vendo estrelinhas (estrelas mudam de lugar)

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alô, china, alô, mombojó. genial, genial, genial o del rey. roberto carlos visita o mangue beat, reginaldo rossi reencontra o rock’n’roll (alô, xico sá!), a bossa nova solta a franga num puteiro. estrelas mudam de lugar, ah, se mudam. e o show foi um baile, em todos os sentidos (mais detalhes na “carta capital” deste fim de semana, hehehe). o tanto de coisa que ali está se misturando é emocionante. o que eu mais espero agora é ver em que vai dar, no trabalho do china e no trabalho do mombojó, o aprendizado que esses meninos estão tendo com o impressionante poder de comunicação de nosso velho “rei” (ou “pai”, lembra o primeiro texto deste blog?).
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aliás, china matou a pau na ironia, quando tentava, sem muito sucesso, puxar um coro popular no hininho “esqueça” (1966). zoou assim: “não é possível que ninguém conheça roberto carlos em são paulo!”. conhecem, china, são paulo conhecemos a sonzeira do rc. é que desrepressão coletiva não rola de uma vez, num golpe só. a revelação vem vindo devagarinho, e enquanto isso era curiosíssimo observar a platéia do del rey. ali tudo se misturava: vi gente feliz, emocionada, muda, parada, alheia, irritada, com lágrimas nos olhos, fazendo muxoxo, desentendendo, embevecida, paralisada, desentendida. estávamos (como sempre) numa platéia de classe média para classe média alta, e nesses meios a idéia corrente ainda é a de que roberto carlos tem sarampo, varíola, escarlatina, lepra e lumbago. que roberto carlos pega, contamina, contagia, melhor escapar. ãhã, vai indo nessa que eu não vou mais (alô, zé simão).
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houve também, na mesma ocasião, o show dos tremendões, vindos lá do rio para cantar jovem guarda em são paulo. há sempre essa tensão rio-sp, então eles foram supimpas, mas não atingiram o grau de desenvoltura e de “tô nem aí” do del rey (recife e são paulo têm essa estranha história de amor). um dia são paulo e rio ainda se misturam de vez, mas por enquanto foi supimpa dentro dos limites, os caras são deliciosamente ensaiados. já disseram que exagero, mas achei a interpretação do renato martins para “as curvas da estrada de santos” a melhor que ouço desde as de roberto (1969) e elis regina (1970) – o cara integra o conceito de soul music, brinca com uma suposta rouquidão, sabe muito bem do que está falando. também adoro a ternura de “o portão” (1974), mas é ali mesmo que sinto algum atrito com os tremendões: tem um fundinho de tiração de sarro, um farelinho que me lembra à distância o grupo vexame (um modelo de deboche que, ufa, já foi superado).
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mas, acima de tudo, os tremendões devolvem ao palco na condição de astro ele, o lafayette, o homem que inventou o som de órgão do clássico absoluto “quero que vá tudo pro inferno” (1965). de arrepiar a medula.
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ah, pois então, tive a alegria de entrevistar o lafayette antes do show, preciso reproduzir uma frase que ele disse: “muita gente pensa que foi o roberto, mas não. foi o erasmo que teve a idéia de introduzir o órgão na música jovem”. pura verdade, mas é engraçado, vai. alguém tinha que introduzir o órgão (ops) na juventude, o tremendão papou (ops) mais essa.
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mas não é isso que importa sobre lafayette. durante a entrevista eu caí das tamancas ao saber que ele tem meu livro “como dois e dois são cinco”, que ganhou de presente do fernando rosa (rendo aqui meus sinceros obrigados ao querido, heróico senhor f!!!). e, pára tudo agora, eu LEVEI UMA BRONCA do lafayette. o cara, do alto de seus 61 anos, me corrigiu, explicando que ele e erasmo cresceram na tijuca, zona norte do rio (confesso, nunca botei os pés ali), e não “no subúrbio”, como afirmo no livro. foi pequena a bronca, ok, mas ainda assim é uma honra inesquecível. essa noite foi mesmo sensacional.
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algumas pessoas que encontrei durante o show, até mesmo a fofíssima jô hallack, da organização da parte musical do vivo open air [ai, jô perdoa minha língua, mas que nome cafonaaa!!! por que não “vivo ao ar livre”, “vivo ao léu”, sei lá? que deslumbrinho e que falta de poesia, credo…], comentaram relacionando esse surto de bandas cantando roberto carlos com o meu livro. fico roxo, mas há uma coisa que é importante, importantíssimo dizer: ao mesmo tempo que eu passava anos escrevendo solitariamente sobre rc na minha casa, esses rapazes que eu nem conhecia e que acho que nem se conheciam entre eles estavam se agrupando no rio e em recife para reler e re-entender robertos, erasmos & wanderléas, por razões distintas (embora parecidas – porque o amor tá sempre na jogada) e com intenções diversas. tem uma babaquice em cultura que é fulano em 2005 reivindicar paternidade exclusiva de idéia, e isso é algo destrutivo, que transforma delícia em competição e mela o que as coisas têm de melhor. quando várias antenas captam algumas coisas ao mesmo tempo sem umas saberem das outras (alô, fernanda takai), o nome disso é “espírito do tempo”. é quando as formiguinhas (alô, vange leonel) viram multidão superpoderosa. roberto carlos não é de ninguém, roberto carlos está no ar que você respira. ele, o lula, o fusca, o vira-lata, a bic, a garapa, o severino e o bicho-de-pé… espírito do tempo é poesia conjugada no tempo presente, algo que sempre me enche de orgulho.
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aí me lembro do erasmo carlos, essa ninguém cantou: “ououou, onde estará minha estrelinha?”. e, putz, lembro também da estrela, a fábrica de brinquedos (ainda existe?): “toda criançá/ tem uma estrelá/ dentro do coraçãããum”.
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ih, há mais gente que andou vendo estrelas recentemente: o nobre deputado do parlamento baiano, petista e sargento ao mesmo tempo (olha a combinação explosiva, dentro dele tudo se mistura!), que teve a infelicidade de ser submetido a um exame de próstata (enfiaram o dedo no cu dele, para descer da metáfora só um instante). me impressionou a quantidade de poesia que o legislador também injetou (ops) no desabafo público de suas angústias íntimas: ele viu estrelas (essa eu não ouvia desde os oito anos)!!, ele sentiu o olho cheio de vagalume!!!!! não é fofo que o nobre deputado não tenha citado a partícula (ops) “dor”, mas sim outras como “indignação”, “vagalume”, “estrelas”…?
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posso dizer? acho que o nobre deputado está se sentindo meio, er, acuado com a vitória de seu conterrâneo meio doutor jean, no “big brother brasil” – será que o baiano hétero se sentiu estuprado pelo baiano gay, trocou todas as bolas e botou a culpa no doutor lá do consultório?!?!?! seja como (ops) for, o nobre deputado podia ter nos poupado dessa, né? o livre arbítrio está por ai à toda, o nobre deputado tem todas as ferramentas (ops) para optar entre o toque retal ou pegar um cancerzinho de próstata e conviver solitariamente com suas dores, sem querer dividir com todo mundo seu medo de ser “contaminado” pelo dedo do dotô, pelos “males” que entram pelo sexo, pela orientação sexual dos outros, pelo jean, pelo seu próprio delírio estrelado e estreludo. o nobre deputado sabe, eu sei, que toda criança tem uma estrela dentro do coração – e que ninguém bota o dedo na sua estrelinha, se ele não quiser.
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pois é. o que eu sei é que, enquanto o nobre deputado via vagalumes psicodélicos, milhares e milhares e milhares de meninos e meninas que vivem atocaiados pelo brasil afora viviam um dia de glória, de revolução, de libertação. abandonando por um instante esse senso comum que esbraveja contra o vazio do “bbb”, eu quero dizer que não foi vazio, não, esse “bbb”, e que a globo, essa besta-fera que tanto nos assusta (e morde), prestou um belíssimo exemplo para o brasil na terça-feira que passou. daqui a 10 ou 20 ou 30 anos, estarão adultos e maduros esses milhares de brasileirinhos e brasileirinhas que agora estão descobrindo assombrados que ética, honestidade, gentileza e inteligência podem ser associados a personagens como o homossexual e a miss (a vaca e o frango?, alô, del rey!) e o japa e a cabeleireira descabelada. e, podiscrê, amizade, o parlamento baiano (e brasileiro) de daqui a 20 anos vai ser milhares de vezes mais fodido (ops, quero dizer fo-di-do no bom sentido, nobre deputado, cê tá entendendo?) do que isso aí que temos hoje. ufa, de repente vou vendo com estes olhos que a terra há de comer a construção de um brasil melhor, de dentro para fora, até que enfim!!!
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e, ói, foi só o severino declarar sua oposição ao direito de cada um exercer sua sexualidade como bem entender que, pluft!, o jean papou (ops) o “bbb”. mando estrelas, rojões, cometas (ops) e fogos artificiais para o severino, em homenagem atroz (ops). toma (ops), severino.
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[hum, e publico este texto perto da meia-noite, bem na hora de a falecida ditadura apagar velinhas. t’esconjuro, coisa ruim.]
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ih, mas era para eu falar de roberto carlos & seus filhotes. paciência, é que eu adoro quando as coisas mais díspares e esquisitas se misturam, dentro do espírito do tempo…

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