Ninguém entende um punk?

0
1309

Para acompanhar as passeatas da semana, um guia de vocabulário (por vezes datado) do punk rock brasileiro dos anos 1980, com Mercenárias (foto), Cólera, Inocentes e outros.

 

Hoje é dia de São Paulo ir às ruas de novo – e desta vez, pelo que leva a crer o burburinho nas redes sociais, gregos & troianos terão de se aturar reciprocamente, desde o largo da Batata até não se sabe onde.

Os humores se movem rapidamente desde que começaram as manifestações do Movimento Passe Livre (MPL), de lá para cá engrossado a cada dia por baianos & paranaenses. Quem era contra já está a favor, a esta altura há aderência até a partir da mídia tradicional que, na quarta-feira, pedia violência em editoriais raivosos.

Para você ter uma ideia da virada, há três dias a Veja aplaudia a brutalidade da Polícia Militar na manifestação de quinta-feira; hoje, a mesma revista, com a mesma cara de pau, está aplaudindo os… manifestantes!

A Folha de São Paulo, por sua vez, publicou ontem uma reportagem inacreditável dando conta de que o “serviço secreto” da PM “descobriu” que o partido político trans-esquerdista PSOL estaria “arregimentando” punks e anarcopunks para fazer violência nas passeatas. A Folha, note-se, aparenta acreditar na doida teoria do serviço secreto da polícia tucana. Tá todo mundo louco, oba?! Desde quando mesmo não-movimentos de base anarquista são recrutáveis por partidos de esquerda ou de direita?

Tudo isso somado e misturado traz nostalgia do punk rock brasileiro dos anos 1980, que cuspia fogo por bocas e guitarras de bandas (várias delas paulistas) como Cólera, Olho Seco, Inocentes, Plebe Rude, Mercenárias, Garotos Podres, Ratos de Porão, 365 etc. etc. etc.

Estou aqui ouvindo punk rock brasileiro de 20 e 30 anos atrás como forma de “esquenta” para os atos de daqui a pouco. Toma aí pra você também, só uns trechinhos de letras/ Algumas delas, já vou logo avisando, soam completamente (ou parcialmente) datadas neste amalucado 2013.

“Pânico em S.P.” (1986), Inocentes: “As sirenes tocaram/as rádios avisaram que era pra correr/ as pessoas assustadas e mal-informadas se puseram a fugir sem saber por quê/ pânico em SP! pânico em SP! pânico em SP!/ o jornal, a rádio, a televisão,
todos os meios de comunicação/ neles estava estampado o rosto de medo da população/chamaram os bombeiros/ chamaram o Exército/ chamaram a Polícia Militar/ todos armados até os dentes/ todos prontos para atirar/ havia o quê? pânico em SP!/ mas o que eles não sabiam/ aliás, o que ninguém sabia/ era o que estava acontecendo/ ou o que realmente acontecia”.

“FMI” (1984), Ratos de Porão: “Quando eles resolverem nos cobrar/ nosso território teremos que doar/ nossa dívida externa não há jeito de pagar/ o dólar aumenta, nossa dívida também/ e não há jeito de pagar/ e não adianta se desculpar/ somos todos vendidos”.

“Nunca Fomos Tão Brasileiros” (1987), Plebe Rude: “Sou brasileiro/ vocês dizem que sim/ mas importações não deixam ser assim/ pra que tudo isso na região tupiniquim?/ nasci aqui, mas não só eu/ vocês estão neste barco também/ (…) de que adianta vocês viverem assim?/ ser prisioneiro dentro do seu próprio jardim?/ pra que tudo isso na região tupiniquim?/ (…) não temos identidade própria/ copiamos tudo em nossa volta/ nunca fomos tão brasileiros”.

“Periferia” (1984), Ratos de Porão: “Tudo acontece na periferia/ brigas, mortes/ na periferia/ tiros, sangue/ na periferia/ na periferia/ tudo acontece na periferia”.

“Passeata” (1984), Cólera: “Gás – gás!/ bomba – bomba!/ vamos enfrentar/ vamos enfrentar/ todos na rua/ vamos gritar/ contra o fascismo/ temos que enfrentar/ gás – gás!/ bomba – bomba!”.

“Censura” (1987), Plebe Rude: “Unidade repressora oficial/ a censura, a censura/ única entidade que ninguém censura/ (…) contra a nossa arte está a censura/ abaixo a cultura, viva a ditadura”.

“Polícia” (1986), Mercenárias: “Polícia pega, polícia para, polícia pega, polícia para/pelas ruas da cidade/ pelo centro da cidade/ pelas ruas do subúrbio/ por toda a cidade/ (…) onde é chamada/ polícia vai/ onde não é chamada/ polícia vai/ (…) onde é chamada/ polícia vai/ onde não é chamada/ ela vai também”.

“Cidade Chumbo” (1987), Inocentes: “Há um silencio mudo/ tenho que acreditar/ a cidade dorme um sono profundo/ nunca vai acordar”.

“Canção para Marchar” (1987), 365: “Jovens nas ruas começam a marchar/ tiros no escuro, há algo no ar/ há uma nova canção/ há uma nova canção que está no ar/ a luz que desceu cegou seu olhar/ agora seu rumo é fácil de achar/ saiu de casa, quer solução/ seguem os tiros, a revolução”.

“Direitos Humanos” (1986), Cólera: “Quando eu passo à noite nas esquinas/ esperando um ônibus que nunca vem/ vejo mulheres prostituídas/ tento imaginar por quê/ vejo moleques rasgados, perdidos/ não têm um amigo/ mas por quê?/ dê uma olhada pra estas vidas/ onde estão/ onde estão/ os direitos de viver?/ eu me lembro/ falam da declaração/ que nascemos livres/ livres por iguais/ mas não entendo se escolhemos/ ou se alguém escolheu por nós/ não está certo/ alguns tão ricos/ outros não têm nem um amigo”.

Liberdade (Onde Está?)” (1985), Garotos Podres: “Onde está a liberdade/ que eu nunca a vi?/ ando pelas ruas e tenho que dar satisfação aos fascistas/ vejo nas calçadas pessoas alienadas/ procurando alguma coisa/ sem encontrar nada/ querem nos proibir de tudo/ até mesmo de pensar/ pois nosso cérebro eles querem lavar/ para nossas vidas escravizar”.

“São Paulo” (1987), 365: “Sem São Paulo/ o meu dono é a solidão/ diga sim
que eu digo não”.

“Falsa Liberdade” (1981), Olho Seco: “Precisamos dizer algo/ precisamos fazer justiça/ a tudo que está acontecendo/ eles pensam que são fodidos/ só porque carregam armas/ para usar contra os punks/ nós nos sentimos livres com a boca fechada/ nós nos sentimos livres com as mãos algemadas/ nós nos sentimos livres entre quatro paredes”.

“Miseráveis Ovelhas” (1985), Garotos Podres: “Miseráveis ovelhas de um imenso rebanho/ onde os pastores são os próprios chacais/ se vossa morte trouxer-lhes algum lucro/ eles os matarão como animais/ para eles trabalha e lhes dá a vida/
em troca eles lhes dão/ a fome, a miséria e a escravidão”.

“Cadê as Armas?” (1988), Mercenárias: “Tantas barricadas/ como em pesadelo/ no centro da cidade/ névoas de fumaça/ o velho teatro brilhando entre chamas/ numa invasão de antigos bárbaros/ vitrines quebradas/ imagens da fúria/ do alto de edifícios papéis são picados/ as tribos dançando em volta da fogueira/ fazem das escadas altar de sacrifícios/ tantas barricadas/ como em pesadelo/ no centro da cidade/ névoas de fumaça/ os gatos assistem/ ônibus virados/ a dança enlouquece/ rojões atirados”.

“Só Armas Não Fazem a Revolução” (1990), 365: “Somos filhos de uma era/ sem rosto, sem coração/ sentimento gelado/ sem emoção/ (…) um ser humano amarrado/ em cima do muro/ flores não vencem canhão/ só armas não fazem a revolução”.

“Somos Milhões” (1988), Mercenárias: “Nosso trabalho sustenta esse jogo/
somos milhões e vivemos à parte”.

 

P.S.: Não é punk nem anarcopunk, mas é rap: “Pânico na Zona Sul” (1990), Racionais MC’s: “Justiceiros são chamados por eles mesmos/ matam, humilham e dão tiros a esmo/ e a polícia não demonstra sequer vontade/ de resolver ou apurar a verdade/ pois simplesmente é conveniente/ e por que ajudariam se eles os julgam deliquentes?/ e as ocorrências prosseguem sem problema nenhum/ continua assim o pânico na Zona Sul/ (…) o sensacionalismo pra eles é o máximo/ acabar com delinquentes eles acham ótimo/ desde que nenhum parente ou então, é lógico,/ seus próprios filhos sejam os próximos/ (…) a mudança estará em nossa consciência/ praticando nossos atos com coerência/ e a consequência será o fim do próprio medo/ pois quem gosta de nós somos nós mesmos/ tipo porque ninguém cuidará de você/ não entre nessa à toa/ não dê motivo pra morrer/ honestidade nunca será demais”.

 

 

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome