então, o passeio continua. só porque falei, acabou que domingo fui finalmente conhecer o antiqüíssimo mercado municipal (que é lindo e fofo, alô, gabriel!). tem mil brasis lá dentro, brasis que se unem para descombinar a convenção estúpida de que “povão” tem baixo grau de exigência, e merece pouco, e vai ficar sempre com os restos. balela, lá é chique no último. tem até pros novos-ricos contaminados pelo macróbio da cosmopolitite, que encontrarão em cada barraca dezenas da mais nova fruta do pedaço, uma tal de pitaya, de que eu nunca tinha ouvido falar e que segundo o moço explicou tem um gosto assim de um kiwi. é a coisa mais linda do mundo, parece uma mistura de rosa, romã e alcachofra, vermelhinha de doer. mas quando o moço falou que tinha gosto de kiwi, minha curiosidade diminuiu – acabei nem experimentando. tudo bem, assim tenho pretexto para voltar lá caso essa pitaya vire mesmo um novo kiwi, uma nova lichia, qualquer coisa dessas bem “frutas-do-mundo”.
@
falando em fruta(o)s do mundo, fico sabendo que a dupla mais brasileira da paróquia, tetine, arrasou na coletânea de funk carioca e agora está preparando uma outra, desta vez sobre o pós-punk brasileiro – !!!. isso vai acontecer a partir de londres, inglaterra, por uma gravadora independente das mais bacanudas (alô, eliete, bruno, esqueci o nome!…). e eles vão ligar os fios que nós, donos dos “no-waves” brasileiros, ainda não ligamos, de gang 90 & absurdettes a tokyo (ou não?). cada coisa que acontece no mundo, né?
@
por falar no mundo, quero perguntar. por que as pessoas não gostam mais do que andam fazendo, na maturidade, artistas “eletrônicos” “do mundo” como the chemical brothers e fatboy slim? nossa, eu acho tão bacana, tão mais moderno o som deles hoje!…
coisa aparecida acontece com o rock. eu, que nunca vi nada nos manic street preachers, vou agora me convencer do som deles justamente quando começam a brotar “acusações” de que eles estão decadentes… eta, sujeito pra ser sempre do contra…
@
ih, e diz que a revista “bizz” vai voltar (alô, ricardo alexandre!), que emoção! guardo vívidas até hoje as emoções de ler as primeiras “bizz”, conhecendo quase nada daquele mundo musical de que eles falavam com tanto entusiasmo. por falar em emoções, tenho dito nas entrevistas do “como dois e dois são cinco”: foi graças à “bizz” que dei o primeiro passo rumo a perder o medo-pânico-terror de roberto carlos, quando eles indicaram na seção “discoteca básica” o disco “é proibido fumar” (cbs, 64). obedeci, comprei, estranhei, desgostei, rejeitei, comprei mais um (“jovem guarda”, cbs, 65), descobri “quero que vá tudo pro inferno”, e aí o ribeirão foi correndo devagarzinho, até virar o rio amazonas, amazônia, insônia do mundo. era emocionante, sem a “bizz” minha vida não teria sido a mesma, fico emocionado duplamente em saber da volta da “bizz”. firmeza aí, ricardo!
@
ah, mas o passeio. uma das melhores coisas da estréia no emprego novo é que agora praticamente trabalho na avenida paulista!, que não é assim um anhangabaú, mas é outro riozão de acontecimentos. ainda meio barata tonta, voltei do trabalho a pé, atravessando meia paulista e dois terços de angélica, e fiquei especialmente impressionado com duas coisas. a primeira é o tanto de conhecido e amigo (alô, gheirart!) que a gente encontra na rua quando anda a pé por ali – que delícia. [antes da segunda coisa: a angélica estava cheia, lotadinha de calouros carecas pintados humilhados, essa estranhíssima mistura de selvageria e rito de passagem, de truculência e ternura; hoje eu também estava me sentindo um calouro…]. então, mas a segunda coisa impressionante são os malucos da paulista e da angélica, tão numerosos e criativos.
@
também deparei com um moço loiro, barbudo, bem vestido, que na angélica me pediu três reais. um dia antes, quase no mesmo lugar, um negro bem vestido havia me pedido uns trocados – para poder voltar para itaquaquecetuba. esmolas sem molambos, de volta a cuba, de volta ao brasil. ou cuba É o brasil?
@
mas os malucos, tantos malucos. tinha a moça que dançava feito bailarina na esquina. tinha o bêbado-morador-de-rua que conversava com outros dois molambos sem esmolas iguais a ele e apresentava seus três cachorros – era verdade, eu vi um deles; era de madeira, mas era um cachorro, sim (“late”, atiçou o maluco quando passei; ele não latiu). a terceira, mais teatral e cinematográfica ao mesmo tempo, era uma mulher (ou travesti, não consegui decidir até agora) de vestido social e cabelos louros cacheados e longuíssimos (parecia peruca), que flanava esvoaçante em plena paulistona. era algo meio marilyn, não tinha como não ter o olhar magnetizado para aquela figura. aí a loucura: ao mesmo tempo que meu olhar se atraía para dentro do rosto daquela loiridão, a moça (ou ex-moço) se assustava com meu olhar, se crispava e escondia com a mão o rosto por trás do cabelo, cabeleira, cabeluda(o), descabelada(o). seu rosto era todo deformado. na sirene de panos e mechas de cabelo-canecalón, ela(e) sugava meu olhar para seu rosto, apenas para que eu me chocasse com suas deformidades, apenas para que ele(a) se chocasse com meu choque e comprovasse em meu choque suas ruínas. tanta poesia.
@
variedade parecida também encontro quando resgato nos sebos discos esquecidos, obnubilados, estranhos e esquisitos que foram feitos no passado do brasil e que gosto cada vez mais de ter, conhecer, cavoucar. descubro que em “rebu geral” (fif fermata, 81), dos ex-iê-iê-iê eduardo e silvinha araujo, há uma música em “homenagem” a rita lee. quase imitando a melodia pop vitoriosa de “lança perfume”, os araujo resmungam assim: “você que pixava tanto a mpb agora está de quatro faturando cachê/ será que esse sucesso vem mesmo de você ou se foi produto da nossa tv?/ lança, lança, lança, menina, mais um sucesso e fique por cima”. sem nem citar roberto de carvalho, completam, propriamente grosseiros: “mesmo de quatro, te acho um barato”. aprecio o pixe, o desabuso e a implicância deles, mas, bem, aí é mesmo um caso do roto reclamando do rasgado, né? pois o que o (ex-parceiro de carlos imperial) eduardo araujo condena em rita lee não é exatamente o que ele próprio havia feito nos anos 60, no auge da jovem guarda? mas, ok, dane-se, pixe é legal e eduardo “o bom” araujo e o parceiro lula martins têm todo o direito – afinal, os iê-iê-iê entendem tudo de ser pixados, só não foram condenados à cadeira elétrica nos anos 60 porque não havia (há) cadeira elétrica no brasil. não havia (há)?
@
tarde demais para incluir no “como dois e dois são cinco”, leio só agora uma entrevista do erasmo carlos para a “playboy”, datada de 1980. olha só este trecho da fala do tremendão: “o curioso é que as portas da jovem guarda sempre estiveram abertas para todos. nós gostávamos de samba, de tango, de rock – o importante é que fosse bom, não importava o ritmo. ninguém era reacionário na jovem guarda. reacionários eram os outros. em 1966, nós levamos o jorge ben, que era do ‘fino da bossa’, ao nosso programa ‘jovem guarda’. só por causa disso ele não pôde mais cantar no ‘fino da bossa’. então ficou conosco no jovem guarda”. erasmo é um lorde, pixa sem dar nomes aos bois, mas dá para perceber quem ele está chamando de “reacionários”, né? elis regina, chico buarque, edu lobo, geraldo vandré… mais um caso da alquimia entre roto & esfarrapado, só mais um.
@
e no lindo disco “canto dos homens” (phonogram/philips, 76), do mpb 4 (alô, aquiles!)? ali descubro uma canção que nunca ouvi antes, “foi-se o que era doce”, composta pela dupla joão bosco-aldir blanc [jesuuus (como diria tati quebra barraco), como eram boas as composições desses dois, mesmo quando eram chatas!…]. era uma fábula que citava xaxado, festa junina, alimentos tão variados quanto “inhame e bobó, frango assado, cuscus e maracujá” (alô, mercado municipal!, alô pastel de carne seca!, alô, dona marta suplicy!) etc. mas olha aqui o pedaço mais legal, das coisas que bosco & blanc testemunham no “bobó de noivado da fia de ribamar”: “jabaculê, virge, espetacular, assunto assim às veiz é mió calar”. cê tá entendendo? o jabá (suborno entre gravadoras e emissoras de tv/rádio, pra mode moldar, provocar, forçar e fraudar as preferências musicais do “povão”) já virava o ouro das gravadoras, e bosco, blanc e o mpb 4 ousavam denunciar o jabaculê de dentro da poderosa philips, que deve ter comer muita carne seca para crescer forte, saudável e musculosa [aliás, veja como é a vida: comi jabá domingo no mercado municipal; não gostei muito, não, gostei mais do escondidinho].
@
cê tá entendendo? nem eu. o mpb 4 certamente estava naquele time dos que erasmo carlos xingava de “reacionários” (que, por sua vez, sempre viram roberto & erasmo como diletos “reacionários”). o mesmo mpb 4 logo em seguida se engajou no musical infantil ultracomunista “os saltimbancos” (phonogram/philips, 77). magro virou o tinhoso jumento e ruy foi ser o cão obediente no mundo-cão, nas poderosas companhias da galinha poedeira miúcha e da gata mais gata deste mundo, nara leão. por trás de tudo, o chico buarque, moço progressista?, ou reacionário?…
@
ah, pois é, o mpb 4. recentemente o aquiles, um dos quatro do mpb 4, escreveu num livro de memórias (“o gogó de aquiles”, girafa, 2004) comovente mea culpa pelo fato de ter ajudado a mpb a isolar wilson simonal, num episódio que descarregou na cacunda do “crioulo” “folgado” séculos de fantasias de rancor, vergonha, miséria (câncer?, sífilis?, lepra?) de toda uma nação torta como dois e dois somando cinco. pois não é que isso me faz lembrar que em 83 simonal, já 100% caído em desgraça, gravou (em “simonal”, wm/fermata) a música “galo-galã”, co-escrita por… rita lee? pois a porra-louquinha semi-esquerdista foi das únicas pessoas viris o suficiente para lembrar que, em pleno desterro, simonal continuava a existir (antes ela própria, pixando a mpb em “arrombou a festa” o chamara de “o velho e chato simonal”, o que, desconfio, era despiste para pronunciar o nome do abominado, do abominável).
@
afinal de contas, entre rotos & feridos, quem é o reacionário?, quem é o progressista? ou será que o reacionário É o progressista, e vice-versa?
@
ih, sei lá, compliquei. mudando de conversa (alô, doris monteiro!): eu adorava “os saltimbancos” quando era pequeno; e também o “sítio do picapau amarelo”, versão globo. e as “pílulas falantes” que ando escrevendo me fizeram de repente lembrar da “space oddity” de david bowie. era 69, e o “culto” bowie, mega-influenciado, se nutria da solidão do astronauta de “2001: uma odisséia no espaço” (68), de stanley kubrick [o mesmo kubrick que fascinou e fascina o “inculto” erasmo carlos, mais por “laranja mecânica” (71) que por “2001”]. em bela letra simbolista, bowie conta do astronauta que coloca seu capacete, toma suas “protein pills”, suas pilulas proteicas, e parte para o espaço, para o vácuo, de onde viverá a ruína de perder contato com o planeta terra, exatamente como acontecera com o cosmonauta de “2001”. “planet earth is blue, and there’s nothing i can do”, lamenta major tom, alter-ego do astrobowie, em rima das mais cortantes.
@
um assunto puxa o outro, e as protein pills de bowie me evocam minhas mastiguinhas. é coisa anos 80, quem esteve lá (alô, ivan finotti) há de lembrar que houve então uma coqueluche de vitaminas infantis compráveis em farmácias. batizadas com o sugestivo nome de “mastiguinhas”, eram de várias cores e sabores, e em comum tinham o fato de serem vitaminas e de terem de ser consumidas uma por dia, apenas uma por dia (tipo assim um yakult). minha mãe pendurava num prego na parede, a embalagem era outra lindura, uma caixinha de papelão com ganchinho e um sorriso desenhado num buraco guardando o vidrinho com as pastilhas coloridas – que, pelo buraco, ficavam à mostra, suculentas. eu olhava aquilo o dia inteiro, o dia todo, doidão para comer 30 mastiguinhas por dia. mas não comia, comia só uma, como mandava o figurino.
@
mas às vezes eu ia escondido à cozinha e comia umas a mais. magro & guloso, desobedecendo para obedecer, obedecendo para desobedecer, com medo de morrer de congestão ou de intoxicação. mas comia.
@
mastigando quando tudo se mistura: na outra noite sonhei de novo com o mar, dessa vez eu andava de jet ski (ou algo que o valha). aí acordei. aí dormi de novo, e no mesmo instante sonhei que era um astronauta.

PUBLICIDADE

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome