só para variar um bocadinho, fragmentos “ficcionais” tão pequenos do nosso contato diário com os do lado de lá da muralha social, os que fingimos que são invisíveis, mas que visitam diariamente o lado de cá e sabem sobre nós tudo aquilo que nós não sabemos sobre eles.

cena 1
embaixo de um viaduto na zona sul, o sinal fechado, eu a trabalho, nós dentro de um carro, ele do lado de fora, pequenino, dono da rua.

ele – tio, sabe qual é a capital da frança?

eu – não sei, você sabe?

ele – sei. é paris. me dá um trocado que eu fico feliz?

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cena 2
rua de bairro burguês, eu de passagem, a senhora mendiga de sempre sentada no chão ao lado do bebê, o pedido suplicante, meu constrangimento, a madama que passa cheia de graça.

madama – oi, fulana, tudo bem? tá boa?

mendiga – oi, sicrana. tô na peleja.

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cena 3
farol fechado no cemitério da consolação, eu a passeio, nós dentro de um carro, ele do lado de fora, pequenino, dono da bola, das bolinhas com que trabalha hábeis malabarismos. ele joga bolinhas para o alto e desaparece embaixo do carro. quando volta, o sorriso aberto no rosto, a bolinha foi parar na cacunda, depositada entre o pescoço e a camiseta. ele vem.

ele – tio, dá um trocado?

eu – ei, você é artista, hein?!

ele – eu?

eu – vai dizer que não é? é artista!

ele – não, eu tenho que ficar aqui.

eu – ah, mas tem tempo, quando ficar grande… hip hop?…

ele – não gosto, eu sou da igreja.

eu – ah, malabarista, então?

ele – eu sou da igreja. e você, é da igreja?

eu – eu, não. (e matuto, mas não falo: eu não sou da igreja, mas você é artista, sim…)

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