Tome o caminho contrário. Saia do centro expandido. Abandone a tecnologia do seu sofá. Desatraque do seu bundismo. Paralise seu discurso. Troque seu percurso. O que é mais relevante, pulsante, que apresenta força e empoderamento coletivo vem do outro lado. Do lado de lá. Do outro lado da muralha. Seriam selvagens na selva de pedras?

No último fim de semana, enquanto a Avenida Paulista era dominada pela disputa imagética e midiática da morte do Lulabalão, seu renascimento e posterior sumiço, a disputa política verdadeira era construída na periferia da cidade. No Capão Redondo, da sul, no Morro do Querosene, zona oeste, e na Vila Mara, Itaim Paulista, extremo leste, três grandes eventos em ambientes de luta e ação mostraram a força da periferia na construção de uma cidade mais igualitária, tolerante e diversa. E o futebol, o pixo e a cultura negra tem muito a ver com isso. Um já foi acusado de ser o ópio do povo, o segundo ainda é criminalizado e o último sofre racismo público e institucional. Esse universo (in)visível há muito tempo já provocou seu “big bang”. Explodiu em vários pedaços, os traços de uma cultura inteiramente comunitária, pungente, perturbadora, realizadora.

Projetos coletivos, comunitários, cooperativados, colaborativos. Processos de autoafirmação, reconhecimento, memória afetiva, arte-política, economia solidária, revitalização real sem gentrificação, cultura, arte-educação, reciclagem, sustentabilidade, história. Por todo canto que você chegue, você conhece autores de uma nova visão de cidade. Uma cidade em que quero estar, andar, pertencer. E o chamamento é uma rima. É cultura hip-hop, sim. São os 4 elementos, sim. É o funk, sim. É a cadeira elétrica da Liga do Funk, sim. É o futebol de várzea, sim. São os campos-espaços públicos das comunidades e suas festas de bairro, sim. O chamamento é poesia. É o circuito de saraus que inundam todas as periferias, sim. É a palavra na boca de quem constrói essa cidade, sim. São os passinhos e são as batalhas, sim. É o fortalecimento das mulheres e das mães de todos os meses, sim. A laje é o castelo intransponível.

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Mestre Lumumba e Mestre Dinho Nascimento. Foto: SatodoBrasil
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Mestre de cerimônias Alessandro Azevedo, as cantoras Juba Carvalho e Marcela Maita mais as criancas do morro. Foto: SatodoBrasil

Caminho de Peabiru

Primeiro, Morro do Querosene. Butantã.

Desde o século 18, a região já era parada obrigatória de tropeiros, bandeirantes e viajantes. Funcionava como abrigo e ponto de recarga de água para a sequência da viagem, onde hoje a comunidade e a Associação Cultural do Morro do Querosene lutam pela implantação do Parque da Fonte. Antes mesmo dos portugueses colonizarem São Paulo dando as costas para os rios, já existia uma trilha que vinha da Capitania de São Vicente, subia a Serra do Mar, atravessava a Vila Piratininga, a Vila Pirajussara – o nome oficial do Morro do Querosene, dali para Sorocaba, onde se encontrava com outras duas importantes trilhas: uma que tinha como ponto final Iguape-Cananéia, outra que passava por Botucatu, Assunción do Paraguai e daí até os Andes em direção a Cuzco e Machu Picchu, chegando até Arequipa, no Oceano Pacífico, atravessando 4 países: Brasil, Paraguai, Bolívia e Perú, com uma distância de aproximadamente 5.000 km. Ufa! Esta trilha ou malha de trilhas ficou conhecida como Caminho de Peabiru.

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Esse nome tem várias hipóteses: a expansão do Império Inca talvez chamaria carinhosamente de “Caminho para Biru”, como os incas chamavam seu território. Os índios itararés pré-guaranis talvez denominassem “Caminho para a Terra sem Mal”. Os devotos também adotariam em sua peregrinação o nome de “Caminho de Grama Amassada”. O certo é que hoje em dia existem pouquíssimos vestígios dessa grande autobahn pedestre. Mas o Dinho Nascimento e a Dona Cecília me apontaram em uma noite dessas, o caminho passando por trás da casa deles. Acredito.

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Dinho Nascimento e Dona Cecília. Foto: SatodoBrasil

Dinho Nascimento é músico, baiano, criador da também mítica banda Arembepe. Quem tiver o disco deles, eu quero! Mestre Dinho aprendeu a tocar berimbau e percussão nas ruas de Salvador mesmo, em meio a profusão das manifestações que ocorriam por lá. Chegou nos anos 1970 em São Paulo direto para o Morro do Querosene. Ali, enraizou a sua música, o seu berimbau e sua negritude. Criou o Berimbau Blues, a Orquestra de Berimbaus do Morro do Querosene, o Treme Terra, e junto a Dona Cecília, sua esposa, é um dos líderes na luta pela criação do Parque da Fonte, em que já conseguiram o seu tombamento como primeira grande vitória na direção da implantação total do Parque, junto a Associação Cultural do Morro do Querosene.

Dona Cecília não entende como as águas limpas do Parque da Fonte correm fortes durante o ano todo e não são aproveitadas pela comunidade. Eu também não entendo. São 4.500 quilômetros de rios sob o asfalto desta cidade em pólvora, apenas cobertos (apenas 20% dos rios são canalizados) e esperando pela possibilidade de correr livre entre as praças e parques de São Paulo. Enquanto isso, estamos sob a pior crise de abastecimento de água da história. E nada acontece. Que o Parque da Fonte resista, exista e possa ser exemplo de uma nova visão de compartilhamento de soluções como os biodigestores que a Associação quer implantar para manter as águas do parque limpas.

Me encantei pelo Morro em trabalhos junto ao Treme Terra. Com João Nascimento, filho de Dinho. Um grupo que encarna seu passado, sua história nas batidas dos tambores, no pé no chão, na dança vertiginosa de seus bailarinos. Uma força primária. Conheci Dinho, Dona Cecília, nessas idas e vindas. Pessoas que sabem acolher. A festa de Cosme e Damião que os dois promovem em sua casa é uma prova disso. Você se sente pertencente àquela casa. Parte daquilo. Na fila do prato dos orixás, na cerimônia das crianças, na roda. Simples assim. Dar, para um dia qualquer de um outono qualquer, receber de volta.

Outra grande liderança da cultura negra veio se juntar a Dinho no Morro. Tião Carvalho, mestre do boi-bumbá no Maranhão. Iniciou-se em sua cidade natal, Cururupu, junto às danças e festividades populares, acompanhando os bumba-bois de costa-de-mão, típicos desta região. Chegou em São Paulo em 1980, com o Teatro VentoForte. Tião é responsável pela criação das bandas Mexe com Tudo, Mafuá e em 1986 fundou o Grupo Cupuaçu, especializado em cultura popular, pesquisa, arte-educação. Tião também produz a belíssima Festa do Boi, uma das festas mais interessantes e já conhecidas pelo povo de cá do rio.

Essas duas ilustres figuras, mais outros mestres da cultura negra, como Mestre Lumumba, Mestre Ananias, Mestre Kenura, seus alunos, filhos e fãs, transformaram o Morro num centro libertário da arte negra. E no fim de semana, entre sexta e domingo, produziu-se a FAMQ – Fonte de Artes do Morro do Querosene, um festival com atrações de dança, música, rima, economia solidária, artigos típicos, manifestações populares, mesas de conversa, aparelhagem e a comunidade. Comunidade que sempre se inseriu na luta para a transformação desse pedaço de São Paulo em um lugar do bem.

Encontrar coro nos toques e batidas do Barbatuques, a rima explosiva contra a redução da maioridade penal do Gaspar Z’África Brasil e seu rapsicordélico, o paredão boombox da juvenilia grudada nas caixas, o coladinho dois a dois do Peixe Elétrico, a reggaera do Veja Luz, a porrada Treme Terra, o naïf do De Ollynda, a excelência mântrica da Orquestra de Berimbaus, a festa verdadeira do Boi de Tião Carvalho. As águas foram acarinhadas pelo festival e o Parque já pode nascer. Porque o boi nasce todo santo ano. Porque Peabiru ainda é caminho.

A Kebrada

Segundo: Vila Mara, Itaim Paulista. Arte e Cultura na Kebrada.

Antes era Arte na Kebrada. Algo mudou. Mudança. Transformação. Conheci a equipe que aciona os mecanismos e ferramentas do “ArtenaKebrada” em 2008. Era a Turma 44. Era o Oitavo Batalhão. Duas das crews de pixadores mais antigas da ZL e da cidade. Medo. A casadalapa produzia seu segundo trabalho de cinema chamado “Enquadro”. Um painel da cidade através de seus personagens invisíveis. Uma HQ urbana. Ocupação do espaço público, criação coletiva ao limite, mistura de linguagens, roteiro aberto, empoderamento, contaminação de processos. Experiência audiovisual.

Aliados. Assim chamamos os parceiros na criação e produção de nossos trabalhos. Sob o Viaduto da China, que separa e une São Miguel do Itaim Paulista e atravessa a linha do trem, fizemos o “Enquadro Capítulo 2: Tiaguinho da Redenção”, contando a história de um mestre-sala iniciante de uma escola de samba de terceiro grupo do carnaval paulistano, que por motivos de tretas e trutas, é obrigado a abandonar a comunidade para resguardar a vida de sua mãe, Domingas.

Viaduto da China. Sob ele, uma das primeiras ocupações que foram regulamentadas pela Prefeitura na Zona Leste, ainda na gestão Luiza Erundina. Passamos meses, visitando, reconhecendo, se inserindo na região para saber quem eram os possíveis parceiros e autores das manifestações mais ativas da área. A Turma 44 e o Oitavo Batalhão chegaram chegando. Nos receberam com curiosidade e respeito. Apresentaram o bairro, sua história, personagens riquíssimos dessa periferia que ousa bater de frente com o sarcasmo da massa cinzenta do outro lado do rio e que criam possibilidades verdadeiras de transformação através de suas armas: arte e cultura.

Mas vociferam os distantes turistas da classe média paulistana, os arautos da inteligentzia do centro expandido da capital: – São pixadores! Sim, pixadores com orgulho. Que ousaram invadir esse grande condomínio branco em rolezinhos de rua com seus nomes e sobrenomes, assinando um manifesto diário contra a invisibilidade, o descaso, o abandono e o preconceito. São grandes artistas que souberam se transformar também. De pixadores a grafiteiros, de grafiteiros a agitadores culturais. De agitadores culturais a comandantes de um dos eventos mais importantes de arte e cultura do extremo leste da cidade. Onde o Tietê inicia sua retirada para o interior, onde a Trabalhadores segue paralela rumo a Dutra, onde o trem ainda sobrevive apesar de tudo.

Foi um prazer imenso produzir um trabalho artístico com eles, em sua comunidade, com sua arte. Criaram um dos momentos mais poéticos do filme, uma carta de um filho para a mãe, escritas em pixo, nas paredes da ferrovia e filmado em stop motion. Eles se tornaram os carteiros dessa missiva familiar.

Aliados. Com a força que essa palavra carrega, nos tornamos aliados pro resto da vida. Se um dia convidamos esses caras pra participarem com a gente de um filme, a partir daí, nós é que fomos convidados a participar do “artenakebrada”. Eu participei a cada ano desde então. Não perdi um sequer. E mais que participar, pintando uns muros, colando uns lambes, pude acompanhar o seu crescimento, desenvolvimento e progresso que transformaram o “artenakebrada” num dos mutirões de arte e cultura mais importantes da cidade.

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Anjo Caido. grafite: SatodoBrasil. Foto: SatodoBrasil

Do beco principal, a Jacarandá Rosa, temos mais duas ruas paralelas mais quatro transversais, mais a avenida da linha do trem mais a passarela. Mais 5 palcos onde se dividem grupos de hiphop, funk, coco, maracatu, street dance, danças tradicionais, mc’s, dj’s, rock’n’roll, dub, eletrônico, samba. Uma salada saborosa de ritmos e sons. Uma adorável barulheira. Esse é o segundo ano que contam com o apoio do edital VAI, da Secretaria Municipal de Cultura. Eles merecem. Manulo, Emes, Bó, Grilo, Pinguim, Ignoto e banca.

Medo? O que é essa força? Lembro do “Enquadro”. Do finalzinho das filmagens. Estava parado, extasiado, percebendo que aquele dia que já era noite, tinha sido especial pra caralho, quando um dos bróders da Turma 44 chegou do meu lado e me chamou. O nome dele era Emes. Negro, alto, uns 1m80, cara de mau. Olhei pro lado e vi que os olhos deles estavam mareados. Sem tentar esconder seu estado, me abraçou e disse: – Mano, vocês não tem ideia do que fizeram aqui pra comunidade! Valeu irmão! Eu: – Porra, Emes! Eu é que agradeço a acolhida, terem recebido a gente! Ele emendou: – Mano, tamojunto pra sempre! Nunca essa expressão teve tanto poder pra mim. Medo?

Varzeana

Terceiro: Campo do Pantanal, Capão Redondo. Futebol Callejero.

Ópio do povo. Mimimi de quem não sabe do valor de um campinho de várzea. Dó desse centro expandido que permite a destruição de seus campos de várzea em favor de uma indústria de especulação, onde um imóvel tem mais importância que uma vida, que um espaço público, que uma praça comunitária.

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No campo de várzea, moradores disputam uma partida animada – Fotos: Adolfo Garroux

Não conheço muito o Capão Redondo e região. Participei com a casadalapa de mutirões de grafite no Jardim Rosana e no Jardim Irene pelas Galerias Periféricas, evento criado pela crew de pixadores Pigmeus, isso em 2007. Fiz trabalhos no Jardim Nakamura e Veleiros em 2009. A Frente 3 de Fevereiro filmou parte do documentário “Zumbi Somos Nós” no CEU Casablanca. Conheci também a Associação Comunitária Monte Azul. Mas ainda é pouco. Essa região deu ao mundo Racionais MC’s, Z’África Brasil, Ferréz, Fuzzil, Cia. Sansacroma e muitos outros.

Lembro das notícias que chegavam da região do Capão Redondo, Jardim Ângela, Jardim São Luis nos anos 1990. Tornaram-se exemplos-limite da violência que recaíam sobre as comunidades excluídas da cidade. Em 2004, com a Frente 3 de Fevereiro, visitamos o Cemitério do Jardim São Luis. Treta. O que mais nos chocou foi a idade dos mortos nas placas das gavetas mortuárias. Mais de 80% dos casos eram jovens. Muito jovens. A maioria menores de 18 anos. A juventude massacrada, fisicamente pela polícia e institucionalmente pela ausência de uma política pública que enxergue as dificuldades vividas por quem está à margem do centro da cidade. A Delegacia do Jardim São Luis, na época, era a que mais matava. A maioria dessas mortes respondia pelo fato de atitude suspeita. Surgiu um dos primeiros trabalhos icônicos da Frente. O lambe-lambe “Quem policia a polícia?”. Atual?

Mesmo com a ausência do Estado, o contrataque começou. Várias ações da própria comunidade começaram a pulsar pelas redondezas. Em 1996, lideranças comunitárias e religiosas criaram o Fórum de Defesa da Vida. Junto com ele, veio a Caminhada pela Vida e pela Paz. Ainda nos anos 1990, a cultura hiphop fortaleceu a luta contra a violência. Essa trilha sonora da periferia protestava com suas rimas, em suas pickups, com seus grafites e sua dança, contra a violação aos direitos humanos em um dos momentos mais difíceis do cotidiano das classes populares. A porrada acertou em cheio uma classe média indolente e passiva, que adotou a postura hip-hop em sua vida. O hip-hop de vitrine. Mesmo assim, possibilitou essa juventude ouvir o discurso da periferia nos raps dos Racionais MC’s, Z’África Brasil, RZO, Thaide e Dj Hum, Facção Central, Face da Morte, Sistema Negro, SP Funk, Posse Mente Zulu, e compreender a extensão do mal que a polícia, o racismo institucional, o abandono das autoridades, se abatia sobre a população periférica.

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É futebol e arte, mas também a eterna luta pela conscientização

Desde então, essa força combativa só aumentou. A Rede de Saraus se tornou uma manifestação muito importante nesse momento como novo palco de expressão da cultura periférica. Surgiram, no fim da década de 1990, os saraus literários da Vila Fundão, a Cooperifa de Sergio Vaz e o Sarau do Binho. Os saraus e o movimento hip-hop começaram a revelar uma profunda articulação. Até hoje. No Capão Redondo, várias entidades comunitárias surgiram e criaram um novo mapa da cultura, arte e cidadania na periferia. Capão Cidadão, Agência Solano Trindade, União Popular de Mulheres, MOVA, Casa do Zezinho, Reviver Capão e muitas outras.

Conheci a Capão Cidadão há pouco tempo. Durante os preparativos do Festival Amanhecer contra a Redução. Conheci Paulo Magrão e já conhecia Eliane Dias, também uma das lideranças da região. O primeiro movimento da ONG, foi um chamado: “Não a violência, Eu quero lazer! Hoje em dia promove atividades culturais como dança, teatro, música, educação e esporte. A organização atende uma média de 226 crianças e adolescentes. Paulo Magrão lembra que um dia viu um grafite do Raul Seixas com a frase “Sonho que se sonha só é só um sonho que se sonha só. Mas sonho que se sonha junto é realidade”. A partir disso, começou a sonhar junto com as outras pessoas.

No campo do Pantanal, no Capão Cidadão, rolou nesse fim de semana, dentro do evento “Estética das Periferias”, o Futebol Callejero, trazido pela Ação Educativa. Criado na Grande Buenos Aires, Argentina, no bairro de Chaco Chico, foi importante para refazer as relações humanas entre bairros, comunidades e moradores de diferentes pontos da cidade. Os conflitos entre bairros já causavam ferimentos e mortes. Quase uma guerra de gangues. Outras questões foram colocadas na mesma partida: a igualdade de gênero, a igualdade de condições físicas, financeiras, psicológicas, como elementos que se integram ao sentido de vitória.

Mais ou menos assim. Formaram-se 8 times completos. Primeiro tempo. Antes de começarem cada peleja, os dois times se reunem e decidem as regras. Lembrando que não existe juiz filho da p… Existe apenas um mediador para que todos os participantes do jogo ou campeonato, cheguem a um determinado ponto comum. Segundo tempo. Escolhidas as regras, jogam-se a partida. Tudo igualzinho a uma partida de futebol. Terceiro tempo. Após o apito final do árbit…, digo mediador, todos se reúnem atrás do campo.

O resultado em campo é só um dos elementos que se conta para termos o resultado final da partida. Esse time teve mais fairplay com os jogadores do outro time? Golaço! Aquele time fez jogadas coletivas mais bonitas durante o jogo? Golaço! É, mas o outro fez mais faltas? Perdeu, playboy! Mas esse time jogou com mais meninas? Golaço! Tem mais uma. O cara foi mó fominha nesse outro time? Perdeu, playboy! Resultado final: 3 x 3. Em comum acordo, resolveram terminar a partida nos pênaltis. Os caras estavam cansados para mais uma prorrogação. Ok! Mas, afinal, quem foi campeão? Não teve vice, não! Todos os 8 times foram considerados vencedores. A única diferença era o tamanho dos troféus. Coisa pouca, diga-se de passagem.

Tudo isso foi ainda mais divertido com a presença do Coletivo Narra Várzea. São narradores esportivos, que intercalam poesia, rimas, discussão sobre temas como gênero, racismo, redução da maioridade penal entre os comentários futebolísticos e os gritos de gol. Entre eles, Dugueto Shabazz, velho bróder em ações da Frente 3 de Fevereiro. A rapaziada se diverte com as tiradas dos narradores, além de aprender um pouco de cidadania, política, diversidade e tolerância.

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Distribuição de troféus é apenas simbólica; variam de tamanho, mas são iguais na simbologia

O caminho contrário

Tudo isso aconteceu em apenas um fim de semana, onde pudemos estar. Em todos os cantos da cidade, a periferia eclode em manifestações comunitárias. Arte de rua, futebol de várzea, cultura negra, indígena, imigrante. Onde o caminho não é passagem. Onde o caminho é fim.

Lá na Avenida Paulista, o Lulabalão ainda é o centro. Nos contentamos com esse FlaFlu paulistano. Onde os sentimentos mais podres do ser humano são condensados. O racismo, a prepotência, a intolerância, o reducionismo, o machismo, a incrível falta de senso de noção. Estão construindo na Paulista, muros mais altos dos que estão sendo construidos na Hungria e Bulgária. Mais duradouros que o fatídico Muro de Berlin. Muros mais extensos que a Muralha da China. Mais absurdos que o Muro do México. Muros invisíveis mais altos, mais duradouros, mais extensos e mais absurdos que os muros que já foram construidos em anos de desintegração entre centro e periferia. Refugiados de nós mesmo. Mas podemos atravessá-los como flecha em fogo e reduzirmos essa estrutura inerte a pó. Pois a periferia é logo ali.

Ali, a força se faz no empoderamento. A força se faz no ajuntamento. A força se faz no alumbramento. Ali, logo ali, um passeio pela represa no Grajaú, um festival contra a redução em São Mateus, uma instalação audiovisual nas cercanias do Aeroporto de Cumbica, um parque para brincar e pensar no Jardim Miriam, um paredão dub no Jabaquara, uma rinha de MC’s em Diadema, um cinema ao ar livre na Cidade Tiradentes, um mutirão de grafite na Cachoeirinha. Ali, logo ali. Quando o centro se torna periferia. E a periferia se torna o centro. Inventando outro percurso. Transformando nosso discurso.

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