enquanto isso, na gringolândia, o bacanudo norte-americano moby fazia um showzaço para a patota gente fina do high society da sampaulândia. espaço das américas, era o nome da nave.
@
cabiam não sei quantas mil pessoas. não sei quantas mil cidadãos e cidadãs sacudiam o esqueleto e cantavam freneticamente aos comandos de mr. moby, adorável sujeito-normal-com-cara-de-mané, enquanto ele se lamuriava: “why does my heart feels so bad?”.
@
moby, dick, se multiplicava por seis, sete, oito telões gigantes, mas muito menos gigantes que o tamanho do espaço das américas, suficiente para abrigar um albergue provisório para não sei quantas mil vítimas do furacão de new orleans, do furacão do jazz, do furacão do blues.
@
o mais surreal era o gigantesco saguão 2, que terminava lá no fundo não em palco, mas no mais gigantesco dos telões gigantes. saguão cheio, a platéia b, que pagara os mesmos módicos r$ 140 de passaporte para o paraíso, se contentava e se fartava em assistir um cinema-show, drive-in da hollywood musical.
@
pareciam todos hipnotizados, os fãs que chacoalhavam hipnoticamente aos sons hipnóticos do rock’n’roll eletrônico do hipnotizador bacana que odeia george w. bush, o presidente de seu próprio país. flautista de hamelin.
@
segundo moby em si propriamente dito (alô, erika) propala (e eu acredito), a maior parte do planeta, inclusive naquela parte do planeta chamada estados unidos, detesta mr. bush, esse assassino cruel e impiedoso de afegãos e iraquianos.
@
alguém aí tem coragem de defender mr. bush? alguém aí se dispõe a ficar com sr. osama, com doctor hussein?
@
alguém aí prefere ser chefiado por mr. da silva que por mr. bush, mr. osama, mr. hussein, mr. magoo, mr. m?
@
pois é, estavam (quase) todos hipnotizados. ambiente chique. r$ 140 na bucha do canhão.
@
jornalista musical, não paguei os r$ 140. a fofa assessoria de imprensa me convidou, eu preciso me informar, é preciso saber viver…
@
um amigo do gabriel pediu para furar a fila de entrada na nossa frente. fez questão de pagar duas cervejas para nós, em agradecimento. recusamos, irritados. constrangidos, aceitamos. “mensalinho ao contrário”, como ouvi falarem hoje na tv?
@
moby, o menino-lobo, uivava: “why does my soul feels so bad?”.
@
lá fora, desde a portinha do paraíso, a fila que encheria não sei quantos mil ônibus no vizinho terminal barra funda e os despacharia ao nordeste do brasil, o clima era bem outro. a hipnose coletiva não ganhava palco, nem platéia, nem firmamento.
@
os ambulantes vendiam de tudo, praticamente empurravam goela abaixo dos mutuários do inamps do rock new age norte-americano produtos não customobyzados feito cervejas, halls, tridents, vodcas, capetas, uísques, búfalos vermelhos. no ipods, please, mr. mowgli, o menino-lobby.
@
trabalhadores braçais que encheriam não sei quantos caminhões de bóias-frias pr’algum canavial compravam ingressos sobrando por uma ninharia, vendiam ingressos faltando por uma mixaria. pra que gastar r$ 140 (ou r$ 70, o melô do estudante), se aqui é a terra do jeitinho?
@
seguranças corpulentos resgatavam da fila meninas, de duas em duas, e as conduziam até o túnel oculto que furaria a fila e encurtaria a viagem nada psicodélica das minimadames d’ouro ao mundo-cão da fila da matrícula, do pão, do leite, da sopa, do remédio, da água potável, do elixir da vida longa que é a música marítima do príncipe da new wave da new age da house music de papel crepom e prata.
@
recrudescia a furação de fila, mensalinho no inps de mutuários miseráveis envernizados por grifes transcontinentais. first world is here, why does my soul? o coro de playboys engrossava a voz, protestando contra os furadores. “furou a fila, sim, e cala a boca, senão apanha. isso aqui é favela”, reagia o antiplayboy forte, negro, alto, viçoso, ameaçador. calavam-se os playboys.
@
“isso aqui é favela.” sim, isso ali era favela. favela chic.
@
a luta de classes era esculpida em agulhas agudas, lá fora. aqui.
@
lá na angulosa brasília, com tubos catódicos & suas prensas, a turma de dentro da redoma brincava com fogo, sem entender o que diabos estava acontecendo nesse tal país do futuro que tanta gente vive de dentro fingindo que desdenha de fora. maroca. poroca. indaiá.
@
esquisitamente, o fenômeno esquizóide continuava a extrair estranheza: esquisitões de rolex & esquisitinhas de daslu insistiam em sacolejar vestindo motivos verde-amarelos em seus corpos bem nutridos. r$ 1,99. cantavam em hino na língua do playmobil, mas vestidos com as cores & as armas do país-chiqueiro da puta que nos pariu.
@
e a luta de classes era torneada em tulipas tortas, aqui dentro. lá.
@
no bar hypado, em busca de cerveja, a princesinha loura se exasperava, gritando aguda pela não sei que milésima vez: “uma cerveja, por favor”. agressivo, o garçom negro perdia a paciência pouca, meu pirão primeiro. olhava-a com sobrancelhas de desdém e respondia: “vai ter que esperar”.
@
lá fora, cachorro-quente com batata-palha, r$ 1. cá dentro, hot dog com pirê de potatoes, r$ 4, olha a brahm’olha a brahm’olha a nova schin, a nova skin. cem milhões a mais, cem milhões a menos. genocídios, cartões de crédito, metralhadoras.
@
“já estou esperando há horas”, gania a aguda, quase relinchando. “vai continuar esperando”, ladrava o grave, agressivo e ameaçador como mais nenhum garçom em todo o circuito jardins-morumbi-alphaville.
@
um tapa nervoso com a mão fina na mesa de fórmica selava a desistência da loura. soberana e incompreendida, ela zunia para o próximo balcão, carregando consigo o fracasso de não ter conseguido ser servida pelo garçom, de não ter sido humilhada em vez de humilhar (como quase sempre acontece).
@
a dondoca boçal ERA o malandro serviçal.
@
e moby não entendia nada. why does your people feel so bad, brazil?
@
seu povo pulava, hipnotizado, sonhando com o poder emanado de $ 140 patacas, in cash. na cabeça-cadeia dos que faziam parte dessa massa, a de dentro & a de fora, não sei quantas mil almas estavam armadas para a luta de classes e apontadas para a cara do sossego.
@
e cada uma das almas se perguntava, sem encontrar resposta: “why, uai, por quê?”.

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome