taí um exemplo de reportagem que envelhece precocemente, na mesma medida em que, incrível!, se torna mais atual conforme passam os dias.

na “carta capital” 360, de 21 de setembro, o repórter manifestava certo conforto por perceber que, do primeiro para o segundo disco, a cantora maria rita parecia vir conseguindo reduzir a enorme pressão que tem repousado sobre ela, por razões de conhecimento geral da nação (e de outros 50 países, segundo a nervosa gravadora warner). a entrevista corria descontraída, mesmo com o batalhão (também descontraído) de assessores ao redor. respirávamos aliviados, todos.

mas eis que havia um ipod no meio do caminho. o alívio era falso, a notícia estava datada (ou, mais simplesmente, equivocada?). de três semanas para cá, a tensão voltou a subir umas dezenas de graus, por questões em grande medida extramusicais, em boa parte devido à entrada (e às pequenas piratarias) da “veja” no hoje cada dia mais “célebre” caso ipod (o datado É o atual?).

recapitulemos, pois, porque mesmo que o poderio acuado não o queira admitir, ói nóis aqui no epicentro dessa desconfortabilíssima situação, cheios de interrogações pululando na cuca lelé: maria rita pertenceria a um novo modelo de pop star? a que modelo de pop star pertence? que modelo é esse que (a despeito dos talentos individuais) precisa de, er, “artifícios” humilhados/humilhantes para legitimar seus pop stars, para torná-los válidos e operantes? ou o caso ipod mediria, mais que qualquer coisa, um projeto de desmonte de modelos falidos de estrelato e de todo o circo parasitário que o rodeia (gravadoras multinacionais, diretorias de marketing, assessorias de divulgação, impérios de noticiário, repórteres-profissão-passageiros, críticos de música etc. etc.)?

é preciso que zelemos pela preservação de nossos pop stars? é preciso que nossos pop stars zelem por sua próprioa preservação? é preciso que (todos) nós zelemos por nossa própria preservação?

A PRESSÃO E O ALÍVIO
Maria Rita chega ao segundo CD dividida entre o rolo compressor do sucesso e a superação de comparações com a mãe

Por Pedro Alexandre Sanches

O ar comprimido começa a se dilatar e dispersar, pouco a pouco. A tensão já não é mais a mesma de menos de três anos atrás, quando ela levava às lágrimas aqueles que, espantados, tinham acesso privilegiado às semelhanças entre sua voz e seu gestual de palco e os de sua mãe, Elis Regina (1945-1982).

A pressão também já não é a mesma de quando ela, Maria Rita, apresentou seu disco de estréia pela multinacional Warner, cercada de um carrossel de expectativas do mercado fonográfico, da mídia, da crítica, do público, dos antigos fãs de sua mãe, dos novos fãs conquistados por mérito próprio.

“Todos nós nos sentíamos muito pressionados no lançamento do primeiro CD, cada um na sua esfera. Eu era ao mesmo tempo iniciante e não iniciante, cantora nova e não nova”, descreve, aos 28 anos, a jovem dona da voz.

Tanta compressão começara muito antes, no longo e hesitante intervalo entre a descoberta da paixão por cantar e a decisão de se tornar, enfim, uma artista de MPB. Sob a sombra da herança, seu caso foi tão excêntrico que o sempre delicado momento de lançar um segundo disco parece ser, no caso de Maria Rita, de alívio. “Acho que desta vez muitos dos nossos medos já se dissiparam”, pontua.

Não é que as expectativas tenham baixado na hora da chegada de Segundo (R$ 30 o CD, ou R$ 50 o pacote com CD e DVD de making of da gravação). Segundo a Warner, Maria Rita (2003) vendeu 800 mil cópias no mundo todo, 120 mil delas fora do Brasil.

A cifra não se compara às dos anos 90, quando sertanejos, pagodeiros e padres não precisavam de muito esforço para bater no teto de 3 milhões de cópias por CD. Mas é astronômica se colocada em contraste aos tempos bicudos da indústria musical destes anos 2000.

O diretor de marketing da Warner, Marcelo Maia, dá testemunho disso, dizendo que Segundo ganhou na multinacional o status de “mandatório”, o que determina que seja lançado em todas as subsidiárias da gravadora no mundo, até mais tardar fevereiro de 2006. Trocando em miúdos, a segunda Maria Rita circulará livremente por mais de 50 países.

Outra demonstração de que a panela de pressão continua acesa vem do circo armado em torno da artista na divulgação do CD. Na terça-feira 13, quando atendia a revistas semanais num quarto do luxuoso Hotel Emiliano, em sua São Paulo natal, acompanhavam-na atentamente dois empresários, dois diretores da gravadora e dois assessores de imprensa.

“Não é para intimidar, é uma preocupação. No outro disco, a probabilidade de ataque era grande e o ser humano precisa ser preservado”, justifica, rodeada por assessores (e jornalistas) mais descontraídos que da outra vez.

Esse tom a mais de descontração pode corresponder ao do novo disco, que radicaliza o formato mínimo de piano, baixo acústico e bateria, realça sua voz e a torna condutora de climas quase sempre serenos. E foi fruto, sim, de uma crise passageira, durante a qual ela chegou a achar que o resultado estava “muito para baixo”.

“Quando ouvi o resultado, passei alguns dias num dilema horroroso. Eu estava com meus fantasmas muito mais aflorados. Dei um passinho para trás, caiu minha ficha de que eu estava pensando pelos outros, projetando em mim o que os outros iam pensar do segundo disco. Saí, joguei videogame, fiz a unha, ouvi de novo, vi que era aquilo mesmo, que não tinha necessidade de ter violão, percussão. Essa economia é o que eu vivo, é o mais simples e honesto possível.”

Assumiu a manutenção do formato minimalista e aspergiu gotas de leveza a mais no resultado total ao fazer sobressair autores jovens e/ou pouco conhecidos na mídia (essa é também a tática usada no recém-lançado Hoje, da veterana Gal Costa, produzido pelo pai de Maria Rita, Cesar Camargo Mariano).

Dirigido por ela com o músico pernambucano radicado no Rio Lenine, o disco tornou-se um mostruário da produção contemporânea carioca, com composições de Marcelo Yuka, Marcelo Camelo, Rodrigo Maranhão, Pedro Luís, Moska, Francisco Bosco, Fred Martins e Dudu Falcão. Contrasta, novamente aí, com o disco de Gal, dominado pela cena paulista de compositores.

A serenidade espalha-se pelo disco, até exalando, aqui e ali, modos de melancolia. Mas não é só por razões musicais que a calmaria acontece: entre Maria Rita e Segundo, houve Antônio, seu primeiro filho, hoje com 1 ano e 2 meses de idade.

Maria Rita engravidou no auge da comoção causada pelo primeiro disco. Excursionou até o oitavo mês de gravidez, 150 shows por todo o Brasil (“o meu corpo não pediu para eu parar”).

Se a gravidez não o fez, a chegada de Antônio veio impor limites à engrenagem comercial ao redor, que vinha oferecendo todos os ingredientes para crescer em roda-viva incontrolável. “Agora vou fazer turnê mais espaçada, vai ter fim de semana que não vou fazer show”, avisa, turvando os semblantes de alguns dos presentes no recinto.

Reconhece, aqui, que se inspira no comportamento de Marisa Monte, artista que se esmera na tarefa de definir fronteiras entre o estrelato e o espaço privado. “Marisa Monte é um exemplo perfeito, vira-e-mexe eu penso no exemplo dela. É uma estrela, se preserva, todo mundo respeita”, diz Maria Rita, compactuando com Marisa a postura de se poupar tanto quanto possível de aparecer em programas de tevê.

“Eu tenho minha arte e minha vida pessoal, elas se cruzam e minha vida pessoal sangra para a profissional. As pessoas me vêem no meu máximo, a entrega no palco é tanta que não preciso falar sobre minha vida pessoal. A gente já viu tanta gente valiosa se perder aí”, reflete.

É que, apesar de portadora do vozeirão mais seguro deste mundo, Maria Rita ainda é menina inexperiente e imatura, na vida e na arte. O rolo compressor mora ao lado e ela evidencia o medo dele até na insistência com que recorre ao uso do verbo “pirar” e seus vizinhos: “Prefiro não entender certos detalhes para não enlouquecer nem perder o chão”, “se eu não tivesse esperado para começar, talvez tivesse sido engolida viva”, “eu piraria se me impedissem de cantar”…

Como sair ilesa dos perigos deste mundo, ser mais Marisa Monte e menos Elis Regina? Maria Rita ainda busca as fórmulas, e talvez já tenha descoberto algumas.

“Às vezes, digo que vou sair, minha empresária pergunta: ‘Sozinha?’ Em público, você não pode estar triste, mal-vestida, com o cabelo sujo, de mau humor. Se sou mal atendida, não posso reclamar meus direitos, porque vão dizer que estou dando piti. Você começa a virar refém de sua imagem, o que não é agradável. Aí eu faço questão de andar de Havaianas, calça de moletom, sem maquiagem. Ah, ando”, tateia, puxando ar livre para os pulmões de cantora.

RELAÇÕES PERIGOSAS
A gravadora Warner dá iPods para jornalistas que entrevistam a cantora

Sob o pretexto de permitir a 30 profissionais brasileiros as melhores condições possíveis de audição do novo trabalho de Maria Rita, a Warner Music Brasil montou um kit de imprensa em que constavam, além do CD e do DVD com o making of da gravação, um aparelho iPod Shuffle, com as músicas do disco Segundo previamente carregadas.

O iPod, que armazena grande quantidade de música num aparelho minúsculo, custa US$ 130 na loja oficial da Apple. Como não é fabricado no Brasil, só pode ser comprado no País em versão importada, cujo preço oscila, em sites de busca, entre R$ 562 (na loja virtual Gravit) e R$ 1.190 (no site Submarino).

O diretor de marketing da gravadora, Marcelo Maia, assim explica a promoção: “A Warner entrou em contato com a Apple para propor uma parceria num iPod customizado de Maria Rita. Não houve tempo operacional hábil para essa proposta se realizar. Cada uma foi então para o seu lado e a Warner optou por preparar um kit com a forma mais profissional para se escutar um disco com tão pouco tempo disponível antes das entrevistas”. Segundo Maia, a gravadora optou então por comprar os iPods, o que teria sido feito aqui no Brasil mesmo, por preços que ele disse não saber precisar.

CartaCapital recebeu um desses kits, ouviu o trabalho em CD e no iPod e devolveu o aparelho à gravadora. – PAS

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Editor de FAROFAFÁ, jornalista e crítico musical desde 1995, autor de "Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba" (Boitempo, 2000) e "Como Dois e Dois São Cinco - Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa)" (Boitempo, 2004)

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