O Novo Testamento poderá ser recolhido no Brasil! O Biografado não autorizou e a familia não foi encontrada para receber direitos de liberação da privacidade!

Não há, na história, “biografia” mais manipulada do que a do grande Avatar, cuja fundamentação histórica, aliás, é muito questionada.. Nem o Personagem e nem a família foram consultados. Milhares de versões foram se multiplicando, apenas fundamentadas na tradição oral, o que hoje é meramente classificado como “fofoca”, “diz-que-diz”… Fortunas foram ganhas, impérios se agigantaram, ruíram, reergueram-se com novos nomes. Mas não há novidade nenhuma no mundão velho-de-guerra. Sempre a mesma bosta.

O Ser Humano, criação suprema do Universo, é primordialmente um tubo produtor de fezes, e falante. Realmente o mundo “moderno” vai se consolidando como o único inferno que existe, irracional, truculento, grosseiro, escravizador, sem privacidade alguma, e é politicamente incorretíssimo ser retrógrado. Tudo pela informação, o direito do coletivo se impõe ao nobilíssimo indivíduo. Ser indivíduo é a coisa mais perigosa e proibida que existe.

Essa discussão sobre as biografias já caiu. O Procure Saber buscou uma razoabilidade que não se sustenta. É o maior barco furado desde a arca de Noé, e quem entrou nessa, por mais justificáveis que fossem seus argumentos, já está condenado porque se tratam de direitos midiáticos num mundo que não quer saber de privacidade alguma.

Sou contra figuras queridas e colegas de obras respeitáveis se exporem dessa forma, se tornando “Judas” ( aliás, os Judas também são necessários para a consecução de planos mirabolantes ). Pois que os biógrafos falem o que quiserem, liberdade total, luz do sol nas feridas. É inadmissível que biografias realmente vergonhosas possam se acobertar debaixo dessa manta autoritária. Na mesma barraca da privacidade das “celebridades respeitáveis” acampam os maiores bandidos da história. Como lutar a favor dessa estupidez ? Como se postar “heroicamente”, mas muito “retrogradamente”, contra a construção de uma sociedade brasileira democrática, ainda tão rudimentar?

Muitas das entrevistas desse grupo, o Procure Saber, têm sido catastróficas, um pântano de enganos, um emaranhado de incongruências, areia-movediça de armadilhas, por si só um escândalo maior do que qualquer biografia não-autorizada. Lamentável. Olhem o estrago que está sendo feito nessas biografias!

Se a Justiça é incompetente ao aplicar sanções contra o estrago das biografias antiéticas, e esse é o cerne da questão que a lei vigente visaria “proteger”, o que dizer da impunidade geral? Como fica a população anônima, desprotegida de qualquer prerrogativa especial, sem poder algum de persuasão? E depois que essa excrescência se consolidar, como vai ficar o jornalismo? Há, mesmo, o risco de que, de erro em erro, avancemos para uma sociedade totalmente blindada, chapa-branca. É por isso que essa lei vai cair, e não adianta essa chiadeira. Já caiu. Que perda de tempo!

Entendo que Roberto Carlos, um mestre no fascínio das multidões, deva muito, mas muito mesmo, de seu mito à aura de mistério que cerca sua vida, seus dramas, seus fatos obscuros, construindo uma “lenda” que rende muito mais assunto e proventos enquanto mantida cercada de segredos. Fela Kuti, Michael Jackson, Elvis, Napoleão, Hitler, Shakespeare, Picasso, Bob Marley, todos os grandes ídolos sempre foram assim, um misto de humano e sobre-humano. As pessoas comuns também devem saber que isso é uma tática recorrente, desde os cafundós da história.

Querem exemplo mais flagrante do que o de Van Gogh, o “injustiçado”? A “Aura do Mito” é tudo.

Mas o que seria da história sem as biografias, com erros, imprecisões? Uma biografia ruim é ruim e irá para a lixeira. No final, ao correr dos séculos, o que fica mesmo são as não-autorizadas. Eis o mundo.

Já que a discussão se generalizou, ocupando espaços monumentais nos formadores de opinião, seria muito mais adequada a liberação prévia das biografias, sim, desde que acompanhada de um quadro claro de sanções (que não existe – depende de jurisprudências que também não existem). Medidas balizadoras, valorando pesadamente, a priori, os excessos eventualmente comprovados, os relatos mentirosos, e as devidas reparações, inclusive o recolhimento dos livros flagrantemente infratores, facilitando com isso a monitoração da Justiça, que é cronicamente desaparelhada de instrumentos efetivos para cumprir sua função. Mas a Justiça está aí pra isso.

Cá entre nós, se há uma modalidade pernóstica atualmente é a tal da biografia de celebridade-com-jornalista. Esse tipo de biografia caça-níqueis eu não gosto, porque além de chapa-branca, geralmente é mal feita e resulta numa titica. Ou o cara conta a sua historia ou deixa para alguém contar.

Gostei muito da de Eric Clapton. A de Danuza Leão é um primor, genial, despudoradamente elegante. Erasmo Carlos fez uma biografia maravilhosa, contando suas engraçadas peripécias. E fez muito bem. É isso aí. Apoiado. Adorei, é ouro puro. Ninguém jamais contará sua história de forma tão humana, verdadeira, porque só ele estava lá, e sabe escrever como ninguém. Hoje, ele faz parte desse grupo da camisa-de-força. Por quê? Não entendi, porque gosto muito dele como músico, poeta e escritor magistral. Sempre gostei quando ele cantava “falem bem ou mal, mas falem de mim”…

Posso estar errado, posso até me arrepender um dia, e ser vítima de uma biografia maldosa, mentirosa, mas nesse caso ela não será biografia. Será ficção.

 

Guilherme Arantes é cantor e compositor de “Meu Mundo e Nada Mais” (1976), “Cuide-Se Bem” (1976), “Amanhã” (1977), “Loucos e Caretas” (1979), “Aprendendo a Jogar” (1980), “Deixa Chover” (1981), “Planeta Água” (1981), “Lindo Balão Azul” (1982), “O Melhor Vai Começar” (1982), “Brincar de Viver”,  “Fio da Navalha” (1984), “Cheia de Charme” (1985), “Coisas do Brasil” (1986), “Um Dia um Adeus” (1987), “Sol da Meia-Noite” (1999), “Cena de Cimema (Tributo)” (2007),  “Condição Humana” (2013) e dezenas de outras.

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2 COMENTÁRIOS

  1. Bom texto. Radical no início chamando a atenção de leitores talvez não muito assíduos. Conclusão muito interessante com um tom irônico/brincalhão ímpar e qualificado

  2. A questão é que tem que separar a parte pública das biografias da parte sobre a vida privada. A parte pública é de interesse geral, diz respeito à sociedade. A vida privada não é de interesse geral e não diz respeito a ninguém, por mais famoso que seja o biografado, isto independe da qualidade da biografia. Publicar uma obra sobre vida privada de alguém´, à revelia deste, viola o direito à vida privada.

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