putzgrila, a semana tá corrida e não consigo parar para falar da parada… enquanto isso, aproveito para acelerar o “projeto memória” (estamos quase alcançando os “dias atuais”!) de agrupar os textos da “carta capital”. agora é a da número 340, de 4 de maio de 2005. nostalgiiiiiiiiiiia, aqui me tens de regresso (mas note, por favor, o esbocinho de tentativa de ir além do muro das lamentações e mencionar, para lá das gravadoras, outras soluções possíveis – um outro brasil é possível, eu também quero acreditar)…

[quase p.s.: para tentar aprofundar só um pouquinho o que tentei dizer aí em cima, quero copiar aqui embaixo um trecho de texto de autoria de paulo lins, autor do livro “cidade de deus”, que acabo de ler no encarte do primeiro disco do f.ur.t.o., a nova banda do importantíssimo marcelo yuka, em que eu também acredito. é o seguinte, segundo o paulo lins – que diz, em outras palavras, que em vez de ficar só tentando empurrar todos os seus próprios males para o colo do roberto jefferson você poderia, fazendo melhor e mais inteligente, tentar consertar o jeffersonzinho que mora bem escondidinho dentro de você:

“depois de tudo que foi feito ou dito sem sucesso por artistas, partidos, intelectuais, governantes e movimentos sociais, fica evidente após ouvir esse cd que a política para um brasil em que se tem fé deve ser primeio uma política de mudança de comportamento individual; de ótima vontade com o outro. temos que nos transformar em gente boa para poder mudar o sistema de relações deste país. qualquer bundão pobre ou rico pode virar pessoa honesta, solidária e generosa, ou seja, ser politicamente inteligente. aí, sim, o coletivo anda. se parar o vacilo, rever o que está errado, o bagulho floresce, pois, a bem da verdade, temos, como povo, poucas virtudes para o mal…”

sensacional, paulo lins, bravo!!! (e esse é apenas o começo, o texto é contundente por inteiro.)]

A CORDA BAMBA DA MEMÓRIA

Gravadoras voltam a reeditar raridades em CD, privilegiando artistas mais populares

Por Pedro Alexandre Sanches

Novas peças de jogo de xadrez se movem num dos tabuleiros mais frágeis e delicados da indústria musical brasileira: o da preservação de memória. O músico Charles Gavin, um dos pesquisadores mais atuantes desse tabuleiro, tem afirmado que, pela primeira em muitos anos, segue 2005 sem ter nenhum projeto de recuperação de acervos musicais aprovado por qualquer das grandes gravadoras instaladas no país.

Sua imobilização contribuiu para desacelerar, nos primeiros meses deste ano, um processo que vinha se estabilizando – ele coordenou, nos anos anteriores, grandes séries de reedições de álbuns raros de bossa nova, samba, soul, pop etc., pertencentes aos acervos dos selos Odeon (hoje da EMI), Philips (agora Universal), RCA (depois BMG), CBS (Sony), WEA. Em meio à choradeira sobre a crise da indústria musical, pirataria e a suposta extinção do formato CD, 2005 seguia parado – até agora.

A peça que experimenta decretar novo xeque no velho xadrez se chama Sony BMG, a megagravadora resultante da fusão mundial entre a Sony e a BMG, dona agora de 29% do mercado musical no país. Esforçando-se por construir uma nova liderança nesse mercado combalido (até aqui, a Universal era a “gravadora número um do Brasil”), o novo conglomerado inicia um reaquecimento do hábito de lembrar que MPB também é história, e não só modismo e consumo.

Chega às lojas nesta semana a segunda etapa da recuperação, remasterização e reedição em caixas de luxo da obra do artista mais popular do Brasil, Roberto Carlos. Após contabilizar 18.354 exemplares vendidos da caixa de oito discos com os anos 60 do artista (editada no fim de 2004), a Sony BMG lança agora a monumental fase anos 70 de sua obra, num caixote de presumidos R$ 265, contendo 12 dos mais importantes títulos de RC.

Pelo mesmo selo e com o mesmo apreço pela reedição da música mais popular brasileira, saiu há poucos dias uma caprichada caixa de 16 CDs reunindo a produção no intervalo 1964-1981 do conjunto pioneiro de rock’n’roll Renato e Seus Blue Caps (preço médio R$ 185). Um dos próximos produtos que a gravadora deve levar ao mercado, segundo o pesquisador também independente Rodrigo Faour, é uma caixa de quatro CDs dedicada à obra do rebelde sambista popular Bezerra da Silva, morto em janeiro.

Em conjunto, relançamentos como esses ajudam a desmistificar a associação freqüentes entre produtos “para o povão”, desleixo de produção e preços baixos – como ainda é o caso de persistentes séries de coletâneas de nomes esdrúxulos (Novo Millenium, Maxximum) derramadas no mercado com seleção aleatória de faixas, capas toscas e informações técnicas precárias.

O presidente da Sony BMG, Alexandre Schiavo, faz discurso de que a reedição de catálogo é atividade que nunca pára, mas só se compromete a reeditar daqui para frente a seqüência do projeto RC e uma caixa do cantor sertanejo Leonardo (essa a bordo do sucesso de caixa de Zezé di Camargo e Luciano, que vendeu 60 mil unidades).

“Todo lançamento deve ser bem planejado para que seja lucrativo. Um catálogo bem trabalhado e forte é um grande tesouro, por isso é importante também não cansá-lo com vários lançamentos”, justifica.

O apetite da Sony BMG é maior, a julgar pelo depoimento do pesquisador independente Marcelo Fróes, autor dos projetos de Roberto Carlos e Blue Caps e também de outra coleção que está chegando às lojas, pela Universal, da obra da cantora e compositora Marina Lima entre 1980 e 1989 (oito CDs avulsos, com preço unitário entre R$ 15 e R$ 20).

Ele já trabalha em outras reedições pela Sony BMG, de Nelson Gonçalves, da Gal Costa dos anos 80, do Erasmo Carlos dos 60 e uma nova e extensa série dedicada à jovem guarda, com títulos de Sergio Murilo, Wanderléa, Os Incríveis, Meire Pavão etc. Tal foco provoca resmungos de parte da crítica musical, que acusa suposta falta de relevância artística na jovem guarda. Mas se justifica pelo apelo popular resistente e por mais uma efeméride daquelas que movimentam cofres de gravadoras: os 40 anos da estréia do programa de tevê Jovem Guarda, no qual Roberto Carlos revolucionou o pop de massa no Brasil.

Fróes polemiza: “A crítica preconceituosa e mal informada à jovem guarda repete, como um disco arranhado, o ranço de um ressentimento dos artistas mais intelectualizados, elitizados e politizados, pela vendagem infinitamente superior do iê-iê-iê, já nos anos 60. Não é segredo que os artistas do gênero vendiam muitos mais discos que a turma da MPB ou da bossa nova. Até hoje é assim”.

Curiosamente, quem relativiza sua opinião é Renato Barros, veterano líder dos Blue Caps: “A gente fazia rock’n’roll, a jovem guarda nasceu disso. Éramos calcados nos Beatles, e não popularescos, mas infelizmente os verdadeiros roqueiros ficaram misturados nesse balaio comercial. A jovem guarda é responsável por estar até hoje ouvindo esse tipo de comentário, mas agora é tarde para querer mudar”.

Numa ciranda de descasos que pulam pelas várias casas do tabuleiro, Renato não ganhou até agora um exemplar de sua caixa (a gravadora diz que vai mandar): “Só fui tomar conhecimento do lançamento por um amigo, que viu na loja. Vou comprar, o pessoal de casa está cobrando”.

Se as gravadoras muitas vezes tomam pinta de vilãs da falta de memória, a posição dos artistas tampouco deixa de ser controversa. Marina Lima é direta ao revelar conflitos com sua ex-gravadora. “Odeio compilação, prefiro não acompanhar esses relançamentos porque sempre me aborreço. Os discos pertencem a eles, eu nem poderia proibir a reedição”, diz. Mas quereria proibir, se pudesse? “Acho que não vetaria, só o fato de relançarem no formato original já é bom.”

Por outro lado, também rejeita a idéia de coordenar, ela própria, projetos que fossem de seu gosto. “Acho difícil, porque minha relação com a Universal ficou muito distanciada e porque por princípio eles sempre acham que o artista só quer gastar dinheiro à toa”, diz, desnudando o dinheiro como pomo de várias discórdias.

Marcelo Fróes cita outras delas: “Um meio termo desejável seria que os projetos buscassem a viabilização de reedições de discos não comerciais, e não só oba-oba com obras de artistas manjados e lucrativos, e que os artistas ou seus herdeiros entendessem que sem um patrocínio que cubra apenas os custos eles jamais conseguiriam ver a obra preservada e disponível”.

É que, como ele relata, o patrocínio cultural é outro ponto mal resolvido: “Em 1999, consegui aprovar um projeto no Ministério da Cultura e fiquei com uma carta de captação na mão, para viabilizar reedições. Mas ninguém encontrou patrocinador que se interessasse. Todos querem alguma contrapartida pessoal do artista, um show de presente, alguma coisa do tipo”.

A fala de Charles Gavin deixa implícitos momentos em que o diálogo com as gravadoras emperra: “Não adianta ficar perturbando as pessoas. Sou persistente, mas há um limite”. A EMI, por exemplo, mudou de diretoria e engavetou séries de títulos em parte anticomerciais, como as que Gavin conduzia, e só esboça prometer, para 2005, reedições de reedições.

Mas o próprio Gavin já lidou com o contraponto a tais impedimentos. No início deste ano, driblou gravadoras e herdeiros vorazes e editou, sob patrocínio da Petrobras, o (caro) livro Bossa Nova e Outras Bossas – A Arte e o Design das Capas dos LPs, compêndio de centenas de capas de discos que Gavin ainda não conseguiu reeditar em CD.

“O livro está indo bem, as ONGs que pegaram exemplares já venderam quase tudo. Toda empresa que quer aparecer para o consumidor apela para a cultura, vejo isso acontecendo mais com a música hoje”, diz, separando esse raciocínio de um outro: “Temos um século de música guardada em acervos privados”. Unindo as duas pontas, o músico-pesquisador que começara o ano reclamando da falta de horizontes começa a tatear soluções, que são “complicadas” (termo de Fróes), mas poderiam deslocar a música do âmbito exclusivo do comércio e das gravadoras e compartilhá-la com os campos da cultura e da história.

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