Roberto Freire tirou dos pobres para dar aos ricos. Essa é a conclusão que se tira a respeito da instrução normativa nº 1, a primeira mudança da Lei Rouanet na era da exceção democrática, publicada no Diário Oficial da União em 22 de março de 2017.

A mudança manteve todos os privilégios dos ricos, os institutos culturais, os grandes museus privados e as fundações que usam a Lei Rouanet. Foram estabelecidos tetos para as microempresas, mas os planos anuais não têm teto, podem continuar utilizando a grande massa dos recursos do incentivo. Ao mesmo tempo, o Ministério da Cultura (MinC) tirou todas as esperanças dos mais pobres, replicando assim as grandes mudanças que estão acontecendo no Congresso no momento, com a dilapidação da previdência social (na prática, um confisco de vidas inteiras de contribuição) e a terceirização do trabalho.

Os tetos, para as empresas de responsabilidade civil limitada (T4F, Aventura Entretenimento etc.), são de R$ 10 milhões por projeto, até o limite de R$ 40 milhões, e são admitidos até DEZ projetos por ano. Ou seja: exatamente como vem sendo, com um ou outro projeto fora da curva nos últimos cinco anos.

Logo no início do texto, vem a restrição do perfil do proponente de cultura. Só poderá apresentar proposta de financiamento pelo incentivo fiscal o proponente que comprovar 24 meses de atuação na área, com portfólio. Imagine grupos de expressões indígenas, de hip-hop ou de cultura popular produzindo portfólios de 24 meses de atuação para poder reivindicar o estímulo. E o primeiro projeto apresentado só poderá ter valor de até R$ 200 mil. A instrução normativa cria problemas para os pequenos e para os novos produtores, afunilando ainda mais e acentuando privilégios.

Na entrevista coletiva, o secretário de Incentivo à Cultura, José Paulo Martins, informou que serão privilegiadas as propostas de proponentes que já tenham em vista um investidor. Isso reduziria em 60% o volume de recursos apresentados à Lei Rouanet. Aí está um absurdo: o princípio presumivelmente democrático do mercado só serve para quem tem acesso privilegiado ao mercado. O resto chupa o dedo.

A mudança deu um jeito de manter privilégios de instituições como a Fundação Fernando Henrique Cardoso, que paga até papel sulfite com dinheiro da Lei Rouanet. Podem-se utilizar 50% dos custos do projeto na administração, e são admitidas como despesas de administração material de escritório; contas de telefone, água, luz ou de internet; pagamentos de pessoal administrativo e encargos sociais, trabalhistas e previdenciários. Ou seja: nada mudou.

A mudança institucionaliza o ingresso caro (“o valor máximo do produto cultural, por beneficiário, será de até R$ 250”) e cria um ingresso médio de fábula (R$ 150). Grupos artísticos foram equiparados a equipes de desfiles de moda, modelos e maquiadoras.

Os captadores de recursos podem cobrar até 10% do valor do projeto, até o máximo de R$ 100.000. Se captar para o Norte ou Nordeste, pode chegar a 15% e valor máximo de R$ 150.000.

Há uma ou outra coisa que se salva nessa cascata. O artigo 36, por exemplo, que veda utilização da lei por instituições religiosas, salvo quando caracterizadas exclusivamente como colaboração de interesse público e desde que o objeto do projeto contemple edificação tombada pelo poder público ou tenha natureza cultural. Evita que evangélicos queiram usar para suas igrejas, a não ser que elas já tenham um reconhecido valor histórico e arquitetônico.

Já as mudanças de atualização tecnológica e fiscalização não precisavam de nenhuma instrução normativa para serem adotadas. São questões de gestão do sistema. Aquela cara e aquele discurso de rigor extremo do ocupante da cadeira de ministro da Cultura na entrevista coletiva do dia 22 eram um grande exemplo de manifestação artística: um belo dum teatro.

 

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