De volta aos tambores de São Luís

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O escritor Josué Montello. Acervo CCJM
O escritor Josué Montello. Acervo CCJM
Os tambores de São Luís. Capa. Reprodução

O grande romance de Josué Montello (1917-2006) sobre a escravidão, “Os tambores de São Luís” [Secma/ CCJM, 744 p.], terá nova edição lançada hoje, em solenidade na Casa de Cultura Josué Montello (CCJM, Rua das Hortas, 327, Centro), órgão vinculado à Secretaria de Estado da Cultura do Maranhão (Secma). A reedição foi realizada em parceria com a Casa do Autor Maranhense.

Lançado originalmente em 1975, “Os tambores de São Luís” teve sucessivas edições no Brasil e tradução em vários idiomas, embora seja impossível calcular quantos foram os exemplares vendidos, pois há edições com várias reimpressões. Fenômeno editorial, edições se esgotam rapidamente, possível destino do lançamento de hoje, de tiragem de pouco mais de 1.000 exemplares – o que certamente tornará a noite concorrida. Haverá palestra do escritor José Neres, membro da Academia Maranhense de Letras (AML), apresentação do trio The Soft Music, formado por professores da Escola de Música do Estado do Maranhão Lilah Lisboa de Araújo (Emem) e abertura de mostra do fotógrafo Edgar Rocha.

Responsáveis pela reedição, Wilson Marques e Joseane Souza exibem o fruto do trabalho. Foto: Danielle Vieira/ Intermídia

“O processo de relançar “Os tambores de São Luís” surgiu quando nos deparamos, na prática, com a situação de divulgar a obra literária do escritor através de projetos da CCJM e esta [a obra] em específico não estar disponível para o leitor. Então, em conversa com o escritor Wilson Marques, surgiu a ideia de realizar um projeto para relançar o livro. Inicialmente realizamos outro projeto por ocasião do centenário do escritor, que possibilitou começar a resgatar a obra de Montello com o lançamento do primeiro romance, “Janelas Fechadas”, o primeiro livro infantil “O tesouro de D. José” e o livro de crônicas “Escritores maranhenses: 1966-1993 – v. 2”. A visibilidade que o centenário possibilitou nos deu fôlego para iniciar o projeto do livro “Os tambores de São Luís””, refaz o trajeto a bibliotecária Joseane Souza, diretora da CCJM há 12 anos.

“Naturalmente que a reedição de uma obra dessa magnitude é uma grande responsabilidade. Nesse sentido o trabalho todo exigiu muita atenção, compromisso e, certamente, um bocado de satisfação de quem é, antes de tudo, leitor e fã do escritor. Mas, no geral, o resultado final é fruto de diversas parcerias, entre elas com a patrocinadora Cemar, através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão, e da Casa de Cultura Josué Montello, equipamento cultural do governo do Maranhão que há anos [foi fundada em 1983] se dedica ao desafio de manter viva a obra de Josué Montello”, complementa Wilson Marques, escritor e coordenador do projeto.

É ele quem explica também o porquê da opção pelo livro vir, pela primeira vez, em dois tomos, embalados numa caixa: “Esse foi um recurso editorial para tornar a obra mais atraente, mais sofisticada, afinal a ideia não era só reeditar o romance, mas também fazer isso numa produção diferenciada, que chamasse a atenção também pela estética do próprio objeto. Acredito que para o leitor representa também algum conforto, na medida em que o livro se torna mais leve e fácil de manusear”.

Indago a Joseane Souza se ela considera “Os tambores de São Luís” a obra mais importante de Montello, chamando-a de “montellófila”. Ela ri: “Montellófila, segundo Zema Ribeiro, ou montelliana, como alguns colegas nos denominam”. E continua: “Em minha opinião, sobre os livros que compõem a saga maranhense escrita por Josué Montello, cada um tem sua importância. Apesar de não ser o mais premiado, caso do “Cais da Sagração”, considero “Os tambores de São Luís” o mais importante por ser considerada a obra-prima do escritor, que denuncia a história da escravidão através da literatura, relatando os costumes da sociedade escravocrata que existia no Maranhão e no Brasil na segunda metade do século XIX, e por ser considerado pela crítica nacional e internacional um dos grandes romances da literatura de língua portuguesa, apresentando a saga do negro no Brasil”.

Ela também aponta o destino da tiragem: “embora uma parte vá para comercialização, o propósito maior do projeto é garantir que o livro esteja nas bibliotecas públicas, escolares e universitárias, instituições e diversos equipamentos culturais voltados para a disseminação da leitura. Dessa forma, será destinado um percentual considerável para suprir as necessidades de espaços que democratizam o acesso à leitura e o restante será destinado para venda nas livrarias locais”.

Wilson Marques comenta o significado de reler a obra no processo de reedição: “Li “Os tambores de São Luís” na juventude e o que ficou daquela primeira experiência foram lembranças muito vagas. Para o projeto, reli o texto três vezes, integralmente, e como o romance é muito rico, novas nuances foram surgindo a cada leitura. Um deles, que me parece menos comentado do que outros, é o profundo conflito do personagem Damião, o que talvez seja a face mais universal da obra. Homem negro, da senzala, ele vem de Turiaçu para São Luís a fim de ser padre, acaba se tornando professor, e segue, por assim dizer, buscando se situar em espaços que são de domínio exclusivo dos brancos. Quer dizer, o conflito maior de Damião ocorre quando ele já é um homem livre, do sentimento doloroso de estar fazendo e lutando apenas por si, e nada, ou quase nada, por seus irmãos que permanecem na escravidão. Sendo a obra muito rica, com certeza abre muitas janelas para reflexões sobre o nosso tempo. Uma delas, talvez, seja nos perguntar, nos mirando no espelho em que se mirou Damião, é se não estamos buscando muitos mais para nós mesmos, do que pelo nosso país, pela coletividade”, provoca.

Joseane também comenta a releitura: “A cada vez que relemos uma obra ela nos faz observar coisas que não haviam sido percebidas com a primeira leitura. Com “Os tambores de São Luís” uma das coisas que me chamou a atenção nessa releitura foi a luta contra o preconceito que Damião sofreu no episódio de querer se tornar um padre, e principalmente a campanha pela libertação demonstrada através dos personagens de Damião, a doceira Genoveva Pia e tantos outros que participaram ativamente dessa luta. A relação da obra com nosso presente está no sentido de que o livro relata a luta do negro pela libertação e busca pelos seus direitos como seres humanos, conforme conta a história, e hoje estamos vivendo tempos sombrios em que os direitos conquistados ao longo dos anos estão sofrendo um verdadeiro retrocesso, principalmente quando falamos em preconceito de todas as formas”.

Como a obra tem patrocínio através da Lei Estadual de Incentivo à Cultura do Maranhão, pergunto-lhe sobre os ataques à cultura perpetrados pelo governo de Jair Bolsonaro. “Lastimável. Uma verdadeira falta de sensibilidade com a arte e a cultura. Falo como participante de um processo de construção das Políticas Públicas de Cultura do Estado, em que participei das Conferências de Cultura, da elaboração do Plano Estadual de Cultura e de todos os instrumentos que resultaram na Lei Estadual de Incentivo à Cultura, que viabiliza projetos de suma importância para as artes, a cultura e a educação de nosso estado e país. Nós, que trabalhamos com cultura, arte e educação, sabemos o quanto os investimentos nessa área são escassos e o quanto são necessários esses instrumentos para viabilizar projetos que possibilitam o acesso de uma camada da população a essas áreas”, declara.

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