ufs, correria danada aqui. mas olha só, retomando.

série jabá vol. iii, “carta capital” 367, 9 de novembro de 2005. o papo agora é a tv aberta de alto alcance, na conjuntura dos faustões e gugus que você tão bem conhece, das globos e sbts do pedaço, daquele mundão de editores “inteligentíssimos” que acreditam que seu espectador “médio” é um tipo assim bem parecido com homer simpson (quem aí leu a espetacular brasiliana desta semana, “de bonner para homer”, assinada por laurindo lalo leal filho?).

[para bem do nosso contexto, convém lembrar que outro dia a joelma, da banda calypso, deixou escapar que o programa de gilberto barros era o único que, no início da carreira do grupo paraense, não tinha o hábito de cobrar por apresentações em seu minifúndio na telinha dourada. é o avesso, em vários sentidos, do que afirma magrão na reportagem abaixo; e parece que a própria joelma já se desdisse, depois do dito (ou não dito). enfim…]

A TRILHA INVISÍVEL DO SUCESSO NA TEVÊ

Por Pedro Alexandre Sanches

Como se fabrica o sucesso musical a partir de um programa televisivo popular? Poucos saberiam responder melhor a uma pergunta como essa que o diretor Roberto Manzoni, que perambula pela tevê brasileira desde 1967, quase sempre em íntimo contato com o comunicador Silvio Santos.

Funcionário do SBT durante 33 anos e diretor dos programas apresentados por Gugu Liberato, Magrão (como é mais conhecido) foi o condutor da programação musical que ajudou a moldar, principalmente nos domingos, o gosto popular brasileiro.

A arquitetura e a construção dos sucessos musicais que impulsionam a audiência dos programas e vice-versa permanecem como um segredo guardado dos espectadores comuns e alimentados, muitas vezes, por acordos comerciais entre emissoras e gravadoras, invisíveis a olho nu pela tela da tevê. No porão mais oculto dessa construção mora o tabu do jabaculê, a promiscuidade não declarada entre espaços artísticos e espaços publicitários.

“Eu não tenho jabá, nunca fiz jabá, mas, sim, usei a disponibilidade das gravadoras para poder viabilizar as minhas coisas”, afirma Magrão, figura especialmente visada pelas batalhas por audiência que comandou com Gugu, contra o global Fausto Silva.

“Em tevê, o jabá que tem ou que tinha é ‘uma mão lava a outra’. Não tem jabá. O pessoal fala que para tocar em rádio custa R$ 50 mil, R$ 20 mil, R$ 10 mil, R$ 5 mil, R$ 1 mil. Quanto a gravadora teria que vender para pagar isso? Seria muito disco, então isso é mentira, pô. Até pode existir promoção, ajuda, mas ‘jabatear’ acho muito difícil”, ele continua.

Ele próprio relata exemplos abundantes do que chama de “uma mão lava a outra”. “Não é que a gravadora dê um dinheiro para você botar o artista no programa, nada a ver. Eu e Gugu fomos para Nova York fazer uma entrevista com Whitney Houston. A gravadora pagou a viagem, tudo direitinho. Era legal, porque era uma grande matéria com exclusividade, e a gente aproveitava a carona e gravava a Estátua da Liberdade, fazia reportagem com brasileiros que trabalhavam lá. Beneficia todo mundo, é bom para o programa e para a gravadora.”

Outro exemplo: “Fui para a Argentina ver Ricky Martin, tinha gente da América Latina inteira, de tevê, rádio e imprensa escrita, por quê? Ele ia fazer turnê pela América Latina, e estava sendo bancado pela multinacional, pela matriz, pela mãe das gravadoras”.

Mais um, localizado em território sagrado e constatando a crise de liquidez em que se encontra hoje um mercado fustigado pela pirataria e pelo avanço da internet: “A gente ia com Padre Marcelo a Jerusalém, para fazer uma matéria fantástica, tudo pago pela gravadora do padre Marcelo, em promoção. Agora não tem mais grana, não pode fazer mais. Hoje em dia raramente você vê uma gravadora gastando grana.”

Magrão discorda que acertos como esses promoveriam uma sociedade informal e potencialmente nociva ao espectador, que fica sem enxergar os nexos entre quem fabrica as músicas mais populares de um artista e quem fabrica os programas mais assistidos de uma rede de tevê.

“Não é uma sociedade, de jeito nenhum. Eu sou da época da tevê, com Silvio Santos, em que a gente pagava cachê para todos os artistas. Todos cantavam no gogó, com orquestra ou conjunto. Não tinha nenhum dublando, mas o playback chegou para dar mais qualidade”, começa a explicação.

“Hoje, não, porque as gravadoras e os artistas têm interesse em fazer. Uma apresentação num programa top de linha, que dá 20, 30 pontos de ibope vende disco para caramba. Não tem cachê, o que a gente ajuda às vezes é a pegar o cara no aeroporto, oferecer alimentação, dividir com as gravadoras despesas de hotel e passagem”, conclui.

Magrão opina sobre o episódio de iPods oferecidos pela gravadora Warner a jornalistas que iriam entrevistar a cantora Maria Rita: “Acho que deveriam ter aceitado, é babaquice não aceitar. Se o cara vai lhe dar um presente, ele não está comprando você. Tem jornalista que fica magoado de ganhar um presente caro, mas ao mesmo tempo vai a uma churrascaria e come de graça. Qual é a medida de ética?”

No livro Os Bastidores da Televisão Brasileira, que lançou há pouco, Magrão relata outro tipo de aliança entre as duas pontas complementares da indústria “cultural”. É quando conta a ascensão do grupo adolescente KLB, integrado por três filhos de Franco Scornavacca, à época empresário de Zezé di Camargo & Luciano.

O Domingo Legal queria a dupla sertaneja em sua tela, e o empresário desejava emplacar o KLB. “O Gugu liberou, aprovamos o acerto e o Franco vetou o Zezé no Faustão. Para nós e para o KLB a negociação foi ótima. Lançamos o trio, e hoje eles são um megassucesso”, escreve Magrão, expondo o pano de fundo gritante da guerra pela audiência entre Globo e SBT.

Em 2003, picos extremos resultaram dessa guerra, e a campanha Quem Financia a Baixaria É contra a Cidadania imprimiu mais pressão sobre o populismo dominical. Contrário à idéia de reduzir a dita “baixaria” no Domingo Legal de Gugu, Magrão passou a se incompatibilizar com o SBT. Ironicamente, pediu demissão poucos dias antes de o programa forjar uma entrevista com supostos integrantes da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), episódio pelo qual Gugu responde a processo criminal ainda em tramitação.

Após a crise causada pelo episódio, foi reconvocado por Silvio Santos, mas poucos meses depois seria ele o demitido. “Eu ganhava R$ 68 mil, e propuseram reduzir para R$ 28 mil. Respondi que não aceitava.”

Do trauma da demissão (relatado por ele no livro), ergueu o empreendimento de estrear um programa próprio, ser o Silvio e o Gugu de si mesmo. “Antigamente eu queria dar 30 pontos de ibope, hoje em dia com três eu estou satisfeito”, afirma, sobre O Poderoso Magrão, que há quatro meses comanda, coladinho com o Gugu, nas tardes dominicais da Rede Gazeta.

CartaCapital testemunhou uma gravação do novo programa (ele não vai ao ar ao vivo), no fim da noite de terça-feira 1. Sem muito timing de apresentador, Magrão enfrenta o desafio caracterizado, com a banda de apoio e demais auxiliares de palco, em trajes de O Poderoso Chefão.

Da sala de controle, o diretor interrompe a gravação e brinca ao microfone com a equipe. “Espera aí que a Sol [personagem da novela global América, em seus últimos momentos] está se afogando. Está dando 65 pontos”, diz, antes de começar a relatar a audiência de cada emissora naquele minuto.

Agora é brincadeira, mas no domingo a maquininha de medir ibope irá funcionar. “Se estou dando 3 pontos e cair para 1, acabou. Ninguém mais vai querer vir ao programa”, diz Magrão, que naquela noite recebia o Axé Blond, o novo projeto de samba de um dos ex-integrantes do grupo adolescente Br’oz, o rei do brega dos anos 70 Baltazar e as funkeiras cariocas da Gaiola das Popozudas.

“Hoje sou um cara pequenininho. Trabalho com artistas medianos, e de vez em quando vem um ou outro nome maior. Já trouxemos Kelly Key, Rastapé, Falamansa, Frank Aguiar. Vou ser sincero, no início pensei que ia trazer a galera grandona, mas senti a retração e me manquei”, relata os novos tempos.

“Não tenho verba nenhuma. Não pago nada, nem passagem, nem hotel. Já deixei de pôr bons artistas porque o cara dizia ‘Magrão, custa quatro paus para trazer’, quer vir a São Paulo com o empresário, o tio, a avó, a mãe, o hotel, o carro. Digo ‘obrigado’, não pago porque não posso pagar.”

Magrão fica triste com os “grandes” que debandaram? “De maneira nenhuma. Ajudei muitos deles, mas fico na minha. O mundo gira e a lusitana roda, amanhã posso estar dirigindo um grande programa”, responde, vestindo a capa ameaçadora de “Poderoso Magrão”.

“Todo mundo pensa que os grandes nomes são bacaninhas. Não são bacaninhas, não. Só fazem o que querem, só fazem o que a gravadora quer. Nunca falam ‘não’, nenhum artista de nome falou ‘não’ para mim. Mas dizem que naquela data têm show, que têm que fazer Faustão primeiro. Eu não estou nem aí.”

Embora afirme não relacionar o encolhimento da indústria fonográfica (e dos respectivos excessos) com sua própria retirada da linha de tiro do ibope, Roberto Manzoni reflete sobre o novo status. “Se ficar falando aqui, é muito terror, só fui descobrir isso quando saí fora do SBT. Estou vendo o mundo e o meio artístico de outra forma”, avalia, de fora, o cenário de isopor que ajudou a construir.

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