Siba - foto José de Holanda

As penas recobrem o rosto de Siba na capa de Coruja Muda, terceiro álbum solo do compositor, cantor e guitarrista pernambucano, depois de três discos com o grupo Mestre Ambrósio e dois com A Fuloresta do Samba. As influências congolesa e da Zona da Mata pernambucana duelam em harmonia, com resultados afro-indígenas de forte festejo musical e de sutil crítica humanitária embutida em determinados versos, escolhas e toques.

Não só à coruja muda (e cantante) se identificam as penas no rosto de Siba (secundado nos vocais do disco por Mestre Nico). Os temas de passarinho & outros bichos (ou seja, de liberdade) dominam “Coruja Muda” (“não se incomode/ se de repente os insetos/ venham da mata inquietos/ voando sem direção”), “Só É Gente Quem Se Diz” (“gente diz tudo o que pensa, bicho nem pensa e nem diz/ e eu inda vou virar bicho que é tudo que eu sempre quis”, “dos bichos da criação a aranha é a mais feia/ mas ela tem uma teia de boa conexão/ que é pra ter informação de todo bicho esquisito/ não posta fake do mito nem vive de alguém que aplaina/ a internet da aranha só pega mosca ou mosquito”), “AZDA (Vem Batendo Asa)”, “Carcará de Gaiola”.

Nessa última o conterrâneo Luiz Inácio Lula da Silva nem é citado, mas para bom entendedor meio verso basta: “Nunca pensei que eu veria e vi no jornal, mas não cola/ carcará na gaiola sem fazer o que faria/ tá preso, mas eu queria saber por que foi trancado/ perguntei desconfiado, disseram com má vontade/ ‘aquele ali na verdade nem era pra ter voado'”. Em “Meu Time”, Siba fala abertamente sobre o Brasil: “Meu time foi rebaixado/ pra terceira divisão” e “o juiz não tem mãe nem coração”.

Os óculos grossos de Siba ajudam-no a se situar como excelente e calado observador, mas felizmente, para quem o ouve, a música da coruja também se põe a falar entre um e outro bater d’asas.

Abaixo, segue um divertido faixa a faixa de Coruja Muda, assinado pelo próprio Siba, com grifos de FAROFAFÁ.

“Só é Gente Quem Se Diz” se divide em duas partes. A primeira é uma embolada em décimas, a segunda um arremedo irreconhecível de axé. A bicharada deita e rola superando a humanidade, em coerência e dignidade, ao longo da letra.

“Tamanqueiro” é uma carta real, escrita em ritmo de embolada, com o objetivo de encomendar um Tamanco para uso diário. É verdade esse bilête. Na parte instrumental em que o Tamanco é fabricado, escuta-se Arto Lindsay, EdgarRafael dos Santos e Dustan Gallas trabalhando com dedicação.

“Barato Pesado” é um frevo abolerado ou o contrário. Panfleto místico de exortação à conversão imediata e absolutamente necessária a qualquer forma de culto à vida e à alegria do presente. Hino da festa como elemento básico de exaltação religiosa.

“Tempo Bom Redondin” é correria inútil contra o tempo que a tudo atravessa. Hino à preguiça e atualização da cansada tese de que não vale a pena levar nada tão a sério. Quem toca Synth nela é Dustan Gallas.

“Coruja Muda” foi inspirada em um áudio de Fábio Trummer solicitando ao fotógrafo José de Holanda as condições meteorológicas perfeitas para uma foto a ser feita. Discorre sobre o que por ventura venha a ser uma parte de minha parte bicho nessa história toda. Quem canta no final a voz da Coruja é Chico César e o Pajé é Mestre Nico.

Em “Daqui Pracolá”, fauna e flora de minhas vivências de infância no Agreste Pernambucano brincam de vida e lutam de morte. Tive essa sorte de ter família com lastro forte no interior, natureza fofinha não é muito a minha

“Carcará de Gaiola”. Tem bicho que não foi feito pra gaiola. Quando está preso,
carrega muitos pra dentro consigo. Não consegui evitar o Baque Solto, nem nesse disco. Na orquestra, Galego do Trombone, Roberto Manoel e Maestro Minuto, da Fuloresta.

“AZDA” é um atestado definitivo da cara de pau e falta de noção deste poeta em se meter a fazer uma versão de um clássico da música congolesa que sempre o assombrou pela beleza. Antes de desistir descobri que a música era na verdade um jingle de Franco para uma loja da Wolkswagen em kinshasa. Nada é tão sério assim, afinal de contas.

Em “O Que Não Há” dou um passo em direção ao verso não metrificado, embora não chegue longe. Tem muito mais influência das longas canções de Franco com a banda OK Jazz nos anos 70 do que seria capaz de esconder. Fala da violência muda da classe média brasileira.

“Toda vez que eu dou um passo/ O mundo sai do lugar (Slight Return)” é a versão atualizada desta música que sou obrigado a tocar mesmo quando não quero. Atravessou todas as mutações que meu trabalho sofreu desde que ela existe. É a música que fecha os shows também.

“Meu Time” é a segunda faixa extra do disco. Tá aí porque cresceu muito com as versões e os anos de estrada e pra provar que não sou oportunista. Fiquei calado na Copa e relancei a faixa fora de época mais uma vez.

Coruja Muda. De Siba. Com Mestre Nico, Arto Lindsay, Chico César, Edgar, Mestre Anderson Miguel, Renata Rosa, Alessandra Leão. EAEO/YB Music.

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1 COMENTÁRIO

  1. A Música “meu time” é bem velha, é uma nova versão a desse disco, acredito que faz todo sentido essa interpretação que fez mas a música na verdade fala do Santa Cruz mesmo.

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