este tópico veio para reproduzir reportagem musical da carta capital 357, de 31 de agosto de 2005, batizada “a banqueira da mpb”.

mas não resisto e aproveito o calor da hora para citar, também, ou outro assunto caliente. lê aí, antes, um trechinho da reportagem que está nas bancas nesta semana, que quer falar sobre maria rita e seu novo disco, mas teve de “ceder” um “espacinho” à parte para um outro assunto, este que se segue:

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RELAÇÕES PERIGOSAS
A gravadora Warner dá iPods para jornalistas que entrevistam a cantora

Sob o pretexto de permitir a 30 profissionais brasileiros as melhores condições possíveis de audição do novo trabalho de Maria Rita, a Warner Music Brasil montou um kit de imprensa em que constavam, além do CD e do DVD com o making of da gravação, um aparelho iPod Shuffle, com as músicas do disco Segundo previamente carregadas.

O iPod, que armazena grande quantidade de música num aparelho minúsculo, custa US$ 130 na loja oficial da Apple. Como não é fabricado no Brasil, só pode ser comprado no País em versão importada, cujo preço oscila, em sites de busca, entre R$ 562 (na loja virtual Gravit) e R$ 1.190 (no site Submarino).

O diretor de marketing da gravadora, Marcelo Maia, assim explica a promoção: “A Warner entrou em contato com a Apple para propor uma parceria num iPod customizado de Maria Rita. Não houve tempo operacional hábil para essa proposta se realizar. Cada uma foi então para o seu lado e a Warner optou por preparar um kit com a forma mais profissional para se escutar um disco com tão pouco tempo disponível antes das entrevistas”. Segundo Maia, a gravadora optou então por comprar os iPods, o que teria sido feito aqui no Brasil mesmo, por preços que ele disse não saber precisar.

CartaCapital recebeu um desses kits, ouviu o trabalho em CD e no iPod e devolveu o aparelho à gravadora. – PAS

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agora, de volta ao assunto original do tópico:

A BANQUEIRA DA MPB
A contratação de Chico Buarque pela gravadora de Kati Almeida Braga muda parâmetros no mercado musical

Por Pedro Alexandre Sanches

Uma das maiores novidades musicais do ano, no Brasil, chama-se Chico Buarque. A afirmação pode até parecer desprendida da realidade, mas se justifica pelo fato de que se origina no veterano compositor de MPB uma atitude de impacto político no seio da cultura nacional. Chico acaba de interromper uma ligação de 35 anos com a indústria multinacional de música. Chico agora pode dizer que não só musicalmente, mas também nos bastidores, é um artista brasileiro independente.

No pano de fundo dessa transformação está a gravadora exclusivamente brasileira Biscoito Fino, uma das várias empresas ditas independentes que vêm comandando uma reconfiguração no mapa das expressões artísticas e dos grandes negócios da música nacional.

Chico é a surpresa de agora, mas nem é um pioneiro: a mesma BF inverteu parâmetros há três anos, quando fez de Maria Bethânia sua primeira contratada entre os chamados medalhões da MPB. Iniciava-se uma debandada que se espalhou, dali por diante, entre nomes como Gal Costa, João Bosco e Djavan, e que estaria ligada, supostamente, a uma incapacidade das multinacionais em continuar bancando contratos fundados em luxo, privilégios e desperdícios.

O presidente da Sony & BMG, Alexandre Schiavo, que perdeu o passe de Chico para a BF, é lacônico ao tratar do caso, por e-mail: “Vejo com naturalidade a saída de Chico. Ele não tinha contrato com a gravadora, negocia a cada novo disco. Seu empresário apresentou uma proposta e nós, uma contraproposta”. A insinuação aí contida, mas não explicitada, é de que a contraproposta implicaria perdas para Chico.

Mas as mudanças vão de vento em popa. Mesmo sendo de porte pequeno (projeta vender 750 mil discos em 2005), a Biscoito Fino já comemora um crescimento de 80% em relação ao primeiro semestre de 2004. O dado é consolidado pela aquisição do passe de Chico, para a gravação de um álbum inédito, ainda neste ano, e, mais adiante, de um pacote com CD ao vivo e DVD.

À beira de completar cinco anos de vida, a gravadora carioca adota um modelo híbrido, que reverte cânones comerciais tornados hegemônicos pelas multinacionais na década passada, mas não coloca romantismo no lugar de rigor administrativo. A BF é fruto de uma sociedade equânime entre a cantora Olivia Hime e a empresária Kati Almeida Braga, dona do Banco Icatu.

A primeira traz de volta uma instituição desprestigiada pela grande indústria, a da diretoria artística exercida efetivamente por profissionais ligados umbilicalmente à música. “Mas Kati me enlouquece para eu aprender as coisas da parte financeira”, observa a artista, que é casada com o compositor Francis Hime.

A segunda coopera em termos de poderio financeiro e visão gerencial, mas vem de uma longa história de atuação cultural. Foi sócia de Flávio Rangel e Beatriz Segall em empreendimentos teatrais, e também tem proximidade com a arte por razões pessoais: foi casada com o diretor teatral Gianni Ratto e é prima, por lados distintos, tanto de Francis Hime como de… Chico Buarque. “Também toco a área artística, tudo bem misturadinho. Mas vou muito mais para as contas, e Olivia, muito mais para o resto”, explica a banqueira, que se desprendeu em parte dos afazeres no Banco Icatu para se dedicar à BF.

Ao menos em discurso, Kati procura amenizar o impacto da contratação de Chico e do forte crescimento recente da gravadora, que também fixou acordos fonográficos com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), com o respeitado selo instrumental paulistano Pau Brasil e com o espólio de Tom Jobim (o selo Jobim Biscoito Fino acaba de relançar o disco Tom Jobim Inédito, de 1987, antes veiculado pela multinacional BMG).

“A crise do mercado musical, para nós, foi uma oportunidade. Sempre, em todas as crises, em qualquer área, as empresas estabelecidas tendem a sofrer mais, porque têm um custo alto para se reestruturar. Há uma perplexidade, que é o bom momento de outros entrarem leves, pensando em como se estabelecer num cenário de mudança”, afirma.

Estaria aí, em parte, a explicação para o crescimento não só da BF, mas também de outras gravadoras que surgiram nos últimos anos e comemoram avanços expressivos.

A Trama, ligada ao grupo VR, diz ter crescido neste ano 98,5%, em relação ao primeiro semestre de 2004. Apesar de privilegiar artistas jovens, a casa paulista está prestes a lançar o novo disco de Gal Costa, Hoje, em que, pela primeira vez em muitos anos, a cantora interpretará músicas de autores de gerações mais recentes.

Desvinculada de qualquer grupo econômico, a carioca Deckdisc, que aposta em novos talentos, informa que já cresceu 56% em faturamento em 2005. Entre as independentes de maior porte, a única que ainda não arrisca cifras é a Indie, que festejara 300% de crescimento entre 2003 e 2004, colhido em parte por contratações de veteranos como Alcione, Jorge Aragão, Alceu Valença e Luiz Melodia.

Mesmo variáveis, tais dados contrastam com o mercado multinacional, que estaria amargando uma redução de 20% ou mais. A cifra é negada pela Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), que até hoje não divulgou, oficialmente, sequer os números relativos a 2004.

O crescimento pujante das independentes não significa, porém, que haja uma unidade de ação ou de propósitos entre elas, como atestam opiniões sobre o caso Chico. “Acho ótimo. É mais um credenciamento, uma legitimação ao trabalho das independentes”, celebra Líber Gadelha, diretor da Indie.

Não é o que pensa o dono da Deckdisc, João Augusto, egresso de larga experiência no grande mercado multinacional: “Do ponto de vista da evolução da cena independente no Brasil, a ida de Chico para a Biscoito Fino não representa absolutamente nada, pois, até onde sei, a sua contratação foi feita em bases tão grandes que nem multinacionais hoje poderiam praticar”.

Kati Almeida Braga dá sua versão, procurando desmistificar o item dos montantes de contratos, mas evitando a pergunta: “Chico tem um contrato normal, como o que teve em outros lugares, e como têm Bethânia, Olivia Hime… A gente faz a conta, é claro. Será que dá para fazer? Dá? Então, pronto”.

A pouca transparência na explicitação de valores alimenta o “fogo amigo” entre os ditos independentes. Volta João Augusto, da Deckdisc: “Totalmente bancadas por grupos financeiros, gravadoras como a Biscoito Fino, Trama e Indie não podem ser chamadas de independentes. Esse tema é sempre uma boa pauta para a imprensa, mas deveria ser aprofundado. Só assim uma contratação como a de Chico deixaria de ser apontada como uma pancada das ‘indies’ nas ‘múltis’ (se eu dirigisse uma multinacional, iria rir muito disso), para ser aceita como mais uma simples vitória do poder econômico”.

Um dos diretores da Trama, João Marcello Bôscoli, afirma que não é bem assim. “Vivíamos o pior tipo de relação que pode haver entre majors e artistas. Se o cara quer ter carro blindado, ele paga. Não dá mais para misturar estação. O que o artista tem de querer, hoje em dia, é uma gravadora que não roube e faça seu trabalho direito.”

Ele ressalta que, se casos como o de Chico criam influência positiva sobre a classe artística, não se pode relevar também que muitas mudanças têm acontecido por falta de opção dos artistas num cenário de contínuo encolhimento do mercadão dominante.

De sua ponta, Kati e Olivia reivindicam o direito de tomar espaço e abrigar seus pares por afinidades musicais, recriando um ambiente propício à MPB clássica, que muitos julgam decadente e que as grandes gravadoras já não vêem como lucrativa. “Estamos crescendo organicamente, não há business plan“, defende Kati.

“Viemos fazendo um investimento financeiro ao longo do tempo. É como se estivéssemos comprando uma gravadora pronta, mas estávamos fazendo a nossa, em vez de ir lá e comprar uma, muito mais cara…”, afirma Olivia, ao que Kati completa: “Comprar uma é muito menos agradável, e você não tem a gravadora que quer”.

Ela tenta explicar por que gravadoras como a BF podem, então, contradizer sensos comuns sobre comércio e decréscimo artístico, permitindo, por exemplo, que Maria Bethânia esteja vivendo ali uma das fases mais produtivas de sua carreira: “Os custos fixos de uma multinacional devem ser muito mais altos que os nossos. Posso fazer mais do que eles, porque meus custos são muito mais baixos. Posso fazer um disco que venda 5 mil exemplares e que para mim vai dar retorno. Para uma grande gravadora, não daria”.

“Em nosso caso, as duas donas estão dentro do escritório, trabalhando o dia inteiro, não têm de contratar oito diretores. Não temos de seguir um padrão internacional de taxa interna de retorno. Nossa taxa de retorno é um pedaço em dinheiro, outro pedaço em alegria. A gente faz como quer, e isso nos dá uma liberdade muito grande”, completa Kati.

Vai nessa direção o testemunho do músico Rodolfo Stroeter, que, aliando-se à BF, quebra uma fase que ele classifica como “de estagnação” de seu selo Pau Brasil. “É uma especulação, mas talvez Chico já não tivesse nenhum prazer em continuar lançando por uma grande gravadora. Talvez isso desestimule o artista a tal ponto de ele pensar ‘vou dar um gás, escrever, gravar e não vai acontecer nada, vou fazer para quê?’. A verdade da máquina fonográfica é um pouco essa, virou isso. O que tem de artista de alto perfil, de grande criatividade, que ficou nessa situação…”, afirma Stroeter.

Somadas todas as convergências e todas as contradições, a adesão de Chico ao projeto de Kati e Olivia não deve mover muitas peças no tabuleiro da música brasileira em termos de renovação de talentos. Mas remexe, sim, em humores algo acomodados, tanto de ícones da MPB como da própria estrutura musical como um todo.

A associação entre a força artística e a financeira pode dar substância a protestos como o de João Augusto, mas a reaproximação, em caráter quase familiar, de dois pólos que em geral se têm como adversários tampouco deixa de injetar ares de velha novidade ao cenário. “A banqueira e a artista fazendo negócio juntas é a coisa mais razoável do mundo. A artista sem a banqueira não faz e a banqueira sem a artista não faz. Então é melhor juntar os dois”, crava Kati. “É melhor, a gente vai juntando tudo pela vida afora”, carimba Olivia.

E as duas, que agem como aliadas harmônicas em quase tudo, só deixam subir o fogo do atrito e do conflito quando o assunto chega à crise política atual.

“O Brasil, apesar de toda esta crise, está passando por ela sem grandes tumultos na economia. Isso já é um grande sinal de que o País está entrando em crise unido, e que o País está saudável junto. Está acontecendo objetivamente com o PT, mas não é só isso, é o Brasil inteiro. Isso não nasceu hoje, é a história do País”, começa a artista, arriscando-se pelas veredas da economia.

“Disso eu discordo. Acho possível que algumas, digamos, malpractices acontecessem no Brasil, mas o PT radicalizou. E aí ficou num nível intolerável e teve de ser extirpado, que bom”, continua a financista.

“Eu já discordo, porque acho que, em outros momentos, outros milhões de governos não deixaram surgir como o PT deixou”, segue Olivia, ao que Kati deixa o dissenso arrefecer. Feito artista, ela segue capturando Chicos e Bethânias, na árdua tarefa de abaixar ao menos em alguns tons a trágica sinfonia da dependência histórica do Brasil e dos brasileiros.

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Editor de FAROFAFÁ, jornalista e crítico musical desde 1995, autor de "Tropicalismo - Decadência Bonita do Samba" (Boitempo, 2000) e "Como Dois e Dois São Cinco - Roberto Carlos (& Erasmo & Wanderléa)" (Boitempo, 2004)

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