Zezé & Zeca poderiam ser uma dupla sertaneja. Poderiam ser irmãos. Poderiam ser ambos filhos de Francisco. Poderiam até ter a mesma opinião sobre a música sertaneja. Opa! Embora nunca tenham sido uma dupla ou irmãos, nem filhos de Francisco, eles já tiveram opiniões semelhantes acerca da música. Zezé di Camargo se expressou sobre o sertanejo universitário de forma bastante parecida com que Zeca Camargo fez recentemente.

O comentário de Zeca Camargo sobre a comoção diante da morte de Cristiano Araújo, realizado no dia 27 de junho no “Jornal das 10” da GloboNews, gerou repercussão entre os fãs da música sertaneja. A partir daí, as contas de Zeca em redes sociais foram bombardeadas por agressões de haters. Zeca foi também criticado em blogs importantes do meio, como o Blognejo e o Universo Sertanejo. Entre os principais nomes da música sertaneja houve até uma campanha: eles tiraram fotos tapando os ouvidos, como se quisessem fugir daquele discurso tão batido.
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O discurso de Zeca foi entendido, a meu ver com razão, como um comentário de alguém esnobe, que puramente rejeita o sucesso da música sertaneja. Seu discurso tem utilidade: entre os hipsters e cults de nosso país, ganham-se louros a partir da distinção em relação aos gêneros musicais populares massivos. Zeca reflete suas origens e história, menos querendo discutir um tema tão importante seriamente e mais buscando repudiá-lo simplesmente.

Ao comentar o assunto dia 29 de maio em sua coluna na Folha de S.Paulo, Zeca foi claro: “Empobrecemos nossa pauta cultural. E não porque o sertanejo não é erudito. Mas porque ele foi eleito como tal, numa terra que só é de cego porque ninguém tem a competência de lembrar que tem pelo menos um olho para reinar”.

Diante da continuidade do achincalhe público a Zeca, ele foi a programas da Globo, como no Video Show, para pedir desculpas (esfarrapadas) pelo que tinha comentado. Ao fazê-lo, cometeu outra gafe. Chamou Cristiano Araújo de Cristiano Ronaldo, como Fátima Bernardes havia feito no dia da morte. Não obstante, ganhou o apoio da apresentadora Monica Iozzi, que disse que concordava com a fala inicial de Zeca.

O incômodo perdurou. E Zeca se sentiu intimado a novamente se justificar no texto “Catarse e seus descontentamentos”, publicado no site do G1 também em 29/06. Repetiu argumentos que diminuíam a música sertaneja: “Há sobretudo a ironia de achar que estamos discutindo a cultura brasileira quando cada linha sobre o assunto (…) só joga mais uma pá de terra na questão: não há nada interessante para falar neste universo neste momento no Brasil”.

Nada disso é de se espantar, apesar de ser detestável. Zeca Camargo representa parte considerável da sociedade que não apenas desconhece o Brasil, como se regozija em diminuir outras culturas. É a mesma acusação que sua geração dos anos 1980 teve que enfrentar. A década em que Zeca se formou como jornalista foi chamada pelos críticos da época de “década perdida”. Uma pena que ainda haja pessoas que achem que o Brasil ainda suporte tais dicotomias.

Mas Zeca não está sozinho. O espantoso é que esse ponto de vista é tão disseminado que muitos pensam ou já pensaram de forma parecida. O caso mais espantoso é o de Zezé di Camargo. Ele mesmo, o filho de Francisco, foi por anos a fio um crítico do sertanejo universitário com argumentos muito parecidos aos de Zeca.

Zezé di Camargo & Luciano - site oficial
Em 2007, Zezé considerava o rótulo universitário “uma babaquice”, como declarou ao jornal Diario do Grande ABC. E completou: “Os caras fazem sertanejo e nos imitam, imitam Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo e João Paulo & Daniel. Se você tocar as minhas músicas em qualquer universidade, todo mundo vai cantar.”

Na época Zezé salvava da crítica apenas a dupla César Menotti & Fabiano. “Gosto muito deles porque foram pioneiros nessa onda. Tudo o que cria um novo modelo, mesmo que seja de regravações, como eles fizeram, eu respeito. O resto é a cópia da cópia”, disse Zezé. A escolha por poupar César Menotti & Fabiano talvez se explique pelo fato de que a dupla regravava sucessos de Zezé di Camargo, como “Coração Está em Pedaços” e “Sem Medo de Ser Feliz”, ambas composições de Zezé. Elas foram gravadas no disco marco do início do sertanejo universitário, o CD/DVD Palavras de Amor — Ao Vivo, de 2005. Em 2008, César Menotti e Fabiano continuaram gravando o repertório de Zezé, com “Rédeas do Possante” e “Você Vai Ver”, no CD/DVD Voz do Coração.

Inconsequente, Zezé radicalizou nas críticas em 2008 e se tornou menos simpático às regravações de sua obra: “Você pegar e regravar uma música de um artista de 20 ou 30 anos atrás é uma coisa. Agora, você pegar uma música que foi sucesso com aquele artista, chegou a ser música de trabalho, menos de oito anos atrás… Aquilo não é tentar fazer sucesso, é pegar carona. (É porque) sabe que quando tocar a primeira nota o pessoal vai sair cantando”, disse o sertanejo.

Nesse ano, Zezé preferiu valorizar o também compositor Victor Chaves: “Victor & Leo são de um talento extremo, compositores de verdade. Os outros não dá pra engolir. Tem gente cantando música e não gosta de sertanejo de verdade.” A ira dos filhos de Francisco contra os netos prosseguiu. Em entrevista em 2008 para o site G1, cujo título era “O sertanejo universitário repetiu de ano”, Luciano também criticou os novos artistas, salvando apenas Victor & Leo: “Victor & Leo, pra mim, já é uma realidade. Eles compõem, cantam muito bem e não copiam ninguém. Você vê um monte de cover de Zezé Di Camargo & Luciano, Bruno & Marrone… Agora, aquela turma que regrava um sucesso nosso de oito anos atrás e chama de sertanejo universitário é uma ofensa. Acho um desrespeito. Enquanto eles são sertanejos universitários, eu sou mestre. E se eles não conseguiram fazer sucesso depois de lançar três discos, eles são repetentes, não passaram de ano. (…) Cadê esses sertanejos universitários? Estão todos fazendo prova até hoje”.

E o tom das críticas dos filhos de Francisco ia aumentando. Em meio ao lançamento do CD/DVD Duas Horas de Sucesso, em 2009, Zezé falou que o sertanejo universitário era uma “mentira marqueteira”: “Essas duplas não inventaram uma nova música. As letras não são intelectuais, elas não se formaram em universidades, a maioria deles nem frequentou uma universidade. Sou contra essa mentira marqueteira. (…) O público é o mesmo, a única diferença é que essas duplas novas aceleram o andamento da música tradicional”.

Aos poucos, a partir de 2010, Zezé refez o discurso em relação aos universitários, passando a aceitá‑los quase que integralmente. Mas ainda assim volta e meia criticava os novatos, como fez em entrevista para o programa Roda Viva, da TV Cultura, em 2012: “‘Festa no Apê’ (canção do Latino) e ‘Ai se Eu Te Pego’  (sucesso de Michel Teló) foram os dois maiores hits do rádio, que viraram praga mesmo, sucesso em todas as camadas sociais, todo mundo cantava… São ícones desse tipo de música que é um tipo de sucesso imediato… Daqui a dez anos qual a emoção que você vai sentir ao ouvir ‘ai se eu te pego/ ai, ai se eu te pego’? Você não vai sentir emoção nenhuma! Daqui a dez anos você vai ouvir ‘Detalhes’ (de Roberto Carlos) e vai se emocionar do mesmo jeito”.

Como se vê, Zezé tinha opiniões muito semelhantes às de Zeca. A diferença entre Zezé e Zeca é que o primeiro mudou de opinião na virada da primeira década deste milênio.

Até 2010, Zezé ainda criticava o uso do termo “universitário”. A partir de 2011, passou a apoiar de vez os novos artistas: gravou duas faixas com Luan Santana no disco Ao Vivo no Rio. Passada meia década de fenômeno universitário, Zezé percebeu que algumas duplas poderiam permanecer no tempo: “Eu posso te falar do Zé Henrique & Gabriel, que são ótimos, que eu aposto mesmo. Tem o Victor & Leo, que também têm um trabalho consistente. (…) Você tem que se importar se uma música que você grava hoje vai ser cantada, com emoção, daqui a dez anos. Quem conseguir ter essa visão e seguir por esse caminho tem tudo pra permanecer”.

Zezé passou então a colocar panos quentes nas antigas declarações, apagando as oposições e negando o discurso que fizera por vários anos. Perguntado sobre a declaração proferida por Luciano de que ele era “mestre” enquanto os universitários eram apenas graduandos, Zezé se justificou: “Essa declaração do Luciano aconteceu porque ele foi provocado, por isso respondeu. O que acontece é que tem algumas pessoas que querem colocar a gente numa vala comum, como se nós fôssemos dupla do passado, essas coisas, dizer que somos dinossauros. (…) Não tem problema nenhum nosso com ninguém, eu sou amigo de vários deles, a gente sempre tá junto, sempre se encontra nos shows”.

Em 2011, Zezé elogiou longamente Luan Santana no programa Altas Horas, da TV Globo, dizendo que o jovem artista “veio pra ficar” e que tinha “muita personalidade”. Nesse mesmo ano, Zezé deu declarações bastante simpáticas em relação ao rótulo “universitário”, em entrevista à jornalista Marília Gabriela: “(O termo sertanejo universitário) é um aval… Que eu não acho ruim, não. Tudo que vem para divulgar, para somar e para derrubar preconceitos, para derrubar mitos, eu acho que é válido pra caramba. Porque quem falou que não gostava agora não tem direito de voltar atrás, não pode voltar atrás”.

No entanto, o próprio Zezé era um dos que “voltavam atrás” no julgamento. O ano de 2012 pode ser marcado como o do fim do “preconceito” de Zezé di Camargo em relação ao sertanejo universitário. Nesse ano ele participou com o irmão do CD/DVD de Victor & Leo Ao Vivo em Floripa e cantou a música “Quando Você Some”. Cantou também ao lado de Maria Cecília & Rodolfo “Imprevisível”, do repertório do CD/DVD Com Você da dupla sul‑matogrossense, lançado no ano seguinte.

Zezé estava também compondo com novos artistas. Num show em 22 de setembro de 2012, em São Luís do Maranhão, depois de cantar “Pra Você” com a imagem e voz de Paula Fernandes em playback, Zezé disse: “Tem muita gente que não sabe que eu fiz algumas canções com a Paula, como ‘Pra Você’, ‘Sem Você’… São todas parcerias nossas!”. Além dessas, “Mineirinha Ferveu” era obra conjunta dos dois. Zezé deliberadamente associava‑se ao sertanejo universitário.

Em 2013, o envolvimento de Zezé com os universitários era tanto que ele produziu o disco de Gusttavo Lima. Convencido da importância dos universitários, o mito cortejava toda aquela geração de enorme sucesso. Sobre Gusttavo Lima, Zezé estava empolgado. Chegou a receber o cantor em sua fazenda e proferiu as simpáticas palavras ao cantor de “Tche Tchereretche Tchê”: “É impressionante o talento dele. Tenho convivido e acompanhado o Gusttavo Lima. Vendo só de fora, tudo que tem sucesso imediato, há um pouco de preconceito. A gente tem preconceito de coisas que são relâmpago. Mas, quando você conhece, isso vai mudando”. E elogiava a geração inteira: “Dentro da nova safra, tem Paula Fernandes, Jorge & Mateus, Victor & Leo e Luan Santana, que já são uma realidade. São talentos para prosperar e que vieram para ficar”.

Em uma longa entrevista no ano de 2013, Zezé fez um mea‑culpa por ter criticado a nova geração e traçou um paralelo com o começo de sua carreira, reconhecendo que ele, naquela época, também foi criticado como artista supostamente passageiro:

“Quando nós surgimos também, quando lançamos ‘É o Amor’, viram dois moleques cantando, muita gente falou que a gente ia durar dois anos. Nós estamos há 22 anos aí, na estrada, fazendo sucesso com a mesma intensidade. Quer dizer, não dá para você olhar um artista hoje e falar que não vai longe. Não pode cometer esse erro. Você não sabe a bagagem que a pessoa às vezes tem. Você só vê o artista quando vê ele cantando aquele sucesso, aí quando você conhece o cara pessoalmente, o cara tocando… Eu já não comento mais porque eu já quebrei a cara várias vezes… de ver um artista na TV cantando seu sucesso e pensar que isso caiu na cabeça dele, que é um sucesso imediato, que não tem qualidade para sustentar isso durante muito tempo. Depois você acaba vendo que o cara tem. Eu posso dizer que tem alguns nomes que eu conheço pessoalmente, com quem já toquei junto, que eu sei que têm qualidade musical. (…) As pessoas precisam de um tempo para mostrar a qualidade delas. Quando nós surgimos fazendo sucesso, foi só depois de uns cinco ou seis discos que as pessoas começaram a respeitar a gente. Viram que a gente começou a acertar um sucesso atrás do outro, um disco atrás do outro. Aí começaram a respeitar a gente. Então acho que isso acontece com os artistas que estão há três, quatro anos fazendo sucesso. Precisam de tempo para se firmar. Tem uns que já são realidade para mim. Posso te citar o Gusttavo Lima, que eu tenho certeza absoluta que veio para ficar, pela qualidade, toca bem violão, guitarra, canta, canta muito, tem potencial. O próprio Luan Santana, eu já tive oportunidade de encarar ele assim cara a cara, de meter um tom lá em cima e ele corresponder. Victor & Leo, Paula Fernandes é uma baita de uma artista. Jorge & Mateus conseguiram no meio dessa turma não cair na mesmice, com um repertório bem cuidado. Eu acho que esses nomes aí vão se somar a Zezé Di Camargo & Luciano, a Chitãozinho & Xororó, a Leonardo, a Daniel, que já vêm há muito tempo segurando a peteca”.

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OBS: Para as referências às falas de Zezé, consultar o capítulo “Os netos de Francisco”, do livro Cowboys do Asfalto: Música Sertaneja e Modernização Brasileira“, de Gustavo Alonso

 

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10 COMENTÁRIOS

  1. Zezé di Camargo? Zeca Camargo? Um, bobalhão do sertanejo pop; outro, bobalhão da MTV e depois da Globo. Música “caipira” de qualidade? Encham a boca de farofafá e digam: Elomar & Xangai.

  2. ZECA E ZEZÉ ESTÃO CERTÍSSIMOS. VICTOR E LEO CONCORDAM TAMBÉM QUE A MUSICA “SERTANEJO UNIVERSITÁRIO” NÃO MERECE DESTAQUE POR QUALIDADE CULTURAL DE MODO NENHUM. MISTURAR A PESSOA DE CRISTIANO COM SUA ARTE NO MOMENTO DE SUA MORTE FOU UM MODAO DE DAR SIGNIFICADO A DUAS INSIGNFICÂNCIAS. INCONVENIENTE, SIM MAS CORRETO.

  3. Basta ver os palanques políticos que o tal zezé di camargo frequentou. Subiu no palanque de lula e na última eleição onde ele estava? Com todo hipócrita, navega conforme a maré.

  4. O álbum ao vivo do Victor e Leo é muito bom. Dupla, conforme coluna, mais defendida pelo Zezé (artista que eu detesto pelo oportunismo, e pelas musicas fracas, ao meu ver), e que não se enquadra como sertanejo universitário, pelas letras e melodias.
    Apesar da maioria do sertanejo universitário ser ruim mesmo, do tipo que não agrega nada, o discurso do Zeca Camargo foi preconceituoso sim.
    Sertanejo é cultura e tem muita coisa rica. O que passou das palavras do global é o contrário disso.

  5. Apesar de discursos parecidos no caso do Zezé acho que foi uma questão de ego inflado mesmo. Agora no caso do Zeca Camargo foi puro preconceito. É típico das pessoas do Rio de Janeiro considerar a música sertaneja como algo brega. Não os culpo, pois eles tem outra fundamentação artística, tem a cultura do samba, do pagode, do axé. da bossa. Eu mesmo não consigo gostar destes outros gêneros.

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