“Eu serei gay se os gays forem queimados/ serei África se a África for fechada/ serei pobre se os pobres forem humilhados/ e serei uma criança se as crianças forem exploradas (…) serei o Islã se o Islã for odiado/ serei Israel se eles forem encarcerados/ serei indígena se os indígenas forem saqueados/ serei uma mulher se ela for estuprada e magoada.” Os versos em inglês, no fado trans-português “Killers Who Are Partying”, definem quem é a figura móvel Madame X, que Madonna assume feito dissidente em seu novo álbum. Aos versos de empatia se segue o refrão, em português macarrônico: “O mundo é selvagem/ o caminho é perigoso”.

Do fado português, Madame X pula, sem escalas, para o sambão e o funk carioca de Faz Gostoso, com a brasileira Anitta. Em português ciclópico: “Eu não nego, ele é safado e ainda por cima é carinhoso/ ele faz tão gostoso/ (…) ele sabe que eu sou casada e ainda amo o meu amor/ ele faz tão gostoso”. “Better throw that cachaça away”, completa em inglês. Os Brics de Madonna compõem um bloco nem sempre coeso. Ora ela canta em espanhol da Colômbia em dupla com o jovem Maluma (“Medellín”, “Bitch I’m Loca”), ora viaja à África com as cabo-verdenses The Batukadeiras Orchestra (“Batuka”), ora forja uma Jamaica pós-Bob Marley com o rapper estadunidense Quavo (a excelente “Future”), ora viaja à Guiné Bissau de Kimi Djabate (“Ciao Bella”).

Embora o bloco Madonna por vezes pareça um mosaico arbitrário, há um inimigo oculto a unificar Madam X, e ele se chama Donald Trump (poderia ser outro, se pensarmos em português do Brasil). O não pronunciado surge já na segunda faixa, “Dark Ballet”, sob um arranjo à la Wendy Carlos em Laranja Mecânica (em inglês): “Seu mundo é uma vergonha/ (…) seu mundo está em chamas/ mantenha suas lindas mentiras, elas não dizem respeito a mim/ (…) eles são tão ingênuos/ pensam que não estamos atentas a seus crimes/ nós sabemos, mas não estamos prontas para agir/ a tempestade não está no ar, está dentro de nós”.

Trump volta a aparecer na trans-cabo-verdense Batuka, contra o paredão sonoro de batucadeiras (em inglês): “Pegue aquele homem velho/ atire-o numa jaula/ onde ele não possa nos machucar”. Ela está em guerra contra o “Extreme Occident”, como apelida o mundo de onde veio noutro pop em “portinglês”, com acento oriental. Em “Crazy”, uma sanfona une Ocidente e Oriente. Em “I Don’t Search I Find”, Madonna fala sobre o “nosso sangue cigano”. Em “Funana”, uma ode à própria sobrevivência, ergue uma “Vogue” para artistas mortos (nem sempre) recentemente – Elvis Presley, Bob Marley, Whitney Houston, James Brown, Aretha Franklin, George MichaelDavid Bowie, 2pacAvicii, Mac MillerFreddie Mercury, Prince. Mais uma vez caído em desgraça, Michael Jackson está estridentemente ausente.

Em “God Control”, um libelo contra as armas, a dissidente se abre, em inglês: “Todo mundo sabe a maldita verdade/ nossa nação mentiu, nós perdemos o respeito”. Obcecada pela própria e suposta “loucura” (“Crazy” é outra faixa “portinglesa”), Madonna nos convoca a dançar como tolos ao redor dos mestres da guerra.

(Leia mais sobre Madame X aqui. Assista a comentários aqui.)

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