Fundo de Quintal: com ou sem Arlindo Cruz?

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Palco da Praça da República terá um encontro inédito entre ex-integrantes e atuais componentes

A origem comum no bloco carioca Cacique de Ramos e no grupo Fundo de Quintal une nomes históricos do samba como Almir Guineto, Jorge Aragão, Arlindo Cruz e Sombrinha. Em 2013, a Virada Cultural também os (re)une, mas com uma dúvida crucial: Arlindo Cruz, em hiper-evidência como compositor da Globo e integrante fixo do programa dominical Esquenta, participará ou não?

Arlindo é a única pendência no formato imaginado pelo produtor Antônio Pinto para ocupar parte substancial da programação do palco da praça da República na Virada. Ex-integrantes do Fundo de Quintal, como Jorge, Sombrinha, Mário Sérgio, Cleber Augusto e Fábio Silva, devem fazer shows individuais, que culminariam no reencontro entre os atuais e os ex-integrantes do grupo, cuja formação vigente inclui Bira Presidente, Ubirany, Sereno, Délcio Luiz, Ademir Batera e Ronaldinho do Banjo.

Almir Guineto, ex-integrante do Fundo de Quintal
A formação original reunia Almir, Bira, Jorge Aragão, Sereno, Sombrinha, Ubirany e Neoci. Nomes como Arlindo Cruz e Walter Sete Cordas entraram a seguir. Arlindo saiu, formou dupla com Sombrinha e hoje leva carreira solo de sucesso amplificada pela criação de jingles e pelas participações na Globo.

O produtor diz inicialmente que há problemas na agenda de Arlindo para conciliar a participação no tributo, mas a seguir admite que a grande evidência do artista também complica o arranjo: “A agenda dele fica muito mais apertada, e ficando mais apertada a vontade de fazer diminui”. O preço do show de Arlindo influi? “O preço também é maior”, diz Antônio.

Ele conta que o sambista (e atual secretário e Promoção da Igualdade Racial da prefeitura) paulista Netinho de Paula se empenhou pessoalmente em convencer Arlindo. “Todo mundo que é do chamado pagode de São Paulo, inclusive o Negritude Jr. (grupo original de Netinho) se inspirou e surgiu a partir do Fundo de Quintal”, explica Antônio.

O palco da praça da República deve trazer samba paulista também, o que depende, por exemplo, da confirmação do grupo Raça Negra, que, segundo o curador e diretor da Virada José Mauro Gnaspini, corre risco também, em função de acertos de agenda e horário. O secretário de Cultura, Juca Ferreira, citou nominalmente o grupo para a comissão curadora, por ter recebido esse pedido de um “morador” de rua do centro da cidade. A equipe de produção da Virada se ocupa agora do xadrez entre nomes e horários, para compor a sequência completa dos palcos, inclusive esse da República.

O encontro entre as faces mais populares do samba carioca e paulista num mesmo palco teria o condão de conciliar vertentes do gênero que nem sempre vivem em perfeita harmonia. “Discordo da divisão que foi feita na cabeça da maioria dos críticos, de que o pagode romântico paulista não é samba e é ruim por natureza. Tem coisa ruim, mas tem muita coisa que representa a história da periferia de São Paulo e o povo de São Paulo e é parte da história do samba”, afirma Antônio.

Ele concorda que a divisão parte dos críticos, mas também de representantas do samba mais tradicional, “tirando honrosas exceções, como Arlindo, Leci Brandão, Reinaldo e alguns artistas cariocas que se radicaram em São Paulo e têm uma excelente relação com o samba romântico paulista”. Mas completa: “Ainda existem preconceitos, de alguns dos patriarcas e matriarcas do samba. Há a tendência de padronizar. O pagode paulista não é, ao contrário do que muita gente diz, fruto da indústria cultural. É o inverso: nasceu nas periferias de São Paulo e foi absorvido pela indústria cultural de massa”.

À parte qualquer possibilidade de conflito e rivalidade, o Fundo de Quintal seria, como defende o produtor, elo de ligação e traço de união entre os sambas carioca e paulista. Nós, público, entramos na equação de diversas maneira: prestigiando os shows, rejeitando pagodes de cá ou de lá, entrando de cabeça no debate sobre o que é samba e o que não é samba, dizendo se queremos que Arlindo Cruz venha ou não venha, tentando ou não ajudar a convencê-lo a vir etc. Agora “é nóiz”.

(Texto publicado originalmente no blog Virada Cultural, da Prefeitura de São Paulo)

O SAMBAPOP, DO FUNDO DO QUINTAL À PRAÇA DA REPÚBLICA

No início, a partir de meados dos anos 1960, era o samba misturado, impuro, dos Originais do Samba, O grupo se formou no Rio de Janeiro, mas andava por São Paulo na companhia de Jorge Ben (hoje Ben Jor) e o Trio Mocotó, com os quais moldou as bases do que viria a ser conhecido como samba-rock. O gênero, miscigenado por essência, encontraria guarida em redutos paulistanos históricos como os bailes do Chic Show e sobrevive nos hoje marginalizados bailes de samba-rock. O também humorista Mussum (1941-1994) foi o integrante mais célebre dos Originais, por onde passaram também Branca di Neve, Fritz Escovão (do Trio Mocotó) e outros soul-rock-sambistas da pesada, muitos deles já falecidos.

O produtor musical Antônio Pinto citou os Originais logo de cara na entrevista em que falou sobre a vinda do grupo carioca Fundo de Quintal à Virada Cultural 2013 (Ver acima). Embora mais próximo às raízes acústicas do samba que as misturas guitarreiras dos samba-roqueiros, o Fundo de Quintal representaria, do final dos anos 1970 em diante, um prosseguimento dessa(s) linha(s) mais pop de samba, com alto poder de disseminação pela cultura brasileira.

Já ao final da entrevista, a conversa nos trouxe ao pagode pop dos anos 1990, que adquiriu impulso a partir das periferias de São Paulo nas figuras de grupos como Raça Negra, Negritude Jr. e Art Popular, entre vários outros. Antônio criticou – e eu concordo integralmente com ele – as divisões que se estabeleceram “na cabeça da maioria dos críticos” (inclusive a minha), entre samba de raiz e pagode, samba carioca e samba paulista, samba carioca e não-samba, samba de elite e samba de massa.

Tudo faz sentido, se pensarmos que Cartola e Adoniran Barbosa deram em Elza Soares, que deu em Paulinho da Viola e Martinho da Vila e Beth Carvalho e Jorge Ben e Tim Maia, que deram em Alcione e Originais do Samba e Fundo de Quintal e Leci Brandão, que deram em Zeca Pagodinho e Sandra de Sá, que deu em Só pra Contrariar, Molejo, Exaltasamba e Negritude Jr., em Seu Jorge, Dudu Nobre e Quinteto em Branco e Preto, em Fabiana Cozza, MV Bill e Mr. Catra, e assim por diante, em progressão que tende ao infinito.

Tudo é samba – ou você acha que não é?

Segue abaixo uma transcrição da entrevista de Antônio Pinto que suscitou essas (e outras) reflexões sobre o grande desfile de escolas de (não-)samba apelidado de música popular brasileira. A pretensão é de mergulhar um pouquinho mais a história da construção do palco-show de fundo de quintal. Mas também torço (torcemos) para que a quase-íntrega colabore para que você, leitor-observador da arquitetura da Virada 2013, possa passear por alguns dos meandros que levam uma curadoria se transformar em entrevista que vira reportagem que se transmuta em mais negociações internas (e/ou externas) que chegam ao palco do evento na frente de todo mundo na virada do dia 18 para a noite de 19 de maio.

Pedro Alexandre Sanches: Como vai se dar o reencontro do Fundo de Quintal na Virada?

Antônio Pinto: A ideia sempre foi reunir todos os ex-integrantes do grupo. O Fundo de Quintal, que nasceu e teve origem no bloco Cacique de Ramos, é importante para o samba brasileiro porque inaugurou, com o grupo Os Originais do Samba, uma nova forma de apresentação de show, dos artistas enfileirados, um ao lado do outro, com instrumentos. E o Fundo de Quintal inaugurou um novo formato de samba, migrando do samba tradicional ligado às raízes negras para um samba de massa, para a cultura de massa. Desconheço no Brasil um grupo que tenha revelado tantos autores, compositores e talentos. Do Fundo de Quintal saíram Almir Guineto, Arlindo Cruz, Sombrinha, Mário Sérgio, Jorge Aragão… Nossa ideia é reunir todos os que passaram pelo grupo e se desbravaram em carreiras solos com o atual Fundo de Quintal, que continua em atividade, fazendo muitos shows, vendendo CDs, tendo um papel importante no samba.

PAS: Então haveria shows individuais de quem já foi integrante, e no final eles todos se reúnem com a formação atual? Quais seriam os shows individuais?
AP: Sim, é isso. Cleber Augusto é um excelente violonista, um grande compositor, que fez parte do grupo por anos e hoje não tem voz em função de um câncer. Então ele vai se apresentar ao lado de Fábio Silva, que teve uma breve passagem pelo Fundo de Quintal e foi o último artista a surgir do grupo. E vamos ter shows individuais de Almir Guineto, Jorge Aragão, Sombrinha. Estamos brigando com a agenda do Arlindo Cruz pra tentar ter ele também. Estou tentando fazer com que ele ainda venha, hoje mesmo alguns amigos do Esquenta vão falar com ele na gravação do programa. A ambição é que não falte ninguém. A única pendência é mesmo o Arlindo Cruz.

PAS: Ele hoje trabalha na Globo, é o ex-integrante mais em evidência atualmente. Isso influencia na dificuldade maior de trazer Arlindo Cruz?
AP: Com certeza. A agenda dele fica muito mais apertada, e ficando mais apertada a vontade de fazer diminui (ri).

PAS: E o preço aumenta?
AP: O preço também é maior, essa é uma questão. Espero que a gente consiga solucionar. Já apelei para todos os amigos em comum pra nos ajudar. Já conversamos com a esposa do Arlindo, que é a produtora dele, e hoje conversaremos pessoalmente com ele. É um cara importante para essa festa.

PAS: Você citou inicialmente o Fundo de Quintal e os Originais do Samba, que se radicaram em São Paulo, como iniciadores desse formato de samba. Mussum morreu, mas como estão hoje os Originais?
AP: Hoje não são mais os originais, só tem um integrante da formação original. Mas é um show excepcional, fantástico. Não sei se eles procuraram a Virada, valeria muito a pena. É bom lembrar que eles têm um elo importante com o Fundo de Quintal, além do momento e da trajetória: um dos integrantes do Fundo do Quintal passou antes, rapidamente, pelos Originais do Samba. É o Almir Guineto.

PAS: Netinho de Paula, com quem você já trabalhou, está pessoalmente empenhado em convencer Arlindo Cruz a participar?
AP: Sim. Todo mundo que é do chamado pagode de São Paulo, inclusive o Negritude Jr. (grupo original de Netinho), se inspirou e surgiu a partir do Fundo de Quintal. Todos têm o Fundo de Quintal com uma grande influência que os motivou.

PAS: Trazer esse grupo carioca para a Virada Cultural de São Paulo tem esse significado, de eles serem os inspiradores do pagode paulista?
AP: Sim, Fundo de Quintal é uma unanimidade. Quando falo a amigos dessa homenagem, a alegria de todos é evidente. Sou polêmico, sou daqueles que acham que tudo é samba, que o samba tem raízes e vários galhos, se expandiu por caminhos que passam pelo hoje chamado samba-raiz, pela bossa nova, mas também pelo pagode paulista, pelo pagode romântico. Como toda variação, tem coisa boa e coisa ruim, mas discordo da divisão que foi feita na cabeça da maioria dos críticos, de que o pagode romântico paulista não é samba e de que por natureza é ruim. Tem coisa ruim, mas tem muita coisa que representa a história da periferia de São Paulo, do povo de São Paulo, e é parte da história do samba.

PAS: O próprio samba de raiz às vezes isola um pouco esses filhotes do pagode, não?
AP: Exatamente, tirando honrosas exceções, como Arlindo, Leci Brandão, Reinaldo e alguns artistas cariocas que se radicaram em São Paulo e têm uma excelente relação com esse samba romântico paulista. Mas ainda existem preconceitos de alguns dos patriarcas e matriarcas do samba. Há a tendência de padronizar. O pagode paulista tem um sentido de ser, nasceu nas periferias de São Paulo. Não é, ao contrário do que muita gente diz, fruto da indústria cultural. É o inverso: nasceu nas periferias de São Paulo e foi absorvido pela indústria cultural de massa.

(Texto publicado originalmente no blog Virada Cultural, da Prefeitura de São Paulo)

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