O futebol é esse bolero infindável que dançamos aos milhares aos milhões aos borbotões em salões apertados e banheiros com torneiras estouradas.

Luís Fabiano marcou o primeiro gol do seu time aos 10 minutos, contra o Figueirense. Acumulava assim mais de 200 gols com a camisa do SPFC, terceiro maior artilheiro do clube, quase uma década com a camisa. Empurrava assim seu time para os prélios sanguíneos da próxima temporada, em estádios quéchuas, aimarás, incas e quiçá astecas.

Terminado o jogo, após o banho, mochila nas costas, Fabuloso foi até o vestiário e arrancou seu retrato na parede.

Saiu pelos corredores carregando o tributo debaixo do braço, como se dissesse:

“Mas fico com o disco do Pixinguinha, sim! O resto é seu”.

Luís Fabiano era naquela caminhada um ex-namorado ferido, um antigo amante que viu o novo amante passeando de mãos dadas com seu antigo amor, e ficou com a garganta embargada de ciúme. Aqui fui feliz, aqui fui largado, aqui me vingarei.

O segurança bateu-lhe nos ombros, mas também com um tipo de ternura magoada.

“Fotografei você na minha rolleiflex/Revelou-se a sua enorme ingratidão”.

A cena me pareceu a mais humana de um futebol quase desumanizado – ao menos nessa dimensão em que joga Luís Fabiano, que foi ídolo também no Sevilha.

Os gols de placa, a decisão renhida, a disputa da divindade: tudo me pareceu ficar em segundo plano por um momento. Luís Fabiano arrastando para alguma despensa sombria seu despojo  realista, sua placa de bronze, a lembrança de sua amada foi o que marcou a rodada. O coração rancoroso nunca aprende.

“O que vai ficar na fotografia/São os laços invisíveis que havia”, canta o hitmaker Leoni.

Numa era de grandes traições, de deserções estrepitosas, Luís Fabiano nunca revelou talento de mercenário, sempre se identificou com aquela camisa e foi por ela que voltou. Teria ofertas iguais ou mais polpudas.

Sai agora ferido, para um último rasante pelas agremiações dos dólares sem origem e dos malabarismos frente a torcidas errantes. Mas o derradeiro gesto extremado, que não lhe valeu expulsão, traiu seu verdadeiro sentimento.

É como diz o repente do poeta Zé Adalberto: “Retirei seu retrato da carteira sem tirar seu amor do coração”.

 

PUBLICIDADE
AnteriorDANÇUM, SE RASGUM!
PróximoE vai rolar a festa cristã
Jotabê Medeiros, paraibano de Sumé, é repórter de jornalismo cultural desde 1986 e escritor, autor de Belchior - Apenas um Rapaz Latino-Americano (Todavia, 2017), Raul Seixas - Não diga que a canção está perdida (Todavia, 2019) e Roberto Carlos - Por isso essa voz tamanha (Todavia, 2021)

1 COMENTÁRIO

DEIXE UMA REPOSTA

Por favor, deixe seu comentário
Por favor, entre seu nome