Boteco em Boteco) e Chico Buarque (Hino de Duran). Talvez ainda esconda as cores do seu filme, como diz em Cinema Incompleto (Núpcias), dela com o conterrâneo Arrigo Barnabé. Mas o novo ousa aparecer em canções próprias ou de contemporâneos como a Iara Rennó é a Anelis Assumpção da enfezada Piano (Ofícico Fatídico).
Edu Krieger
“O barco que mais navega/ também precisa do cais/ o homem que faz a guerra/ é o homem que faz a paz.” Quem atraiu foco inédito para o compositor Edu Krieger foi a cantora Maria Rita, ao gravar sua Ciranda do Mundo, que antes já havia sido interpretada por Pedro Luís e A Parede e pelo grupo Bangalafumenga. Roberta Sá entrou recentemente no circuito, cantando o belo samba elétrico Novo Amor (que Maria Rita também acaba de gravar, em seu disco de sambas). Atuante no Rio de Janeiro desde os anos 90, em trilhas sonoras de teatro e no acompanhamento de artistas como Zé Ramalho, Geraldo Azevedo e Elba Ramalho, Edu estréia agora em trabalho autoral, na confluência entre MPB, pop, samba, canção praiana e música nordestina. Filho do maestro Edino Krieger, escancara em show influências que vão de A Flor e o Espinho (de Nelson Cavaquinho, Guilherme de Brito e Alcides Caminha) a Chico Science (A Praieira) e Los Hermanos (Samba a Dois).
Pedro Morais
“Casa de ferreiro, espeto de pau/ casa de misericórdia, miséria total/ casa de candango, candombe e cal/ casa de abstinência, folia brutal.” De Minas Gerais, Pedro Morais irradia uma vivaz combinação entre formatos pop (samba, funk, canção popular mineira) e poesia elaborada e provocativa. Cantor virtuoso, dedica-se com igual afinco à autoria: no disco de estréia, afora uma versão à capela de O Mestre-Sala dos Mares (de João Bosco e Aldir Blanc), as composições são sempre próprias, feitas solitariamente ou com os parceiros Magno Mello e Kadu Vianna.
Samambaia Sound Club
“Deixe a língua se atrever/ se não cansa, vem, me alcança/ estou quase, chegue junto.” Sexo é o mote central da banda Samambaia Sound Club, de Florianópolis, como atestam os versos acima e títulos como A Língua e o Mamilo, Ultra-Sexy e Michê. Jean Mafra (voz), Thiago Gomes (guitarra), Daniel Gomes (baixo) e André Guesser (bateria, percussão) criam rock’n’roll funkeado com doses consideráveis de excitação e prazer, mas também de agressividade e melancolia. A pegada catarinense resplandece na ironia séria de Maracatu Maculelê, que brinca de Brasil chamando a presença do Sul e criando mordazes troca-letras com termos como “maracatu”, “sambaqui”, “batuquejê”, “carimbó”, “xequerê”, “milonga”, “maculelê”.
Quelynah
“O futuro do r’n’b do Brasil começa aqui.” É o que diz um mestre-de-cerimônias na introdução do disco de estréia de Quelynah, que, embora mais identificada ao hip-hop por sua participação no filme Antônia, de Tata Amaral, de fato mostra mais afinidade com o desejo de participar da invenção do rhythm’n’blues à moda brasileira. Temas ao mesmo tempo melodiosos e sacudidos se propagam pelo trabalho da cantora e compositora, enquanto, no pano de fundo da faixa BPM, o rapper histórico Thaíde emite um recado crucial: “Nem todo brasileiro tem que saber sambar”.
Vanguart
“South, South América/ no llores, Panama/ no llores, Cuyaba.” A capa do disco de estréia do Vanguard mostra Hélio Flanders (voz e violão), David Dafré (guitarra e voz), Reginaldo Lincoln (baixo e voz), Douglas Godoy (bateria) e Luiz Lazzaroto (teclados), como integrantes de uma heterogênea confraria cigana. O folk rock que sai da vitrola em inglês, espanhol e português lembra ao mesmo tempo Neil Young, Bob Dylan, Zé Rodrix, Sá & Guarabyra, Ney Matogrosso, Wilco, Wander Wildner… O redemoinho mistura influências díspares, mas nunca despista a origem: o grupo vem de Cuiabá, Mato Grosso, e é um dos acontecimentos mais expressivos da nova música brasileira.
Rádio de Outono
“Não quero ser a maioral/ eu quero apenas ser uma pessoa normal/ ser ordinária me faz bem/ pois não sou melhor nem pior do que ninguém.” A banda Rádio de Outono é pernambucana, mas nem pense em maracatu ou mangue bit. A referência, aqui, é o pop-rock inaugurado nos anos 60, sobretudo jovem guarda e Mutantes, mais algumas pitadas de música cafona dos anos 70, surf music à la Beach Boys e rotomusic de liquidificapum à moda do Pato Fu. Bárbara Jones canta os versos simples reproduzidos acima, sobre cama sonora definida por Dídimo Vieira (teclado), Kléber Crócia (baixo) e Gleisson Jones (bateria) – o Rádio de Outono, como se pode perceber, faz rock’n’roll esnobando a velha guitarra do rock’n’roll.
Inumanos
“Se a favela é tão pobre, de onde vêm as armas?/ vem de fábricas direto do estrangeiro/ dos mesmos criadores/ do navio negreiro.” Hip-hop emoldurado pela eletrônica e sob excelência de produção é o código do grupo carioca Inumanos, constituído por Aori e DJ Babão, de histórico respeitável na cena rapper do Rio de Janeiro. No disco de estréia, Volume Dez, a dupla exercita seu rap maduro, com um discurso musculoso, de críticas a toda sorte de hipocrisia social e, em particular, à indústria fonográfica corrupta (no enfezado rap Pra Mim Chega), sob produção sofisticada em parceria com Pedro Garcia (ligado ao núcleo Planet Hemp) e o francês Damien Seth.
Samba de Rainha
“Clara clareou/ e rara Ivone se tornou/ na negra consciência de Leci/ rainhas cantam samba, sim, senhor.” O samba paulista se fortalece e se moderniza pela militância feminina do grupo Samba de Rainha, formado por Núbia Maciel (voz e conga), Thais Musachi (cavaco), Nana Spogis (violão), Aidée Cristina (ganzá, surdo, vocais), Carina Iglecias (reco-reco, agogô, caixa, timbau, vocais), Sandra Gamon (tamborim, repinique, vocais), Érica Japa (rebolo) e Gadi Pavezi (pandeiro). Com história já consolidada em espaços como a quadra da Rosas de Ouro, em bares e em espaços como o Traço de União, a trupe contrabalança clássicos do gênero com um corajoso repertório autoral (composto por várias das integrantes), numa demonstração explícita de que o samba está longe de se fossilizar.
Multiplex
“Na rua Augusta/ Consolação também/ como é moderna a noite do meu bem.” Na linha do tempo que parte do glam rock dos anos 70 (Roxy Music, David Bowie, Lou Reed), se eletroniza (Kraftwerk, Devo), aporta no rock soturno dos 80 (Joy Division, Cabaret Voltaire, Depeche Mode) e desemboca na dissolução dos 90 e 2000 (Daft Punk, música eletrônica de pista, electro), o trio paulistano Multiplex até parece moldado em fôrma estrangeira, mas é apenas a primeira impressão. A partir das letras iconoclastas em português, se descortina uma salada de frutas de referências locais, em que coexistem (quase) pacificamente Dolores Duran, jovem guarda, Secos & Molhados, Frenéticas, Gang 90, Cazuza, Tetine, Cansei de Ser Sexy, entre dezenas de outros. Daí, talvez, o “multiplex” do título da banda formada por Leandro Cunha (voz, programação), Maurício Fleury (guitarras, sintetizador, programação) e Bruno Palazzo (baixo, sintetizador, programação).
Andreia Dias
“Homem/ seu desejo secreto é me ver no necrotério/ branca como a neve/ bela adormecida esquecida/ uma flor murcha e caída.” Integrante de frente do grupo paulistano Dona Zica (com passagem pela suingada Banda Glória), Andreia Dias acaba de se lançar em trabalho solo e autoral com o disco Vol. 1, em que se lapidam qualidades já bem delineadas na banda-mãe. Mais que nunca, se evidenciam a voz poderosa, as composições inspiradas, o entrecruzamento entre pop, MPB, rock, samba, reggae, vanguarda paulistana, canção e erudição, com o apoio de músicos de fibra como Fernando Catatau, Guilherme Kastrup, Marcelo Jeneci e Luciano Barros. Estilo e identidade já se fazem perceber na originalidade mansa de Vampiro Tupiniquim, Libido e Linfa Ácida, entre várias outras.
Apanhador Só
“Maria Augusta, Antônio, Vera e José/ nos convidaram pra dançar um arrasta-pé.” Não se deixe enganar pela letra: rock’n’roll alternativo acelerado e energético é o mote da banda Apanhador Só (de Porto Alegre, Rio Grande do Sul), ainda que Alexandre Kumpinski (guitarra e voz), Carina Levitan (percussão e programações), Drusko da Cunha (bateria) e Fernão Agra Morsch (baixo e voz) demonstrem não temer variadas influências regionais e nacionais. “Falta uma peça/ e, na verdade, eu nem quero mais jogar”, blefa matreiramente o Apanhador Só.
Clek Clek Boom
“O nosso ritmo é este aqui: funk carioca!” O Clek Clek Boom retrabalha a sonoridade “funk de raiz” dos morros do Rio de Janeiro e faz valer com toda a força aquela máxima que diz que o funk carioca é a música eletrônica brasileira. Para tanto, o coletivo elabora uma conexão Rio-França, reunindo o DJ Sandrinho, nascido na favela do Borel, e o franco-brasileiro Tchiky Al Dente, do núcleo francês Favela Chic, e somando a musicalidade vibrante do funk carioca a eletrônica pesada e a referências que vão de Quincy Jones a Yazoo. Costumam se integrar ao coletivo funkeiros das favelas do Turano e do Borel, como MC Dido, Menor do Chapa e o trovejante Mr. Catra, e a junção com o hip-hop de São Paulo e do Rio, de Z’África Brasil e De Leve, é outro dos focos de interesse do Clek Clek Boom.
Academia da Berlinda
“Guerreiro, la cumbia de lutchador/ marchando, caminho a la revolución.” O portunhol é apenas uma das muitas sérias brincadeiras armadas pelo coletivo Academia da Berlinda, fundado em 2004 em Olinda, Pernambuco, por integrantes das bandas locais Mundo Livre S/A, Eddie, DJ Dolores e Aparelhagem, A Roda e Variant. Na origem do agrupamento esteve primeiro o prazer de tocar e cantar – com respeito e admiração – música brega antiga dos litorais do Nordeste e do Norte e dos Brasis mais profundos. A esse caudaloso imaginário, a Academia acabou por somar repertório autoral influenciado, para lá do brega, por uma variedade musical que passeia por ritmos caribenhos e latino-americanos como cumbia, salsa, rumba, merengue e guaracha, o carimbó paraense, e assim por diante. O resultado, festivo e festeiro, apaixonado e apaixonante, soa como um reencontro do Brasil com algumas de suas feições mais autênticas.
Cabaret
“Se apaixonou/ por um rockstar baby, you know/ por um rockstar ela deixou/ para trás a vida que foi.” Marvel (voz), Peter Glitter (guitarra), Phil Spider (guitarra), Myself Deluxe (baixo) e De La Foca (bateria) são os codinomes dos integrantes da banda carioca Cabaret, que cita Cauby Peixoto, Led Zeppelin, Elis Regina e Queen como referências, mas em cuja sonoridade se podem ouvir ecos, também, do glam rock dos anos 70 (de David Bowie e Alice Cooper aos Secos & Molhados de Ney Matogrosso e João Ricardo), do rock nervoso dos 80 (de The Smiths a Legião Urbano), dos modos dramáticos e exagerados de cantar e estar no palco (de Angela Maria a Jerry Adriani). O arrebatamento é a ordem.
Charme Chulo
“Ai, que foda! Posso ver meu quinhão neste lugar/ ser careta como um anjo solito e assexuado.” O grupo paranaense Charme Chulo traz, em forma de rock, as pouco conhecidas influências musicais da terra natal, de Curitiba e Maringá, de onde vêm Igor Filus (vocal), Leandro Delmonico (guitarra, viola caipira), Peterson Rosário (baixo) e Rony Jimenez (bateria). E se revelam em temas emblemáticos como Polaca Azeda, Romaria dos Desvalidos ou Geada no Seu Coração, assim como na lista de influências que indicam para que seu som seja compreendido, e que inclui Tião Carreiro & Pardinho, Almir Sater, R.E.M., Smiths, Legião Urbana e, ainda, Dalton Trevisan (na literatura)e Mazzaroppi (no cinema).
Claudia Wonder & The Laptop Boys
“Não me chame de madame/ sem saber o que diz/ eu não sou uma dama/ eu sou travesti.” Claudia Wonder é ícone underground de São Paulo desde os anos 70, em cinema, na noite, em teatro e no rock (nos 80, chegou a liderar uma banda de rock, Jardim das Delícias). Convertida à música eletrônica em companhia da dupla The Laptop Boys, concretizou em 2007 seu libelo musical, no CD FunkyDiscoFashion. As bases de electro, disco e outras variáveis de dance music servem como base para o entretenimento e a diversão, que o peso simbólico da figura de Claudia transforma, adensa e aprofunda.
Et Circensis
“Não deixe sua namoradinha perceber nós dois/ não deixe que ela perceba que você é meu.” O recado maroto e desafiador de Nós Dois (Namoradinha) não despista os tons soturnos que predominam nos sons e palavras da banda cearense de rock Et Circensis, cujo disco de estréia, Homônimo, foi produzido sob liderança de Fernando Catatau, do conterrâneo e contemporâneo Cidadão Instigado. Gustavo Portela (voz, guitarra), Pablo Huáscar (baixo), Aldenor Paiva (teclado, guitarra, vocal), Fabrício Vidal (voz, guitarra) e Carolina Maia (bateria) prezam o circo e o sexo, mas morte e drama também estão entre os ingredientes principais da mistura.
Os Telepatas
“Sombras gigantescas/ tramam algo sobre minha cabeça.” Medos, dúvidas, vazios e dissipações são alguns dos temas incômodos tratados com delicadeza pelo grupo paulistano Os Telepatas, integrado por Fabs Grassi (voz, guitarras), Stan Molina (voz, baixo, guitarras), Thiago Serra (bateria) e Daniel Monteiro (baixo), no disco de estréia, Bandeirante. Por entre efeitos psicodélicos e manipulações suaves de tecnologia, escondem-se influências assumidas pela banda, que partem dos rocks brasileiros dos anos 70 (o clube da esquina) e dos 80 (a vanguarda paulistana) e chegam aos pós-rocks gringos de mais recentemente.
O Quarto das Cinzas
“Sinta-me em cima de você/ meu peso leve.” Cearenses radicados em São Paulo, a cantora (e também atriz) Laya Lopes, o guitarrista Carlos Eduardo Gadelha e o baixista Raphael Haluli compõem o trio O Quarto das Cinzas, de canto morno, ambiências eletrônicas etéreas e tomada plugada em referências do Brasil e de fora, da música pop e das artes ao redor. O show, descrito por eles como “performático”, somam e reúnem música, dança, poesia, artes plásticas e projeções, na caixa preta do quarto-palco das cinzas.
Mariana Baltar
“Se a dor voltar, eu já sei o que fazer/ pego a viola e faço um samba pra você.” Uma Dama Também Quer Se Divertir é o nome do álbum de estréia da cantora carioca Mariana Baltar, egressa de trabalhos com Jorge Ben Jor, Zeca Pagodinho, Daúde e Cordão do Boitatá e do circuito do samba novo da Lapa. No repertório, ela entremeia clássicos do samba (de Assis Valente, Cartola, Ataulfo Alves, Monsueto Menezes, Elton Medeiros, João Bosco e Aldir Blanc), do samba-rock (de Ben Jor) e do samba de bossa (de Joyce) com repertório inédito, de sambistas novos e pós-sambistas como a carioca Teresa Cristina, o mineiro Vander Lee e a pernambucana Adryana BB. E é assim que a dama se diverte.
Bruna Caram
“Mão na mão, ou não/ destranco o fundo falso da canção/ salta o coração/ num tranco que já encontra a direção.” Paulista de Avaré, Bruna Caram é de família musical e integrou o grupo Trovadores Urbanos antes de se atirar à história solo a partir do disco Essa Menina, de 2006. A verve é de MPB clássica, ancorada na interpretação segura e na densidade de músicas inéditas, muitas das quais compostas sob a guarda do também jovem paulistano Otávio Toledo.
Turbo Trio
“Vem dançar/ vem enlouquecer/ vem dançar que aqui é festa pra você.” Carioca e paulista ao mesmo tempo, o Turbo Trio é a somatória de BNegão (ex-Planet Hemp), de um lado, e Tejo Damasceno e Alexandre Basa, dos comboios Instituto e Mamelo Sound System, do outro. O (in)esperado front principal de fusão se dá entre o hip-hop e o funk carioca, irmanados na sonoridade anárquica do trio lado a lado com referências de música eletrônica, rock’n’roll e uma infinidade de outras levadas. O disco de estréia, Baile Bass, é o manifesto da mistura, com ápice na faixa de letra citada acima, Ela Tá na Festa, com participações funkeiras e pós-funkeiras egressas do Rio de Janeiro (Deize Tigrona), do Rio Grande do Sul (DJ Chernobyl) e do Paraná (Bonde do Rolê).
Coletivo Rádio Cipó
“Judeu ou palestino/ aqui malaco é desde menino.” Coletivo Rádio Cipó é o que há de mais moderno em música brasileira, unindo tradição e novidade, compromisso social e divertimento, música brasileira e música do mundo, tudo sob o riquíssimo sotaque cultural de Belém do Pará. Construído como um núcleo de pesquisa de música e tecnologia, o grupo privilegia o diálogo com as periferias e funde, em sua matriz sonora, hip-hop, samba, funk, carimbó, reggae, pontos de terreiro, rock, eletrônica, black music, mangue bit, criações de mestres locais como Laurentino, Dona Onete, Mestre Bereco…