Quando recebi o e-mail-convite para o festival BR135, em São Luís do Maranhão, um item me chamou especial atenção entre diversos argumentos graciosamente colocados para me convencer a comparecer: “afeto”. Aceitei.
Não era retórica. Nos quatro dias passados na São Luís de minha adorada Alcione, fui cercado de afeto por entre shows, músicas, conversas, obras de arte culinária, alguns CDs, um documentário em DVD, uma pequena montanha de livros.
Os outros títulos que Bruno passou de suas mãos para as minhas não são menos apetitosos: O Reggae no Caribe Brasileiro (Caribe brasileiro, ouviram, reacionários nordestefóbicos/brasilfóbicos?), de Ramusyo Brasil; Onde o Reggae É a Lei, de Karla Freire; a novela gráfica Barato 66, de Luciano Irrthum com o próprio Bruno, o catecismo A Intrusa, escrito por Bruno em eu-lírica feminina, e daí adiante – todos de linda e apurada apresentação gráfica. Eu sei, o Maranhão é terra de poetas e literatos, mas que gosto dá ver tamanho esmero.
Nas duas noites de shows no maravilhoso, maltratado e desconservado centro histórico de São Luís, convidados paraenses (Felipe Cordeiro, Dona Onete) e pernambucanos (Mombojó) complementaram com mais afeto e troca uma saraivada de apresentações de bandas e artistas maranhenses. Ali Bruno Azevêdo também era figura constante, participando como músico de shows como o que mais gostei entre todos que vi, do grupo bregacult (perdão pelo rótulo idiota) Forrozão Mão na Xereca.
“Nada é mais importante do que foder”, resume um hino da Mão na Xereca, sobre um rapaz tímido na vida real que encontra valentia para abordar via Facebook a menina por quem tem tesão – “para foder, foder, foder gostoso”, e quem nunca?
A antena parabolicamará de Gilberto Gil se faz presente no retrofuturismo de teclados da Mão na Xereca e em cada detalhe do BR135. Um drone (ó céus, o que será daqueles que viam discos voadores neste tempo incrível de minúsculas naves não tripuladas?) filma do alto as apresentações de cacuriá (de Dona Teté, já falecida), tambor de crioula (de Mestre Amaral) e bumba-meu-boi.
Nos ornamentos impactantes do Boi de Santa Fé, luzes tecnobrega e CDs usados reluzem feito ouro e prata e multicor, demonstrando que a tradição também sabe assimilar, zombetear e mastigar a (ex-)inovação.
No show de Dona Onete, os olhos dela cintilam de estar se apresentando pela primeira vez no Maranhão, misturada à molecada maranhense que toca blues e MPB e rock e forró e reggae e brega e muitos etc. Pará e Maranhão (ó o Caribe brasileiro!) são estados vizinhos que só agora tentam adquirir o hábito de se frequentar.
O BraZil não conhece o BraSil, cantava Elis Regina e gosta de lembra sua filha Maria Rita. Não conhece, mas está louco para conhecer e já está conhecendo, querida(s) Maria Elis Rita.
Por sinal, Alê Muniz e Luciana Simões, os curadores-organizadores do BR135, me contam que, assim como Dona Onete, nunca se apresentaram no estado vizinho, nem sequer o visitaram. O Brasil nunca foi ao Brasil…
Jumtos, Alê e Luciana formam a dupla-casal Criolina. Não se apresentam como artistas nesta que é a terceira e maior edição do festival, com convidados de fora, palestra de Marcelo Yuka, tal e coisa. O empenho, desta vez, se direciona a espalhar amor e cuidado aos artistas e espectadores conterrâneos.
Curadores e músicos e jornalistas e artistas e provocadores reunidos nas mesmas pessoas, Bruno Azevêdo e o(a)s Criolina retratam bem o que é a cultura em lugares onde o faça-você-mesmo impera e marginaliza preconceito, discriminação e isolamentos. É o caso, também, do amorosíssimo casal formado pelos jornalistas Andréa e Celso Borges, ele também assessor de imprensa do BR135, poeta, documentarista, compositor e parceiro musical do conterrâneo Zeca Baleiro. De autoria de Celso, recebo o livro de foto e poesia O Futuro Tem o Coração Antigo (a antena parabólica, camará!) e o documentário A Estrela e o Vagalume – Carlos & Zelinda, sobre um casal (outro casal) que marcou a vida cultural de São Luís.
No vaivém dos quadris da tradição-invenção, é hora de deixar São Luís. Me despeço me perguntando o que pode ser mais rico que visitar um lugar e voltar com a bagagem cheia de afeto e novas fontes de saber. Com a mala cheia de amor e cultura, parto para a rodoviária de São Luís, rumo à cidade de Imperatriz, no sul maranhense, divisa com o Tocantins, e rumo ao Brasil interior.
A rodovia que pego para me embrenhar por lugares que são meus desde o berço é a BR135.