É bela e antiga a história da música brasileira gravada para crianças. Tem seus primórdios com Braguinha, o João de Barro, vertendo as trilhas sonoras de Walt Disney para o português. Passa por Marcos Valle e Chico Buarque, transborda no Sítio do Picapau Amarelo, ganha o reforço de Xuxa e chega aos dias de hoje, com uma nova versão de A Arca de Noé, de Vinicius de Moraes.
Ouça e saiba um pouco mais sobre a música brasileira de brinquedo, via Rádio Farofa.
1. Branca de Neve e os Sete Anões, “Hi-Ho” (1938) – o canto dos sete anões da Branca de Neve de Walt Disney foi vertida ao português por Aloysio de Oliveira, que acompanhava Carmen Miranda com o Bando da Lua e viria ser o produtor por trás da invenção da bossa nova, a partir de 1958.
2. Carmen Miranda e Dorival Caymmi, “Roda Pião” (1939) – Carmen visitou o universo infantil na cantiga tradicional de roda adaptada para o estúdio por Caymmi.
3. Dorival Caymmi, “Fiz uma Viagem” (1957) – o arranjo saltitante e a presença do “tatu-bola, filho do tatu-bolinha”, faziam a cantiga de Caymmi se achegar às crianças, mas a historinha de retirantes tinha desfecho para lá de trágico: “A sorte desandou quando eu cheguei em Alagoinha/ bexiga deu na nega/ catapora na filhinha/ morreu o meu tatu-bola/ filho do tatu-bolinha/ roubaram o meu facão/ com todo o aço que tinha”.
4. Celly Campello, “Lacinhos Cor-de-Rosa” (1959) – era adulto ou infantil ou adulto ou infantil o que cantava a primeira “princesa” do rock’n’roll brasileiro?
5. João Gilberto, “O Pato” (1960) – alguém teria jamais levado esta canção a sério no universo adulto, se ela não pertencesse ao pai da bossa nova?
6. Celly Campello, “A Lenda da Conchinha” (1961) – mais uma Celly. Era para criança ou para adulto esse papo de “dobrinhas de uma concha”?
7. Sonia Delfino, “Bolinha de Sabão” (1963) – pioneiro do samba suingado, Orlandivo musicou a onomatopeia gasosa intepretada por uma das garotas da primeira dentição do rock’n’roll, pré-jovem guarda.
8. Trio Esperança, “O Passo do Elefantinho” (1963) – o trio, com a bela cantora Evinha ainda criança, infantilizava o tema hollywoodiano de Henry Mancini, o “Baby Elephant Walk”.
9. Wanderléa, “Picada da Pulguinha” (1963) – a futura “ternurinha”, ainda adolescente e pré-iê-iê-iê.
10. Giane, “Dominique” (1964) – também no limiar da jovem guarda, uma versão do francês, em interpretação antiquada mais para anos 1950 que 1960.
11. Mogli, o Menino-Lobo, “Somente o Necessário” (1964) – ainda nos domínios da Disney e de Aloysio de Oliveira, o tema do urso Balu em Mogli.
12. Roberto Carlos, “Brucutu” (1965) – a rebeldia da jovem guarda, todo mundo sabe, nunca chegou a passa da página 6, ou 4, ou 3… Os meninos do iê-iê amavam trazer presonagens das histórias em quadrinhos para o rock’n’roll.
13. Erasmo Carlos, “O Pica-Pau” (1966) – cinema HQ e uma canção original de Renato Barros (dos Blue Caps) e de Lilian Knapp (da dupla Leno & Lilian).
14. Wilson Simonal, “Escravos de Jó” (1967) – a cantiga de roda de incômodo teor racial virava pilantragem na voz do pai da matéria.
15. Osmar Milito, “Hey, Shazam” (1971) – a Globo, ela própria ainda criança, começa a abrir os olhos para a criançada, em novela, seriado e canção em tom de samba-soul-rock.
16. Vinicius de Moraes, “La Casa” (1972) – o “Vinicius para crianças” começa a tomar forma ainda na TV Tupi, na telenovela Nossa Filha Gabriela.
17. Toquinho e Vinicius de Moraes, “O Pato” (1972) – da mesma trilha sonora, o pato de Vinicius é bem mais assumidamente infantil que o de João Gilberto.
18. Trio Soneca, “Funga-Funga” (1974) – da trilha de Vila Sésamo, a cançoneta de Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle apelam para a empatia pelo monstro Funga-Funga – ou seja, pelo diferente e desconhecido.
19. Trio Soneca, “Gugu” (1974) – o rabugento e ranzinza monstrinho que vivia num barril reclamava da vida, mas não deixava de abrir o jogo: “Eu gosto de dizer que não preciso de ninguém/ mas quem é que consegue viver sem/ gostar de alguém?”.
20. Nara Leão, “Atirei um Pau no Gato” (1975) – Nara dedicou um disco todo, Meu Primeiro Amor, a cantigas infantis e/ou singelas. O “Atirei o Pau no Gato”, hoje mais ou menos banido por politicamente incorreto, ganhou versão de fossa com direito a troca-letras.
21. Nara Leão, Miúcha, Ruy e Magro, “A Cidade Ideal” (1977) – a vida urbana transtorna o quarteto gata-galinha-jumento-cachorro de Os Saltimbancos, na adaptação de Chico Buarque.
22. Nara Leão, Miúcha, Ruy e Magro, “Todos Juntos” (1977) – após espantar “os barões”, os bichos comunistas de Chico legavam mensagem de “todos juntos somos fortes” à posteridade.
23. Papo de Anjo, “Ploquet Pluft Nhoque (Jaboticaba)” (1977) – o lúdico de comer uma frutinha tipicamente brasileira, na versão anos 1970 do Sítio do Picapau Amarelo, por Dori Caymmi e Paulo César Pinheiro.
24. Dori Caymmi, “A Cuca Te Pega” (1979) – locução de historinha e trilha sonora coral no segundo LP do Sítio, com Cuca, Saci e gente virada em pedra.
25. Frenéticas, “Aula de Piano” (1980) – divas da discotheque, as Frenéticas plantavam uma semente de pedofilia bem no centro do primeiro volume de A Arca de Noé, o apogeu do “Vinicius para crianças”.
26. Walter Franco, “O Relógio” (1980) – concretismo, sofisticação e a voz do underground MPB, na mesma Arca.
27. A Patotinha, “Melô dos Patins (Não Empurre, Não Force)” (1980) – disco music, brincadeira e a década de Xuxa se antecipando em alguns anos.
28. Os Trapalhões, “A Velha Debaixo da Cama” (1981) – Cearense, Renato Aragão cantava e brincava para crianças, sem perder o pé do forró nordestino.
29. Chico Buarque e Os Trapalhões, “Rebichada” (1981) – Chico se engajou em pessoa, refazendo a “Bicharia” de 1977 em pique de canto de trabalho, para a adaptação cinematográfica Os Saltimbancos Trapalhões.
30. Bebel Gilberto e Os Trapalhões, “Alô, Liberdade” (1981) – inédita e cantada pela sobrinha criança-adolescente Bebel, uma loa à liberdade de Chico.
31. MPB 4, “Adivinha o Que É” (1981) – a reboque do sucesso de sua versão de “O Pato” para A Arca de Noé, o quarteto gravou o disco infantil Adivinha o Que É , com muitas crianças na roda.
32. MPB 4, “A Lua” (1981) – do mesmo disco, a mais lírica e adulta das cantigas infantis.
33. Fagner, “O Leão” (1981) – o bardo cearense encarna o rei das selvas, no volume 2 da Arca de Noé.
34. Jane Duboc e Turma do Balão Mágico, “Baile dos Passarinhos” (1982) – Começa a era Simony, em tema de passarinhos que seria capturado para o imaginário adulto (adulto?) de Gugu Liberato no SBT.
35. Baby Consuelo, “Emília” (1982) – Baby, hoje do Brasil, protagonizou o especial musical global Pirlimpimpim, na pele da boneca de pano que tomou uma pílula e “tagarelou, tagarelou a falar”.
36. Angela Ro Ro, “Cuca” (1981) – ainda em Pirlimpimpim, Ro Ro acrescentou malícia e sarcasmo na caverna da bruxa-jacaroa do sítio de Monteiro Lobato.
37. Lucinha Lins, “A Bailarina” (1983) – a chatice das aulas de balé, por Toquinho, no especial infantil Casa de Brinquedos.
38. Djavan e Turma do Balão Mágico, “Superfantástico” (1983) – o super-heroísmo no reino encantando de Simony, Jairzinho e Fofão.
39. Gal Costa, “Grande Final” (1983) – um Saci Pererê meio adulto, composto por Moraes Moreira, para a adaptação global-musical d’A Turma do Pererê, de Ziraldo.
40. Maria Bethania, “Brincar de Viver” (1983) – Guilherme Arantes, que ja havia composto o “Lindo Balão Azul” (1982) para o especial Pirlimpimpim, crava um sucesso radiofônico adulto romântico no especial Plunct Plact Zuuum: “Quem me chamou?”.
41. Fafá de Belém, “Sereia” (1983) – a versão de Lulu Santos para o ser mítico dos mares, em Plunct Plact Zuuum.
42. Raul Seixas, “Carimbador Maluco” (1983) – Raul para crianças, em Plunct Plact Zuuum? Pois sim.
43. Absyntho, “Meu Ursinho Blau-Blau” (1985) – pop-rock para adultos?, ou para crianças?, ou para crianças?, ou para adultos?
44. Xuxa, “Quem Qué Pão” (1986) – provavelmente o momento mais educativo da carreira infantil de Xuxa: uma cantiga para ensinar a tomar café da manhã.
45. Xuxa, “Hey Mickey” (1987) – o sucesso new-wave gringo “Mickey” (1981), de Toni Basil, vira uma história de amor romântico entre uma garota loura e o Mickey Mouse: pronto.
46. Rumo, “Micróbio, o Dançarino Infeliz” (1988) – da vanguarda paulistana para os pequenos, Quero Passear, um disco do Rumo para crianças.
47. Rumo, “Garota Solitária” (1988) – apanhado do repertório de Angela Maria, um tema tragicômico de uma menina-moça que não sabe se é feia ou linda.
48. Edu Lobo, “Bandeira de Brasil” (1989) – o compositor e diretor musical ensina os pequenos a amar as cores do Brasil, numa primeira e sisuda versão musical para o programa Rá-Tim-Bum, da TV Cultura.
49. As Paquitas, “Eu Não Largo o Osso” (1993) – Xuxa continua a dar as cartas no primeiro momento pós-Xuxa, o programa de bichos-bonecos TV Colosso.
50. Castelo Rá-Tim-Bum, “Abertura” (1995) – André Abujamra, Hélio Ziskind e Luiz Macedo compõem o tema de abertura de um dos mais festejados programas da história da TV Cultura.
51. Pena Branca & Xavantinho, “Caipora” (1995) – ainda do Castelo Rá-Tim-Bum, música caipira para crianças, bonita de chorar.
52. Palavra Cantada, “Criança Não Trabalha” (1998) – um libelo (para crianças?, para adultos?) contra o trabalho infantil, no projeto propriamente educativo-musical de Paulo Tatit e Sandra Peres.
53. Pato Fu, “Ploquet Pluft Nhoque (Jaboticaba)” (2001) – o Pato Fu recheia a jabuticaba de peidinhos e arrotinhos, para a versão anos 2000 do Sitio do Picapau Amarelo.
54. Carlinhos Brown, “Pererê Peralta (Saci)” (2001) – o mesmo “Saci” de Guto Graça Mello, no Sítio de 1977, mas com letra e suingue timbaleiro de Brwon.
55. Zélia Duncan, “Alegria da Vida” (2002) – Zélia regrava o tema de abertura da velha Vila Sésamo, de Marcos e Paulo Sérgio Valle.
56. Adriana Partimpim, “Lição de Baião” (2004) – a persona criançadulta de Adriana Calcanhotto estreia transpondo um baião trava-língua de Jadir de Castro em 1962 para o ambiente infantil.
57. Adriana Partimpim, “Oito Anos” (2004) – versão de Calcanhotto para uma conversa entre Paula Toller e seu filho Gabriel, originalmente de 1998.
58. Falamansa e Maskavo, “O Vira” (2009) – forró e reggae numa versão pós-adulta do tema de vira-vira dos Secos & Molhados (1973).
59. Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra, Taciana Barros e Antonio Pinto, “Pequeno Cidadão” (2009) – do rock dos Titãs (Arnaldo), do Ira! (Edgard) e da Gang 90 (Taciana) e da MPB de excelência, para crianças – e para adultos.
60. Arnaldo Antunes, Edgard Scandurra, Taciana Barros e Antonio Pinto, “O Sol e a Lua” (2009) – mais uma do Pequeno Cidadão, sob altas doses de lirismo divertido.
61. Pato Fu, “Frevo Mulher” (2010) – Zé Ramalho tocado com instrumentos infantis, em Música de Brinquedo.
62. Arnaldo Antunes, “O Peru” (2013) – concretismo e diversão, no peru 2013 da Arca de Noé.
63. Marisa Monte, “As Abelhas” (2013) – Marisa valseia o ex-frevo-rock nordestino que Moraes Moreira cantava na Arca de 1980.
64. Adriana Partimpim, “O Elefantinho” (2013) – uma inédita de Vinicius na nova Arca, pela persona infantil de Adriana Calcanhotto.
65. Disquinho, “Festival da Primavera (Aventuras de Aracuã)” (1969) – de volta ao início, da coleção Disquinho, história narrada e canções de passarinhos dos tempos de Braguinha, o João de Barro.
Olha, não tem como deixar Ilariê, da Xuxa, de fora.
Ilariê está aqui, ó, Adri: http://farofafa.cartacapital.com.br/portfolio/a-baba-eletronica/
Adorei a lista! Claro que como em qualquer lista falta muita coisa ! Mas conseguiu contemplar bem todas as gerações e que a melhor seleção foi aquela correspondente à sua época de criança e a minha maior crítica vai ser ao período da minha infância faltou Gal Costa e Trem da Alegria cantando Hi lili hi lo, Trem da Alegria com os Fevers, algumas da Xuxa bem mais marcantes que as citadas e também do Balão Mágico! Mas realmente não tem como incluir tudo! Se fosse pensar na Arca de Noé 1 e 2 e Casa de Brinquedos teria que incluir todas as músicas! Corujinha , com a Elis Regina e São Francisco com Ney Matogrosso me dão até hj vontade de chorar de tão lindas! O Caderno com Chico Buarque e Bicicleta com a Simone são minhas preferidas do Casa de Brinquedos! Acho que já tô chata! Rs
Poizé, Myriam, essas listas são uma encrenca total, embora totalmente divertidas de fazer…
Vou te fazer uma confissão: os Trem da Alegria não entraram simplesmente porque… eu não tenho os discos, hahahaha. Entra esse fator também na lista de limitações…
Obrigado pelos comentários! Certamente vão rolar outras listas no futuro, aí entram as que não entraram agora!
Até que algum espírito de porco da MPB resolva estragar o nosso prazer (será que corremos esse perigo?) e mande tirar as músicas… 🙁
Pois é o meu Netinho Antonio dorme com essas musiquinhas e fica muito feliz
Parabéns pelo repertorio