Não é uma música propriamente nova. O videoclipe foi instalado no YouTube em 3 de novembro de 2013 (e acumula mais de 20 milhões de visualizações no momento de escrita deste texto, em 27 de abril de 2014). Chama-se “País do Futebol”, e é uma loquaz fusão entre o funk-ostentação de MC Guime e o rap(-ostentação?) de Emicida.

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A música é uma cápsula de arte em estado bruto, apesar de milimetricamente lapidada.

O videoclipe, dirigido por Fred Ouro Preto (sobrinho de tio Dinho Ouro Preto, roqueiro-líder da banda brasiliense Capital Inicial), não fica atrás. Pensemos, em voz alta, sobre os dois, música e vídeo.

A hibridez comanda a partida. O clipe começa não como música, mas como documentário (sua bênção, Eduardo Coutinho). Sob imagens do Jardim Fontales, em São Paulo, Emicida resume o assunto de que se vai falar: “A pior barreira memo é a auto-estima. Tá ligado? Porque, mano, sem maldade, quando cê nasce num lugar como esse aqui, mano, as pessoa te empurra pa baixo memo, a sociedade inteira te empurra pa baixo procê não acreditar memo”.

Dois cachorros pretos e um gato ruivo ilustram a hibridez sob o fundo impressionante do Jardim Fontales de Emicida. Corta para Vila Izabel, em Osasco, com MC Guime, e de volta para São Paulo, no Jardim Sinhá, com meninos jogadores de futebol: “Contra mim ninguém será!!!”.

Após 1 minuto e 14 segundos, a canção começa, no flow.

O documentário vira música, música de altíssima qualidade, suingada, rap-funkeira, sobre futebol. Vai ter Copa, tá quase chegando.

“Até gringo sambou, é nóiz”, o funker e o rappeiro abraçados, Guime de camiseta vermelha estampada por uma estátua da liberdade de mãos ao alto. “Por onde a gente passa é show, fechô, e olha onde a gente chegou”, canta o funkeiro-ostentação que, nessa canção, é pura melodia.

“Eu sou país do futebol, nego, até gringo sambô, tocô Neymar é gol” – e o musidocumentário viaja até Guarujá, no litoral paulista, “ô minha pátria amada, idolatrada, salve a nossa nação/ e através desta canção hoje posso fazer minha declaração”, “jogando bola dentro da favela/ pro menor não tem coisa melhor”,  “a rua é nossa e eu sempre fui dela”.

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Volta o refrão, e Neymar agora está ao lado de Guime e dos meninos jogadores. A sanfoneira pop de “Ai se Eu Te Pego” (565 milhões de visualizações youtubeiras desde 25 de julho de 2011), do sertanejo-ostentação Michel Teló, ribomba na memória. Como Teló fizera já fizera com o country norte-americano, o funk rappeado de Guime vem remexer, no baculejo, os conceitos e preconceitos de quem costuma reproduzir clichês vazios do tipo “funk carioca não é funk”, “funk carioca é musicalmente (musicalmente?) pobre” ou “funk-ostentação não presta”.

De quebra, “País do Futebol” e os dias que correm vêm evidenciar que o funk dos anos 2000 já passou de carioca e brasileiro virou – o interiorano Teló, a propósito, nasceu no Paraná e se radicou no Mato Grosso do Sul.

A Copa do Brasil vai começar em Itaquera, zona leste de São Paulo. Emicida é paulistano, Guime nasceu em Osasco. Os pássaros do carioca-mineiro Milton Nascimento ainda trazem a notícia de que o Brasil não é só litoral.

(Milton, a propósito, compôs para o carioca Wilson Simonal gravar, no calor trágico da Copa de 1970, um samba chamado “Aqui É o País do Futebol”.)

e

O clipe de “País do Futebol” segue passeando por Vila Madalena (São Paulo), Rocinha, Vidigal, Botafogo (Rio). E volta a ser documentário no depoimento de Neymar sobre “barreiras pela frente” e a superação das ditas cujas.

E o funk vira rap, rimado por Emicida, moletom “I <3 quebrada”, “o couro grita”, “eu sou zona norte, fundão, suingue de vagabundo” (vagabundo?, é assim que se chama quem trabalha a valer?) “dos que venceu a desnutrição e hoje vai dominar o mundo”.

No quesito ostentação, as marcas gritam (Red Bull à frente) – quando o dinheiro está em flow, até mesmo os preconceitos arrefecem (arrefecem?). Ostentação é a casa do Neymar, o relógio do Guime, a marra do Emicida, o morro brasileiro que não tinha vez nem voz nos tempos idos de Tom JobimElis Regina Jair Rodriges.

Uma declaração escrita encerra a partida documentomusical do zagueiro Guime: “Um salve para todas as quebradas. Acreditem nos seus sonhos”.

O que, em funk brasileiro, se convencionou rotular como “ostentação” é um dos equivalentes estéticos à ascensão social de um país, locomovida pela criação de milhões de novos empregos e por todo um time estelar de programas sociais. Olha o sambão, aqui não é mais SÓ o país do futebol.

 

Obs. em 11 de maio: este texto foi escrito sem o conhecimento de que “País do Futebol” se tornaria tema de abertura de uma novela global ~sutilmente~ denominada “GERAÇ4O BR45IL”; FAROFAFÁ convida os leitores a perceber como a Rede Globo adulterou a canção, limando a participação de Emicida e versos como o refrão “tocou Neymar é gol”. Haja respeito pela “geração Brasil”…

 

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40 COMENTÁRIOS

  1. Olá,
    envio a mensagem com o objetivo de informar algumas impressões,não que elas sejam essenciais, mas apenas como uma proposta de conversa.
    Imaginei, a princípio que a discussão passaria por uma perspectiva da produção do funk nesse momento de quase copa. Talvez isso tenha acontecido, mas estava esperando uma perspectiva mais crítica a cerca desse tema. O funk, é um produto, um estilo que no caso do MC Guimé, tem grandes objetivos comerciais, alias não só dele, como também de bandas como O rappa, Pata Fu, e por ai vai. Em um ano de copa, nada melhor do que tentar compor um hino positivo a cerca desse tema, assim ganha-se mais visibilidade e dinheiro. O que incomodou no texto foi exatamente isso, você apontar essa produção sem tangenciar essas questões mercadológicas. Coloca-las como categorias da ostentação não permite uma perspectiva mais profunda sobre isso. Essa postura do Emicida, Neymar e companhia, de que quem persiste alcança só são formas de mascarar todo um contexto social que é muito mais problemático. Falando em números, Neymares e ronaldos são exceções.

    • Pra você, só pode ser considerado “crítico” quem fala mal do objeto em estudo, Taina? Não concordo com esse conceito de “crítica”, se concordasse estava escrevendo na “Folha” até hoje…

      • O seu conceito de crítica é bem pobre, resume-se a não falar mal. O correto pra você seria o antônimo de crítica: bajulação, exaltação. Você sempre me pareceu o sujeito que quando cansa de escutar os ritmos “ostentação”, bota na vitrola um vinil do Clube da Esquina, Caetano Veloso, Bob Dylan, um tipo de cultura que aqueles moleques nunca tiveram acesso, afinal esse tipo de coisa acho que seria meio burgues né? Diferente de usar roupas de marca, relógios de ouro, carrões importados etc. De que forma mudar a realidade deles com essa inversão de valores? Ou será que todo mundo vai ter acesso a um estilo de vida luxuoso. É claro que este tipo de musica é significativo para a periferia, mas onde está um olhar mais distanciado, mais crítico? Se ficar falando mal não funciona, menos ainda a exaltação pura e simples. Alguém que escreve para o grande público tem a obrigação de pensar sobre estas questões, do contrário é melhor ler a revista Veja e assistir a Globo, esses artistas estão a toda hora na grande mídia mesmo.

        • Posso dar uma sugestão, Jonas? Experimente procurar no dicionário os vários significados da palavra “crítica”. Quem confunde “crítica” com apenas achincalhe e esculhambação tá entorpecido pela Veja e não sabe.

          • Você tem algum problema com interpretação de texto? Eu dei a entender que é preciso achincalhar, esculhambar? Sei muito bem o que é crítica, não leio a Veja e nem assisto a Globo justamente para evitar o tipo de “critica” a qual você faz, em tom de exaltação e um certo paternalismo que mascara mais do que desvela as mazelas deste país. O Guimê na capa da Veja e em uma novela da Globo não é a vitória da periferia, é “mais do mesmo”, é o capitalismo se apropriando de um ritmo popular.

          • Você está sendo ofensivo e chulo, Hugo Chaves. Mas isso pertence exclusivamente a você.

  2. Funk não é musica, é o resultado de um país com um índice educacional menor de que países Africanos, de cada 10 letras 10 não salvam. O Funk é a demonstração da falência musical humana.

      • Pedro Alexandre Sanches você é simplismente ridículo…

        Tratar o funk como questão racial é oportunismo do mais barato…

        O funk não faz bem… e esses moleques do funk não são necessariamente oprimidos… a grande maioria dos garotinhos de 17 anos hoje na periferia se dividem em 10% que são delinquentes e realizam crimes contra o patrimônio para ostentar, e os outros 90% são um bando de moleque pagando de bandido mas na verdade são tudo tonto igual esse Mc Gui e Guime, que se roubam alguém é o salário da própria mãe pra andar de Oakley e Quicksilver…

        Você ao ler isso deve estar pensando… “olha aí, mais um alienado sabe nada fã de Olavo de Carvalho…” Bom, de fato sou mesmo, entretanto, vai ver os que os caras que vivem na quebrada e sabem da real como Eduardo do Facção Central e Dexter… vai ver ou pergunta para eles o que acham do funk ostentação…

        Eduardo não é vendido como Mano Brown e mete a real… e o Dexter, puxou cana de verdade, não é metido a malandrão igual essa molecada… Ambos criticam pesado o funk, se quiser saber fale com eles, ou caso você não tenha a oportunidade que tenho de ter um deles como “vizinho”, procure no youtube…

        Ou, ignore tudo que leu e volte para sua bolha marxista/funk ostentação… hehehe quanta contradição… rs…

          • O fato de vc não me ofender, não muda o fato de suas afirmações serem ridículas…

            Além disso, você poderia me dizer pq estou enganado? Qual o seu argumento?

            A resposta pro lixo que é o funk ostentação não precisa ser dada por um Redneck.. já tá aqui:

            http://www.vagalume.com.br/dexter/nao-vejo-nada.html

            Qual a sua resposta para isso?

            Mas fica aí achando que o Guime faz bem para a quebrada…

            Esse fim de semana, no bairro que moro em SP (que tenho ctz que vc não tem coragem de entrar) 20 jovens, ouvindo Mc Gui / Guime / Beyonce e etc ficaram ao lado de um carro incomodando todos os vizinhos (que não são capitalistas opressores, mas sim outros trabalhadores da perifeiria)… e quando uma senhora (que tem um filho com problemas mentais que precisa de repouso) pediu para que baixassem o som, teve uma arma colocada em sua face e falaram que não abaxariam o som nem com a polícia ao som do finado Daleste… e gritavam “ostentação fora do normal…”

            É isso ae… continue assim! Tá ajudando muito a periferia malandrão…

          • Vou ficar batendo boca com gente passivo-agressiva a troco de quê, Pescoço? Meus argumentos estão nos meus textos…

  3. Infelizmente esta “rapaziada¨” da favela ostenta ter tênis de 600 reais, corrente de ouro, carros caros, ser atriz de novela e jogador de futebol mas nenhum deles que vivem ganhando dinheiro através da musica que contam suas realidade difícil, não percebem q não interessa a ninguém saber sobre suas dificuldades e cabe só a eles mudarem sua condição de exclusão, não de forma agressiva ou impositiva mas sim através dos estudos, através do trabalho honesto seja este trabalho qual for! Ainda não caíram na real q nada nesta vida vem fácil! Tudo que se deseja tem que ser conquistado com suor e muito esforço! Pobre geração que acha q ser feliz, reconhecido e “ganhar” a vida é viver com tênis Reebok e camiseta Armani! Triste geração perdida! Ostentação seria viver em um país justo e igualitário. Não tem música que faça isso acontecer! A música só reflete a ilusão geral que ter roupas de marca, que quem realmente tem dinheiro nunca usaria faz de alguém uma pessoa respeitável e melhor que outras. Superficialidade é ostentação de ignorância nada mais! As pessoas precisam de muito mais que aparência para conquistar o que realmente importa!

  4. Não acredito que o Brasil seja mais o “país do futebol”, a verdade é que o “país do futebol” não consegue segurar suas poucas “estrelas”. Garrincha, lembrado por jogar no Botafogo, Pelé (Santos), Zico (Flamengo), Sócrates (Corinthians)…O único time que conseguiu segurar um grande jogador foi o próprio Santos (Neymar), mas já foi…”nossos jogadores” são mais estrangeiros do que brasileiros. Hulk, quem lembra desse jogador fazendo história em um clube do Brasil? Apesar que hoje não reconheço mais um jogador de futebol, o que vejo por aí são “artistas (estrelas) do futebol”. Prefiro ficar com a música do Skank; “É uma partida de futebol.” Elis Regina, Tom Jobim…andava com o poeta Vinicius de Moraes, que criou o “Orfeu Negro”, a clássica história do Orfeu, na favela carioca. Mas é isso aí, queremos ver esses meninos da favela nos estádios da Fifa (em massa), vendo o jogo do Brasil. Afinal de contas, somos o país do futebol, e eles (meninos da favela) são moradores deste imenso “maracanã”. Ou será que ficaram limitados a jogar bola nas ruas de suas favelas? Estou vendo que quem vai samba no “nosso país do futebol” não são os meninos e meninas, são os gringos, afinal de contras, “até gringo sambou…”, quem não samba e ostenta, somos nós, moradores do país do futebol e da ostentação…o preço do ingresso para COPA DO MUNDO está de acordo com a renda financeira do morador da favela…

  5. O funk ostentação é na minha opinião a maior expressão do aumento de renda da classe D e C, e como tudo que vem das classes menos abastadas a elite não consegue destruir, ela absorve, assim como o capitalismo.

    Não tem crime algum usar corrente de ouro e roupas caras, mas é consumismo, é aceitar a conjectura da sociedade se inserindo nela.

    Guime e Emicida são um em um milhão.

    Mas a criança não tem consciência disso, e quando ela perceber que o talento dela não é suficiente para sobressair as mazelas que vive, qual será a sua reação?

    A gente precisa tomar cuidado.

  6. é foda cara, o futebol na vida dessa molecada e agora o funk é o unico caminho que eles enxergam para ter uma vida melhor e temos que admitir é uma das unicas formas de um pobre ficar rico. Não vou discutir aqui a questão do capitalismo e tals, mas é uma questão com varios e varios pontos, não podemos ignorar a voz do funk pq por mais que achemos que as musicas sejam pobres musicalmente falando, ainda assim, elas são reflexo da periferia, como diria Le Goff: uma sociedade é tbm aquilo que ela não tem e deseja ter

  7. O mais estranho que a esquerda defende o lado podre do capitalismo que é justamente representada pela cultura do funk, não faz sentido algum, ou melhor faz sentido.

    • Faz mesmo, Marcos. Quando as coisas desacomodam nossos pensamentos encaixotados em categorias estantes, é sinal que o mundo está em movimento.

  8. Sobre a camiseta vermelha do MC Guime: é o símbolo do grupo de RAP Wu-Tang Clan. Achei genial usar essa camiseta num clipe de música que tem a participação de um rapper.
    Essa música é sensacional!

  9. Pedro valeu pelo artigo que consegue ter o mesmo pique da música. Swing brabo, samba funk rap. ” Tocou Neymar é gol ” Ah e desculpa aí pelo pessoal do contra.

      • Deixe o pessoal do contra pensar de maneira contrária… não seja tão fascista (tal qual vc fez acima bloqueando a possibilidade de eu responder à sua resposta farofafinha…).

        Afinal “quando as coisas desacomodam nossos pensamentos encaixotados em categorias estantes, é sinal que o mundo está em movimento” foi você quem disse…

  10. Vi o clipe. Li o texto. A canção é boa. Guimê e Emicida são bons artistas emergentes da canção brasileira. Guimê fez uma excelente entrevista com Mário Sérgio Conti, mostrando clareza, articulação e boa reflexão, sem deixar de ser contraditório, como todos nós somos. A questão da Copa do Mundo no Brasil é bastante controversa, muito por conta da forma como corporações transnacionais como a FIFA agem, no meio termo do negócio do capitalismo global e das formas de neo-colonização que hoje tem como agente principal essas mesmas corporações transnacionais. É esquisito e complexo. Como enaltecer a nossa soberania e nacionalidade através da mediação de corporações transnacionais ultra-capitalistas? Em suma, o tema é complexo mesmo e dá o que pensar. Pensar é perigoso. E a arte também, pois a canção é muito bonita, a despeito, confesso, das minhas reservas, não quanto à qualidade dos artistas, mas quanto à “mensagem” que envolve tantos interesses que definitivamente não são bons para a democratização da sociedade brasileira, embora a presença e o reconhecimento do valor desses artistas seja…

  11. Como pode ter tanta gente se indignando com um texto, que sob a minha ótica, é predominantemente descritivo.
    Fico imaginando o tamanho do rebuliço, se de fato, o texto fosse argumentativo.

    • Arrisco dizer que não é exatamente com meu texto que estão irritados, Blanche…

      Tem um fenômeno maior à espreita, né? Tem uma Tensão Pré-Copa rolando. Tem um acontecimento que vem aí e que vai mexer com o orgulho, o amor próprio e a vergonha escondida de todo mundo, até do mais rabugento dos braZileiros.

      Não sei quanto disso será positivo ou negativo (ou neutro, como gosta de advogar a mídia panfletária de direita), mas decididamente nunca mais seremos os mesmos depois de junho de 2014. O Brasil estamos indo para um novo lugar, e isso mexe à beça com os nervos da gente.

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