A partir dos anos 1950, no Norte do Paraná, o imigrante japonês Nenpuku Sato ensinou as técnicas do haicai a seus conterrâneos, japoneses rudes que só tinham a lavoura como modo de vida e vislumbre ético. Dizem que ensinava apesar da resistência dos alunos. Houve um momento em que ele ajudou a impulsionar aqui a maior produção de haicais fora do Japão. Amaciando a dureza dos cafezais com poemas. Em meio à crueza do ouro verde, artesanato.

Não o conhecia. De Sato só conheço o Nelson, um amigo querido desde o bandejão da UEL até a calçada do Valentino. 

Conheci no início dos anos 1990 o fotógrafo Haruo Ohara, que entrevistei uma vez para o jornal em que trabalhava (graças ao visionarismo do editor, Evaldo Mocarzel) e cuja excelência foi descoberta décadas depois na gringolândia, pelo NYT. Aquela foi a primeira reportagem na grande imprensa sobre o gênio de Ohara, modéstia às favas. Hoje, Ohara tem acervo no Instituto Moreira Salles e teve sala especial no Masp, na Coleção Pirelli. É um mestre universal.

Mas eis que o Pinduca me deu de presente de aniversário há uns dias a antologia 101 Poetas Paranaenses (1844-1959), edição da Biblioteca Paraná. Lendo, descobri o Nenpuku.
Nenpuku quer dizer “pensar com a barriga”. Era um codinome. Quando fui a Tóquio, me perdi no metrô e no trem tentando achar a casa de Bashô, o maior poeta clássico japonês. Achei. Linda, tenho na parede um estandarte que comprei na lojinha deles.

Nascido em Sasaoka, Nenpuku foi mais longe que Bashô. Lavrava o haicai e também a crítica literária no Norte do Paraná e fundou a revista Kokage (achei tudo isso na internet, acho que deve haver alguma biografia ou estudo mais profundo sobre ele). Soube agora que há um livro da Ciência do Acidente, intitulado Trilha Forrada de Folhas.

Também escrevi sobre o poeta japonês que o Rodrigo Garcia Lopes inventou, o Satori Uso, que virou documentário premiado do Rodrigo Grota. Tem tudo a ver com o Nenpuku

Há outros poetas fabulosos na coletânea – até o Emiliano Perneta, que nos meus anos curitibanos eu achava que tinha sido algum desembargador cheio de caspa no paletó, era um simbolista bacana.

Ontem, atrás de ti, por essas ruas, toda
Furiosa, caminhei, nesta Jerusalém;
Mas supondo que eu estivesse douda,
A guarda me espancou e me feriu, meu bem

(Versículos de Sulamita, Emiliano Perneta)

Achei de bom alvitre (rs) mostrar aos amigos uns haicais do Nenpuku:


flor do café
lavando essa roupa
flutua mais branca


via láctea
em qualquer lugar que eu viva
envelheço


não tinha nada
mas não me esqueci
trouxe de lembrança esse caqui

sementes de algodão
agora são de vento
as minhas mãos

lavrando a terra
plante também
um país de haicai


PUBLICIDADE
AnteriorTransmúsica, nunca ouviu? Pois deveria
PróximoAGENDÃO 16
Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome