A MPB não gostava da música caipira que não gostava da música sertaneja que não gostava da academia que não gostava do jornalismo musical que detestava todos os outros e só gostava do indie rock gringo – que, por sua vez, mais parecia música sertaneja ou caipira ou MPB.

As formulações generalizantes são burras, embora possuam lá algum fundo de vínculo com a vida real. E há certas horas em que tudo se desorganiza e se desalinha, seja para se reorganizar e realinhar, seja simplesmente para demonstrar que a regra está tão cheia de exceções que de regra já não tem muito mais que o nome.

CowboysEsse momento esquisito em que tudo parece ter dado errado às vezes toma a forma de um filme, uma novela, um partido político, uma religião, um funk-ostentação, um livro. Hoje, provisoriamente, o mal-estar ganhou o formato de um livro de 600 páginas e o título Cowboys do Asfalto – Música Sertaneja e Modernização Brasileira.

O historiador sudestino que o escreveu, Gustavo Alonso, é fluminense de Niterói (embora nascido paulista em Aparecida, em 1980) e dá aulas no Nordeste pernambucano de Caruaru. O mal-estar em questão começou a tomar jeito em Paris, na França, onde Gustavo cursava o doutorado que resultaria na tese que viraria livro que curaria velhos mal-estares e ajudaria a criar outros novos.

Cowboys do Asfalto diz respeito a música caipira e música sertaneja e MPB e rock, a cultura popular e erudita, a jornalismo e a estudos acadêmicos, a isto e ao contrário disto, àquilo e ao contrário daquilo. Fala sobretudo de como uma senhora chamada música caipira se casou na igreja com a indústria cultural de massa e transformou-se a si própria num bebê chamado “sertanejo”, que em princípio seria enjeitado por grossas camadas das elites culturais, musicais, acadêmicas, jornalísticas.

Passados cerca de dois meses desde que a editora Civilização Brasileira botou o bloco de Cowboys do Asfalto na rua, a obra não parece devidamente assimilada em nenhum dos nichos que belisca e aos quais pertence de um modo ou de outro: academia, cultura, música sertaneja ou caipira ou jazzística ou roqueira, indústria cultural, jornalismo, entretenimento, grande público consumidor etc.

Talvez seja simples uma possível explicação para as dificuldades de assimilação: o mal-estar, frequentemente, evolui para uma espécie insípida, inodora, incolor e invisível de vômito chamada SILÊNCIO. É difícil debater aquilo que não consegue nomear, avaliar, rotular, classificar. Muitas vezes, é simplesmente difícil debater, ponto, parágrafo, travessão.

Procurando respeitar a bagunça que o livro de Gustavo provoca e tenta organizar, FAROFAFÁ acrescenta alguns ingredientes a mais a uma farofa para lá de saborosa. Como modo de anunciar o lançamento de Cowboys do Asfalto em São Paulo (na segunda-feira, 28 de agosto, às 19h30, no Centro de Pesquisa e Formação do Sesc de São Paulo (rua Dr. Plínio Barreto, 285, 4º andar, Bela Vista), promovemos uma reunião na casa de um de nós (este que aqui escreve, o jornalista Pedro Alexandre Sanches), com as presenças de Gustavo, o jornalista, professor e acadêmico Eduardo Nunomura (também de FAROFAFÁ), a jornalista (da rede de coletivos Jornalistas Livres) e militante partidária (do PT) Kátia Passos e o criminalista, sanfoneiro e pesquisador cultural Danilo Cymrot.

Dúzias de cervejas, alguma água de coco e a gata anfitriã Evita tentaram disciplinar a baderna – em vão, como demonstrará a série de vídeos que Eduardo conduziu e produzirá a partir da entrevista que era conversa que era mesa-redonda que era pelotão de fuzilamento que era bate-papo que era um divertido e prazeroso “dane-se o mal-estar”.

Como estamos tratando de formatos híbridos novos (o prenúncio do bem-estar?), não tentarei reproduzir nestas linhas a caótica entrevista. Os vídeos estarão aí para isso, e torço para que novos textos (etc.) surjam das verves de Gustavo, Danilo, Kátia, Eduardo, esmiuçando mais e mais o livro de Gustavo e tudo que lhe é conexo.

Mais útil seria, neste momento, tentar esmiuçar de que matéria é feito o mal-estar.

O bode encalhado no meio da sala, evidentemente, se chama música sertaneja. O livro de Gustavo (que antes já publicou o excepcional Simonal – Quem Não Tem Swing Morre com a Boca Cheia de Formiga, sobre o bode expiatório Wilson Simonal) traz mais uma vez para dentro da sala velhos bodes expiatórios da sociedade brasileira – a começar por essa entidade cultural escorregadia a definições quaisquer que já chamamos (e/ou deixamos de chamar) de caipira, depois sertanejo, então sertanejo universitário, atualmente quem sabe sertanejo bruto (como ensinou Danilo a certa altura da conversa).

Num primeiro olhar descuidado, a música brasileira interior (não estou falando de subgêneros MPB nem de folk mauricinho) parece dissociada de outros gêneros tidos como populares ~demais~ porque não tem a pele tão escura quanto o funk, o pagode, o axé, o tecnobrega, o forró, a lambada, o hip-hop, o arrocha. Ledo engano.

Fruto da união carnal não consensual entre a índia e o colonizador, a música caipira disfarça-se na paisagem como os povos indígenas se misturam numa multidão que se sonha 100% europeia, folk-indie-rock-branco-rico-cosmopolita. Como afirmo na orelha de Cowboys de Asfalto, que tive a honra de escrever, Gustavo veio do litoral para dar um basta na grande potoca de um país de dimensões continentais que, supostamente, não tem tem nenhum quilômetro de interior.

Gustavo desconstrói a grande lorota desconstruindo uma infinidade de potoquinhas pequeninas, uma por uma. É o mesmo procedimento do espetacular Eu Não Sou Cachorro, Não, do também historiador Paulo Cesar de Araújo, livro que demonstrou que, por trás do ódio de classe contra a música dita cafona, existia menos reprovação estética ou teoria cultural que um edifício cruel urdido à base de preconceitos apontados para as têmporas de negros, índios, mulheres, homossexuais, pobres e outros dissidentes sociais.

Gustavo avança e se aprofunda no tempo e no espaço, para investigar as origens e os destinos dos preconceitos que o topo da pirâmide social brasileira devota contra um grupo musical que, feitas as contas, às vezes se disfarça de branco, fazendeiro, rico, caipira universitário, estudante de doutorado na França… Não ouso aqui tentar traduzir as conclusões do autor – para fazê-lo existe o livro, em si, propriamente dito.

Mais uma potoquinha insidiosa divulgada por vários estratos de uma sociedade que criou ditaduras, se redemocratizou, fez-se de vítima e passou a fazer de conta que não tinha nada a ver com os horrores passados: Gustavo reconhece que muitos caipiras e sertanejos foram, sim, sustentadores da ditadura civil-militar. Foram, como de resto o foram emepebistas, bossanovistas, jazzistas, sambistas, dentistas e representantes de quaisquer outras matilhas culturais.

Ele não nega a metade autoritária da laranja, apenas acrescenta a ela a outra metade: houve e há sertanejos e caipiras progressistas, esquerdistas, pró-reforma agrária, libertários etc. etc. etc. O conservadorismo e o espírito libertário moram juntos em cada nicho social, talvez dentro mesmo de cada um de nós. Eleger um Simonal ou um ídolo sertanejo desmiolado como suposto portador de todo a maldade existente no mundo é a tática velha e manjada de definir e aprisionar o bode expiatório. Mas o bode, nestes loucos anos 2000, mudou de nome para elemento emergente e está por aí livre, leve e solto, mudando a cara do mundo e do Brasil.

Outra grande potoquinha que cai por terra diante do olhar atento e despreconceituoso do historiador: música sertaneja é essencialmente conservadora, ponto final, parágrafo, travessão, pausa para o recreio.

A senha está dada no subtítulo do livro. Gustavo demonstra que, ao menos formalmente, os sertanejos estiveram na vanguarda do impulso cultural como os tropicalistas estiveram na linha de ruptura da MPB com seu próprio conservadorismo. Onde Inezita Barroso queria viola caipira e Rolando Boldrin só admitia sanfona, as duplas colloridas dos anos 1990 esbanjaram guitarra elétrica e teclados sintetizados.

Vir do interior do Brasilzão, para Zezé di Camargo Xororó, não precisava ser sinônimo de viver uma vida acorrentada a valores arcaicos, ao cancioneiro de boiadeiros, à escravidão simbólica imposta ao homem rural pelo homem urbano.

Mal-estar personificado: os caipiras não gostavam de ser chamados caipiras, os sertanejos detestavam ser tratados como sertanejos, os sertanejos universitários ficam pouco à vontade com o termo sertanejo universitário. No último capítulo do livro, Gustavo tem poucas páginas e olhar histórico não suficientemente distanciado para se debruçar sobre a forte complexidade do atual boom de sertanejo universitário e pós-sertanejo pós-universitário.

O autor traça um painel valioso, embora necessariamente incompleto, das novas gerações de brasileiras e brasileiros interiores. Investiga a forte influência do padrão Acústico MTV para a ninhada “sertaneja universitária”, sem perder de vista que os netos de Inezita caíram no colo da avó trocando os teclados e guitarras de Chitãozinho & Luciano por, veja só, violas e sanfonas. A hibridez toma conta de tudo, enquanto o gênero camaleônico da música interior fica cada vez mais forte na tática de se desviar de rótulos, regras e padrões.

O cara que um dia um intelectual conservador paulista batizou de Jeca Tatu jamais teve medo de se modernizar e de empurrar para frente a donzela teimosa chamada História. Hoje ele cursa universidade e/ou reflete um país que finalmente, após 500 anos de colonialismo, resolveu olhar de frente para uma quimera chamada EDUCAÇÃO. Faz sucesso mundial mesmo sendo matuto paranaense ou pantaneiro (Michel Teló). Canta sem precisar de segunda voz (nem estourar a própria garganta, defende Gustavo na nossa conversa). Vira mulher (Paula Fernandes) e se expressa sem obrigatoriamente recorrer a machos produtores ou compositores.

Em síntese, o cara ou a moça que já se chamou Jeca Tatu hoje alça os voos que quiser alçar. A busca pela liberdade atinge patamares inéditos, seja o freguês adepto ou detrator das famílias não-tradicionais, eleitor da direita ou da esquerda, admirador de mocinhas ou de bandidões, bajulador da Beyoncé ou do Chico Buarque. Quem não quer, não consegue ou não aceita ver a roda viva da história girar fica feito Carolina, à janela, resmungando da feiúra da banda que passa.

Nos momentos de mal-estar em que tudo parece estar esquisito demais, você olha o mundo de ponta-cabeça e parece que o bode ainda está lá, impávido colosso, plantado no meio da sala. Ledo engano.

Há tarefas que só trabalhadores como Gustavo Alonso e obras com a consistência da que ele tem erguido conseguem tocar. Assim como o bode, a obra é uma criação coletiva – aqui estamos, tod@s junt@s, nós que somos cantores, escritoras, jornalistas, acadêmicos, compositoras, leitores, amantes e odiadores deste ou daquele gênero musical. Os preconceitos quem espalhamos somos nós – não é a vizinha do primo da cunhada que até tem um amigo que é preto, gay, puta ou travesti.

A hibridez, seja a dos sertanejos ou a da obra do historiador, é a procura pelas pontes que nos livrarão dos abismos (como já percebeu certeiramente o Danilo) e do medo de cair no abismo. A hibridez é poder cantar uma moda pop de Luan Santana para agradar vó Inezita e vô Serge Gainsbourg aos pés metálicos da Torre Eiffel. Os preconceitos quem dizimamos somos nós, apenas nós, ninguém mais além de nós.

 

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6 COMENTÁRIOS

  1. Peço permissão a FAROFAFA , porque irei comentar esta Materia com a verdade e com a realidade.
    No BRASIL, para que os ” cantores “, as ” musicas ” e os ” musicos ” ficarem famosos, conhecidos e ricos financeiros , e muito facil.
    Basta simplesmente ter a TV GLOBO, a Tv dos Bobos, como Patrocinador e Padrinho.
    A TV GLOBO , e uma ” fabrica “de ” artistas ” de pessima qualidade.
    E tambem ,manipula milhões de brasileiros idiotas, de otarios.
    ” CANTORES ” como o ” REI ” Roberto Carlos, Fabio Junior ( ou Jr) , Claudia Leite, Paula Fernandes ( afilhada do Roberto Carlos ) , Michel Telo , Luan Santana , Zeze de Camargo , Xororo, Chitãozinho, Chico Buarque , Ivete Zangalo, e outras porcarias .
    E os baianoas, são os pioeres , alem de ser pessimos, copiam as musias dos outros .
    As musicas caipiras são feias e chatas. As sertanejas horriveis. A MPB ,tinha algumas musicas horriveis.
    A Academia Brasleira e Letras , eum vergonha mundial , e politca.
    A Academia de Musica , não posso comentar , não conheço os detalhes.
    Jornalismo musical, alguns são bajuladores da Poderosa TV GLOBO.
    ROCK , e insuportavel.
    Analisem , milhões de brasileiros não sabem nem falar sua propria lingua, e valoriza os ” cantores ” norte-americanos e os ingleses.
    E encenam que estão ” cantando”as musicas em inglês.
    Partidos politicos e religiões , sabemos que são um bando de ladrões , gostam e de dinheiro.
    Funk ostentação quem gosta , são as pessoas subdesenvolvidas culturalmente.
    Cultura inutil , prostituição e drogas.
    Filme , novela, e livro sobre musicas caipira e ou sertaneja , e algo repugnante.LIXO.
    Sabemos que, brasileiros, escritores, cantores, musicos, artistas , jornalistas etc. , para ficarem famosos, TEM que residir e ou passar uns anos no EXTERIOR .
    Santo de casa, não faz milagre.
    E muito facil as Industria fonograficas fiacre milionarias financeiramente, milhões de brasileiros sã ” consumidores ” babacas.
    E tambem e muito facil, os “Cantores “, os “Musicos e as ” Musicas” ficarem famosas , milhoes de brasileiros tem pessimo gosto musical.
    Respeito a sra. Inezita Barroso e o sr. Rolando Boldrin, foi ( Inezita ) e E (Rolando ) , excelentes.
    O Jeca Tatu, muito ridiculo e chaterrimo.
    Existiu um ” boato ” , porem dizem que foi verdade, que o Wilson Simonal foi ” Dedo Duro ” , o Judas brasileiro, no Periodo da Ditadura Militar de 1964 , no Brasil .
    As Historias que ocoreram , ocorrem e irao sempre ocorrer no BRASIL, e de muitas mentiras ,
    falsidades , cinismo , difamações , invejas e despeitos.
    Vergonhosa , podridão.
    Sugiro o Paulo Maluf Presidente do Brasil e o Vice, o Fernando Collor de Mello.
    E as palavras escritas na Bandeira do Brasil, iam mudar :
    ” Ordem e Progresso , para ” Desordem e Retrocesso “.
    BRASIL, ame-o ou deixe-o.
    EU minha familia preferimos deixa-lo.
    Residimos na California , U.S.A.
    Bye, bye, BRAZIL.
    Hug.
    SUCESSOS, FAROFAFA .
    Abraço sincero.

    Ito Cavalcanti
    California, U.S.A.

    .

    • Quanta asneiras escritas por um único indivíduo. Se você é brasileiro, devia ter orgulho e saudade de seu torrão. Porém, parece não ser seu caso. Abandone então esta terra e seus problemas tupiniquins, recolha-se a sua moradia nos USA e deixe de opinar besteiras.

  2. Esse Ito é um quadrúpede. Uma cavalgadura. Porque mora lá fora se acha superior. Falou falou falou e nada disse. Se bobear é só um fake bobo criado pra Troller o farofafá. Nao sabe debater, é preconceituoso e NADA entende de música. Deve ficar ouvindo beethoven e Mozart o dia inteiro Senac Banco superior.
    Fica aí chupano o ovo dos ianques seu Mérida! E deixa o Brasil em paz!!!

  3. Interessante o artigo e o livro tb parece ser. Eu tb não sou fã de Sertanejo, mas fico intrigado como sempre recai sobre eles uma certa culpa por estar “estragando” a “legítima” música brasileira, contaminando as nossas “tradições”. Alguém os elegeu para baluartes – ou na verdade bodes-expiatórios – da cultura nacional. Os garotos sudestinos – adorei isso – podem fazer o que querem, misturar rock com samba com jazz com baião com pop… nada é sagrado para eles. Mas os sertanejos, esses destruidores da cultura nacional!
    Mudando de assunto…
    O que é esse Ito, gente? O cara é o protótipo do complexo de vira-lata. Nelson Rodrigues deve estar rolando no caixão. Alguém devia escrever um livro sobre ele. Deveria se voluntariar como cobaia em um centro de estudos do complexo de vira-latas.

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