quarta-feira no país das maravilhas (existe?)

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Retomo agora o fio da meada do debate suscitado pelo texto copiado no tópico anterior (cruzes!), cuja íntegra existe aqui. Disse assim o Nando (vou transformar tudo em itálico e em um parágrafo só, para não confundir, combinados?):

Pedro, devemos firmar nossas convicções tenham elas importância ou não, não é? Mesmo que aconteça ‘o tempo todo’. Lembremos que Zé Ramalho quase teve sua carreira (opa) fulminada por conta de um plágio com… uma revista do Hulk (que não deu em nada porque a revista tampouco havia dado – opa – crédito ao poema original – de W.B.Yeats, pelo que me lembro. E, claro, dinheirinho sempre no meio, como no caso do George Harrison, puta bolada ele teve que pagar a quem compôs ‘He’s so fine’. ‘Sei lá, a gente age como se ‘direito autoral’ fosse um conceito natural, mas não é, não é. É invenção industrial pra enriquecer engrenagens muito maiores(…)’. Hmmm. Tem um cadinho mais de complexidade aí, creio. A criatividade cria um vínculo poderoso entre nossa subjetividade e nossos atos, com um tanto de responsabilidade a ser trabalhada aí no meio, ainda mais com quem arrasta séquitos sedentos de… originalidade. Só estou aqui no seu blog porque é o SEU blog. Ou seja, pelo que você produziu, produz, produzirá. Não gosto de ser enganado, Pedro. Não gosto de ouvir ‘Canto para minha morte’, pensar ‘Esse cara é muito foda, um gênioooo!’ e depois ouvir ‘Balada para mi muerte’, com Piazzola e Amelita Baltar e pensar ‘Piazzolla fez versão de Raulzito, o que é isso? Não. Eu é que sou um trouxa completo!’. Mas a farsa do Raul não se resume aos plágios, vai a outras esferas como a ‘filosófica’, a ‘mística’, a ‘contestadora’ e por aí vai. Já fui fã demais dele, hoje o considero um bom artista, com a grande sacada de fazer um puta crossover entre rock’n roll e ritmos tradicionais do nosso país. E com um humor peculiar que até hoje me faz rir. Só. O resto é uma grande enganação. Carismático, inquieto, provocador. Ok. Espetacular? Genial? Hmmm. Abraço“.

Mas, então, ontem passeei pela minha amada Galeria do Rock, aqui de SP, e logo de cara tomei um baita susto: a Baratos Afins tinha mudado de nome!!!! O logotipo era o mesmo de sempre (um logotipo que, por sinal, me atiça tanto quanto – ou um pouco menos que – o da… Apple?), mas agora a loja chamava outro nome que não consigo lembrar. “Aconteceu uma tragédia!”, pensei já desesperado. Mas não, não demorou para eu perceber toda a parafernália de gravação, e a Carol, filha do Luiz Calanca, me explicar que era a Globo, uma gravação da “Aline”… Ufa!

Refeito do susto, mal dei meia volta para não entrar na gravação (nem encontrei o Calanca, chuif) e, mais um susto!, trombei de cara com uma estátua do Raul Seixas em tamanho natural (também há uma outra, do Michael Jackson, mas deixa isso pra lá por ora). Era bonita, a do Raul, mas olhar pra ela me deu uma vontade de chorar… Não só de saudade daquela figura engraçada que era o Raul, mas também, e talvez principalmente, pela constatação de que já não existe mais a maioria daquelas lojinhas de CDs que quando eu cheguei em São Paulo me faziam ter tremedeira de tanto desejo (coisificado?) e de tanta “novidade” que pareciam guardar… Agora, no lugar delas, vendem camisetas, bonecos plásticos de ídolos pop, tatuagens… CD ainda existe aos montes (principalmente de heavy metal), mas no geral parece ter virado artigo de quinta linha na galeria do… rock. E ainda não conheço susto maior do que esse, musicalmente falando.

Não sei bem por que o comentário do Nando me fez imediatamente lembrar disso tudo, suponho que pela constatação de que as coisas mudam tanto e tão depressa que nem dá tempo mais de lamentar que não são mais como eram a Galeria do Rock, o Raul, o logotipo da Baratos Afins, os direitos autorais, nem a gente mesmo… E também, evidente, por esse cruzamento de referências ao Raul Seixas.

Tenho certeza de que eu começar a “defender” o Raul do “ataque” do Nando não seria um bom caminho. Não, não é o caso de transformar isso numa queda-de-braço colateral às questões de direito autoral e, principalmente, de classe na música “popular” brasileira – concorda, Nando? Por meu turno, concordo com o ângulo, totalmente coerente e plausível, com que mira o “maluco beleza”, mas posso apenas somar outro, que não reafirma nem nega o seu?

Quero dizer, deixa eu (pintar o meu nariz, deixa eu) tentar reproduzir o que penso/sinto por ouvir minha adorada “Meu Amigo Pedro” (epa!) e, muito tempo depois, descobrir que a melodia foi chupada de “Billy”, tama de filme de faroeste escrito pelo Bob Dylan. Penso e sinto mais ou menos assim: “Putz, que safado larápio genial esse Raul Seixas! Chupou o Dylan, e o Dylan não ficou nem sabendo! E ainda por cima fez uma música MELHOR que a (er) ‘original’??! Cachorro(-urubu)!”.

Bem, os gringos também copiam a gente volta e meia, né? O Rod Stewart precisou amaciar o Jorge Ben, não sei como, por ter plagiado “Taj Mahal” em “Da Ya Think I’m Sexy?”. Eu também adoro o Rod Stewart dos anos 70/80 (muito menos que o Ben, mas, vá lá, os dois têm lá algum parentesco – como Zé Ramalho não deixa de parecer meio primo distante do Incrível Hulk), e não consigo deixar de gostar do “teretetetê” do loiraço ex-coveiro “só” porque ele “plagiou” meu ídolo…

Aliás, não é só ele. E os Black Eyed Peas, que enfiaram um pedação de “Cinco Minutos” dentro de “Positivity” e nem sequer colocaram Jorge Ben de coautor? (Será que o Ben chiou – alguém sabe? -, ou nem dá bola mais?) Mas, de novo, quem diz que eu consigo não gostar dos B.E.P.? (Hum, o disco novo é meio ruim, ou é impressão minha? Alguém baix… comprou? A capa é bonita, meio Matrix misturado com Incrível Hulk…)

Conclusão disso tudo aí? Sei lá! Talvez que eu tenho certa queda por certos “plagiadores”…

Outra: concordo e me envaideço com seu comentário sobre a “originalidade”, mas… Acredita que quando escrevo eu não tenho a menor noção sobre se estou ou não estou plagiando alguém involuntariamente? São tantos zilhões de pessoas, para apenas 46 cromossomos… Sem contar os títulos, todos “copiados” de letras de músicas… Sei, você vai dizer que “plagiar” sem querer não se iguala a “plagiar” no veneno, e concordo também, mas… até aí morreu Neves, né?…

E, de mais a mais, sabe quantos centavos recebo em direitos autorais pelo que escrevo neste blog, pelo que estou escrevendo neste exato instante? Zero milésimo de centavo de real, ou dólar, ou yen, ou libra marciana. Se direito autoral existe, cadê o meu?!

E, desafio alguém a me convencer do contrário, isso que acabei de falar no parágrafo acima tem um outro nome, bem mais pomposo: crise do capitalismo global. Em breve Walt Disney não vai mais continuar a ganhar (ué, mas ele já não morreu, uns 50 – ou 10 mil – nos atrás?) tamanhas fortunas em cima da carcaça do Mickey Mouse, – que também, por sinal, foi “plagiado” de alguém, e não “inventado” pela originalidade de papai Disney.

Como diz minha amiga Márcia, o original não se desoriginaliza. Mas e o desoriginal, será que não se originaliza?

Não que eu aprecie ser copiado sem receber crédito, independentemente de reais, dólares, yens ou libras venusianas, mas a pulga continua atrás da minha orelha: qual será a questão real por trás disso tudo?, qual será a natureza (dinheiro? ética? originalidade?) da(s) questão(ões) por trás disso tudo?

Quem compôs “Luar do Sertão”? “Asa Branca”? “Águas de Março”? “Marinheiro Só”? “Cuidado com a Fura”? Quem é o pai da Branca de Neve, ou do Capitão Gancho? Qual é a “verdadeira” identidade do Batman, do Super-Homem, da Mulher-Maravilha? Quem tem (quem não tem?) passaporte para copiar?

E aquela outra questãozinha, sobre os preconceitos de classe? Onde encaixar? Voltamos a ela, ou deixamos para lá?

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Editor de FAROFAFÁ, jornalista e crítico musical desde 1995, autor de "Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba" (Boitempo, 2000) e "Como Dois e Dois São Cinco - Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa)" (Boitempo, 2004)

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