“Meu amor, arrume as malas que vou viajar/ tchau, goodbye pra você/ Nova York, Cuba, Tóquio, pra qualquer lugar/ bem longe de você.” Cantados por Joelma na Banda Calypso, esses versos de Beto Caju Edu Luppa na deliciosa “Tchau pra Você” (2005) sempre soaram intrigantes para mim. Se quem ia embora era ela, Joelma, por que ele, Chimbinha, é que tinha que arrumar as malas?

Captura de Tela 2015-09-03 às 13.45.59A crise afetiva que eclodiu no seio da revolucionária banda (ou dupla?) paraense de tecnobrega desloca tudo de lugar. Os versos do passado metaforizam as tretas do presente, vividas em cores nas páginas (ainda existem?) de Caras (“Ser humano é que trai, a lua não trai, não“) e ao vivo no programa de Sabrina Sato na rede do bispo evangélico Edir Macedo. Segundo diz a também evangélica Joelma (os trechos mais picantes começam a partir dos 10 minutos), é ela que vai arrumar as malas e viajar para longe da Banda Calypso.

Os versos da saborosa “A Lua Me Traiu” (2006), de Beto Caju com Jairkon Neves, não sobreviveram à superlua de setembro de 2015 (e, nossa, quantas superluas temos atravessado): “Parece até conto de fadas, mas assim aconteceu/ éramos dois apaixonados, Julieta e Romeu/ naquela noite encantada/ pedi pra lua dos amantes/ que iluminasse essa hora/ pra esse amor eternizar/ mas num passe de mágica você desapareceu/ um eclipse maldito, o encanto se perdeu”.

Assim como ELE arrumava as malas para que ELA viajasse para Nova York, Cuba, Tóquio, qualquer lugar, Romeu desaparecia e Julieta jogava a culpa (ó, palavra cruel, essa dona culpa) na lua: “A lua me traiu/ acreditei que era pra valer/ a lua me traiu/ fiquei sozinha e louca por você”.

Quem desapareceu, afinal? Foi Romeu ou foi a lua ou foram ambos? Quem arrumou as malas? Quem viajou para Nova York de Cuba? Por que somos, nós, os seres humanos, tão essencialmente confusos?

Vivendo seus dramas pessoais nos palcos e telas da vida, Joelma e Chimbinha representam para 2015 o que Roberto Carlos tem representado a cada tragédia particular dividida com os fãs (e, no caso dele, a cada tentativa de interditar biografias ou outros relatos que fujam do script obsessivamente auto-imposto). Representam o ultra-romantismo e, no caso da Calypso, a falência do ultra-romantismo. Esse negócio de traição, seja do namorado, da lua ou dos namorados da lua, não sei, não, não está colando mais, não.

“Quer transformar a minha vida/ em uma novela de TV/ onde o ciúme é o dono da situação/ tô de saco cheio, não dá mais pra aturar/ a sua maldita obsessão”, cantava em “A Lua Me Traiu” a mesma Joelma que hoje chora na TV, evita o olhar do parceiro, fala compulsivamente de Deus e anuncia o início da carreira individual (mas só depois de dezembro) (2016 verá o nascimento de uma cantora de tecnogospel?) (alô, Baby Consuelo do Brasil!).

Por um lado, a heroína se faz de vítima (e leva uma multidão de súditas adolescentes a verter lágrimas vivas de desespero e de ibope). O (anti)herói (ou o vilão?) se faz de vítima pelo outro lado. Dalva de Oliveira Herivelto Martins desmancham o Trio de Ouro em pleno 2015. João Emanuel Carneiro embaralha heroísmos e vilanias e transforma mais uma novela de TV em nossas vidas.

Como bem sabe Roberto Carlos, autovitimizar-se é a própria essência do romantismo e da perpetuação do romantismo. Quem ainda cai nessa potoca?

De um lado, a lua não trai, o ser humano é quem trai (ó, traição, palavra maldita que faz o sobrenatural Nelson Rodrigues se erguer diariamente do mundo dos mortos). Do outro lado, mulher não trai, mulher se vinga, como cantou Solange Almeida dos cearenses Aviões do Forró no gostoso tecnoforró homônimo de 2009, em versos anti-românticos (feministas?) de Rodrigo Mell Elvis Pires: “Mulher se vinga, mulher não trai/ eu era boba, não sou mais/ (…) entre homem ou mulher os direitos são iguais/ eu bato de frente, é dente por dente”.

Em tempos de derrocada do punitivismo ultra-romântico (ó, punição, malvada palavra ultracatólica), a endiabrada Joelma poderá sustentar, como românticos d’antanho, que estava à toa na vida olhando a superlua e não viu a “traição” passar?

E Chimbinha, caso venha a ser perdoado (ó, feiosa palavra religiosa, esse tal de seu perdão) pela heroína, poderá continuar forrando sua genial guitarrada tropicalista com versos tradição-família-propriedade dirigidos a Deus, a Jesus e à elevação espiritual?

Quanto dinheiro eles perde-ganharão (quanto dinheiro nós perde-ganharemos) com isso tudo?

Meme calypseiro lançado pela internet deboísta
Meme calypseiro lançado pela internet deboísta

À parte quaisquer brincadeiras buliçosas com a difícil (e mercadológica?) situação vivida por Chimbinha e Joelma, este é um texto de elogio à revolução romântico-tropicalista de bandas como a Calypso e a Aviões, que trazem à baila, além de fina diversão, as maiores questões da alma humana do corpo humano dos terráqueos e das terráqueas de 2015.

Enquanto a banda passa, a caravana ladra, a mala se faz sozinha e a revolução é televisionada, ficamos por aqui com os versos eternos (ó, palavra fiel, essa tal de eternidade) da maravilhosa “Isso É Calypso” (2005), de Edu Lupa e Marquinhos Maraial (por que só homens compõem a revolução?): “Vem na levada do estado do Pará/ vem nesse ritmo comigo/ solte seu corpo e deixe o sonho te levar/ você não vai querer parar”. É suingue de tremer o chão.

 

 

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