Foto de Carlos Gurgel
O artista multimidia paulistano José Roberto Aguilar, que festejou em abril seus 80 anos

Paulistano nascido em 11 de abril de 1941, torcedor do São Paulo Futebol Clube, ex-aluno de Economia da USP, o eterno enfant terrible da arte multimídia do Brasil, José Roberto Aguilar, chegou aos 79 anos há alguns dias.

Aguilar já fez de tudo um pouco. No final dos anos 1950, juntou-se ao menestrel Jorge Mautner para difundir o projeto do Kaos. Foi amigo de José Agrippino de Paula, o guru do livro Panamerica. No final dos anos 1960, mudou para Londres, onde ficou até 1972. Voltou ao Brasil, mas logo partiu de novo, dessa feita para Nova York, onde ficou de 1973 a 1975. Seduzido pela cultura massiva, quadrinhos, TV, grafite, ele acabou sendo um dos primeiros artistas a usar a linguagem do vídeo no Brasil, sendo um dos destaques da exposição de Vídeo Performance e Arte Corporal realizada no Beaubourg, em 1979, em Paris.

Aguilar conseguiu a proeza de reunir em sua sempre movimentada entourage artistas como o pernambucano Flaviola e o bardo Belchior. Naquele mesmo ano, 1979, criou a Banda Performática, que tinha, entre seus integrantes, Arnaldo Antunes e Paulo Miklos, que mais tarde formariam Os Titãs. Aquilar bateu um breve papo com o Farofafá.

 

Há 40 anos, você se via dividido entre literatura, pintura e vídeo. Qual sua encruzilhada estética hoje, aos 79 anos?

Eu comecei escrevendo. Então, durante uma crise existencial, queimei todas as escritas e comecei a pintar. Todo mundo detestava, vomitava nos meus quadros, mas quando enviei para a Bienal de São Paulo, foram aceitos! Em 1963, entrei na primeira Bienal. Isso marcou minha vida, delimitou. Tive um ateliê na Frei Caneca, 348, e fiquei muito amigo de Mario Schenberg, o maior gênio, físico, matemático, tradutor. Continuei pintando e comprei a primeira câmera de vídeo em 1974 em Nova York. Vi ali uma janela imensa. O tempo era o tempo que acontecia no exato momento, não tinha mentira. Isso foi muito grande. Caí depois na performance. Mas tanto video, performance, pintura, nada se exclui. Hoje escrevo nos meus quadros porque sou um escritor frustrado, mas é a vida.

Em 1981, você escreveu uma ópera conceitual na qual o rei Dom Manuel extingue por decreto as funções e papéis do circo antropofagico-ambulante-cósmico da Nação brasileira. Vivemos um déjà-vu?

É inacreditável que você tenha essa memória tão fenomenal de lembrar do Circo Antropofágico Ambulante e do personagem D. Manuel. Fantástico! Eu tive que reler, revisar, para responder. Me senti privilegiado pela sua memória. Sim, sim, sim. Nos sempre vivemos num déjà-vu após o outro, na política. Na sexta-feira, no sábado, começando na quinta-feira, toda a loucura política se manifestou, foi um déjà-vu total, uma pandemia . O sonho de todo presidente que quer dar um golpe é fechar o Congresso, isso vem desde o Jânio Quadros. Mas agora estamos vendo uma pandemia absoluta da insanidade, um déjà-vu que é realmente um prato cheio para a science fiction. Na realidade, a science fiction trata do desaparecimento da humanidade, da extinção da humanidade, e sempre há uma chave para sair disso.  Nós ficamos atentos é em como salvar o planeta, como não poluir. Essa pandemia de loucura, embora não tenhamos presenciado uma guerra no Brasil, é um fato existencial muito grande. E às vezes a História moderna acontece como uma tragédia e quando se repete é uma comédia. Mais ou menos assim, como dizia Marx.

Esse momento que vivemos é propício ou ameaçador para as grandes utopias históricas?

Esse momento é totalmente propício para as utopias. As utopias nunca deram certo, isso que é a grande profundidade das utopias. A maior utopia dos últimos séculos foi o comunismo, Karl Marx, os profetas, os executantes da Revolução, Lênin, de estabelecer uma república democrática comunista total. Então, isso daí foi uma das maiores utopias em cento e poucos anos. Ela salvou a humanidade do nacional socialismo, do nazismo. E caiu por terra. Várias fracassaram. Os jesuítas, quando fizeram as missões, pela iniciativa de um monge italiano do século VII, implantaram nas missões no Brasil a revolução do Espírito Santo, do amor total e completo. E, no Espírito Santo, havia um comunismo primitivo, não existia propriedade privada, todos viviam com iguais regalias, e então começaram a criar as comunidades, que foram depois totalmente destruídas, com a expulsão dos jesuítas no Brasil, com os bandeirantes a cavalo, essas comunas acabaram. Sempre existiu utopia. Então, a única utopia que pode acabar é a da democracia. O pêndulo da História, quando pende para a direita, é guerra, é a banalização da morte. É isso.

Como as visões do Kaos com K, de Jorge Mautner, se moldam a esse mundo do coronavírus?

Existencialmente. Jorge Mautner é um dos maiores gênios do Brasil, um dos menos traduzidos, no sentido literal do termo (interpretados). Aquela Trilogia do Kaos é simplesmente fenomenal. Na literatura do Mautner, a angústia é um dos fatores principais. A dor forma o individuo, tece uma pele dentro desse indivíduo que vai portar uma redenção. Desde o primeiro livro, Deus da Chuva e da Morte, escrito com 18 anos, o cara fala da angústia. O Mautner é uma grande antena de Nietszche, e dentro de uma visão profética do Kaos, avistou que o Kaos pode redundar na extinção, na morte. O coronavírus é a possibilidade da morte batendo na porta. O Kaos se molda a essa tradição.

Como se sente à beira dos 80 anos? Muda as percepções?

80 não é mole. Perto dos 80 não é mole. A gente tem mais consciência de que é perecível, de repente some, tem pouco tempo. A perecibilidade, ao mesmo tempo, te permite escolher o que você gosta de fazer. Mas você vive com o cu na mão, basicamente. Mas c’est la vie.

 

 

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